Freedom Manifesto, Projecto de Manifesto pela Reconstrução do Movimento de Libertação dos Negros

Reproduzimos abaixo curtos excertos de um documento publicado em Agosto de 2016 pelo Black Liberation Unity Committee (Comité Unitário pela Libertação dos Negros). Pode obter-se o texto na íntegra, escrevendo para Twenty-first Century Books and Publications, mail : tcbchgo@aol.com ou ao Ujima People’s Progress Party, mail: uppmaryland@gmail.com.

O movimento de libertação dos negros está em pleno renascimento. Os militantes combatem o terrorismo policial, batem-se pelo emprego, por salários que permitam viver, por alojamento para os que vivem na rua, contra o racismo ambiente, por um ensino de qualidade, por que os nossos irmãos e irmãs LGBT (gay-lésbicas-bi e transexuais) vejam os seus direitos humanos reconhecidos, entre muitas outras coisas. Este Manifesto pretende-se uma contribuição para permitir unir as nossas diferentes forças e construir um movimento poderoso pela libertação dos negros e pela transformação de toda a sociedade.

O nosso movimento foi poderoso e está a voltar a sê-lo. Precisamos de tirar as lições dos nossos combates — passados, presentes e futuros — e reflectir juntos nos problemas que se nos põem e nos meios para os resolver. Este Manifesto, se for amplamente lido e discutido, individualmente ou em grupos, pode participar da criação de um consenso nacional, a ratificar quando se realizar uma Assembleia Nacional pela Libertação dos Negros.

Combatemos o capitalismo

A esquerda negra combate em todas as frentes contra todas as formas de opressão. O cerne da unidade é que os nossos combates, todos eles, só podem andar para a frente se montarmos uma ofensiva radical contra o sistema capitalista como sistema racista de exploração de classe, de opressão nacional e patriarcal, e contra o imperialismo. O capitalismo é a maneira de o 1% controlar a sociedade e a economia mundial. É a fonte do nosso sofrimento.

O que é o capitalismo? O capitalismo é um sistema económico, social e político que explora o trabalho dos trabalhadores e alimenta a ganância das empresas e dos ricos que possuem as fábricas e as máquinas. Quem trabalha e cria valor são as pessoas, transformando matérias-primas em produtos úteis. Pagam-nos muito menos do que o valor que criamos — pagam-nos o mínimo. A maior parte do resto é um excedente que as empresas apropriam como lucro. Os trabalhadores e os proprietários disputam este excedente. Estes vivem à grande enquanto nós passamos fome. No estádio monopolista de desenvolvimento, o capitalismo transforma-se em imperialismo, um sistema global de exploração de países pelo mundo fora.

De que modo se baseia o capitalismo americano, na sua origem, na escravatura? A riqueza necessária à geração do sistema industrial nos EUA foi criada dos sobrelucros tirados da venda e do trabalho dos escravos, mormente nos campos de algodão. Esta riqueza de base esclavagista financiou muitas empresas e bancos. Esta riqueza escorou famílias ricas, que herdam e mantêm o controlo das instituições sociais e culturais, como as universidades privadas, especialmente na “Ivy League” [1].

De que modo nos explora o capitalismo? Hoje em dia, o capitalismo está em transformação, substituindo trabalho humano por máquinas “inteligentes”. Se as pessoas não trabalharem em troco de um salário, o sistema de mercado para a circulação de bens e serviços encrava. Sem trabalho, nem nós podemos comprar do que necessitamos, nem eles podem vender.

De modo que o capitalismo passou a fazer dinheiro com a morte. Com comida que não presta. Com maus cuidados de saúde. Todo o género de drogas e álcool. Cultura televisiva que destrói a mente. O complexo militar industrial produz armas para guerras imperialistas e toda a sorte de agressões militares, incluindo a violência nas nossas cidades. Não raro as nossas igrejas se tornam seus apêndices, pregando mais o dinheiro do que a moralidade.

De que modo explora o capitalismo o mundo? O 1% usa intervenções militares apoiadas por organizações globais, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. Cativam trabalho barato e matérias-primas importantes um pouco por toda a parte. Usam as Nações Unidas e a NATO para justificar a agressão militar imperialista. Assim vão mantendo a passagem de riqueza dos países pobres para os países ricos.

É possível derrotar o sistema capitalista? Nada dura sempre. A escravatura acabou. O feudalismo acabou. O capitalismo acabará também. A humanidade cada vez menos tem a ganhar com o sistema capitalista e cada vez mais o detesta e combate. Fora dos EUA, a resistência rejeita explicitamente o capitalismo. Aqui, defrontamos, contudo, o terrorismo macio dos meios de comunicação. Estes têm a obsessão de abafar qualquer discurso alternativo. O fim do capitalismo dependerá da nossa unidade de acção militante entre e com os movimentos de resistência da classe operária e das nações e povos oprimidos, incluindo os movimentos afro-americanos.

A Estratégia de Unidade da Classe Operária Passa por a Classe Operária Negra Encabeçar a Luta

Porquê a classe operária? A maioria da população dos Estados Unidos é composta de trabalhadores. Todos somos explorados pelo sistema capitalista. As pessoas sabem-no e opõem-se-lhe de muitas maneiras.

É claro que existe um chauvinismo nacional racista que faz de alguns trabalhadores brancos inimigos dos negros e de outras pessoas de cor, especialmente trabalhadores e pobres. Os meios de comunicação tradicionais espalham a mentira de que nós, trabalhadores negros, somos a causa dos seus males. À medida que a luta pelos nossos interesses, contra os patrões, se desenvolve, reúnem-se condições para denunciar o papel do supremacismo branco na divisão da classe operária, na defesa dos privilégios dos brancos e na justificação da exploração e opressão dos negros. Temos o ensejo de ganhar números significativos de trabalhadores brancos para a unidade operária anti-racista. Isto é solidariedade operária.

Reflectindo globalmente, outros aliados do Movimento de Libertação dos Negros são os militantes do movimento operário internacional, especialmente das nacionalidades e povos oprimidos. O inimigo do meu inimigo meu amigo é.

Organizações negras do movimento operário. A primeira organização operária negra foi o Colored National Labor Union, em 1866. Frederick Douglass foi um dos seus primeiros dirigentes. Houve activistas operários envolvidos em cada etapa da organização do movimento de libertação dos negros. Testemunhámos a luta pela integração dos trabalhadores negros nos sindicatos da CIO [2] nos anos trinta, a mais vasta e significativa sindicalização de trabalhadores americanos. Tivemos a League of Revolutionary Black Workers (Liga dos Trabalhadores Revolucionários Negros, 1969), o Black Workers Congress (Congresso dos Trabalhadores Negros,1971), a Coalition of Black Trade Unionists (Coligação de Sindicalistas Negros, 1972), os Black Workers for Justice (Trabalhadores Negros pela Justiça, 1981) e o Black Workers Unity Movement (Movimento Unitário dos Trabalhadores Negros, 1985). Hoje em dia temos numerosos núcleos negros de base, centros operários e a Southern Workers Assembly (Assembleia dos Trabalhadores do Sul).

Unidade anti-imperialista com os latinos. A opressão nacional e a exploração capitalista extrema dos latinos fazem deles aliados próximos dos negros. Mormente os que têm raízes no México, em Porto Rico e nas Caraíbas e Américas em geral. A estratégia capitalista é de dividir os trabalhadores e lançá-los uns contra os outros. Os mais desesperados de entre nós aceitam os salários mais baixos. A nossa unidade de classe tem de tomar uma posição forte contra este estratagema capitalista e unir os trabalhadores negros e morenos numa causa comum. Para derrotar o imperialismo, temos de unir as lutas contra a exploração de classe e a opressão nacional, dentro e fora do país.

Luta de classes e Libertação dos Negros. A luta dos trabalhadores começa por ser, acima de tudo, uma luta por melhores salários e condições de trabalho, incluindo benefícios sociais e pensões de reforma. A luta é individual, é na equipa de trabalho, é no local de trabalho e é em sectores inteiros da indústria. Tudo isto é necessário. Mas podemos ir mais além e atar estas lutas por reformas à visão e coordenação de acabar com o sistema capitalista de uma vez por todas. Encontramo-nos em guerra, guerra aberta: os capitalistas contra as massas de trabalhadores e os pobres. Eles vão-nos querer enganar sempre. Capitalismo significa exploração. São essas as regras do jogo.

A Nossa Luta por Reformas Prende-se com uma Estratégia Revolucionária

A luta quotidiana. A ideia de revolução é abstracta, mas a luta por ela não é. Os trabalhadores resistem na sua vida quotidiana, nos locais de trabalho, nos centros de emprego, nas mercearias, escolas, igrejas e não só. As grandes ideias políticas tomam forma na prática do terreno. Quando a luta se intensifica, todos se podem educar, politizar e começar a pensar na ligação entre a luta pelas reformas e o salto revolucionário que é necessário. Neste contexto, uma esquerda negra pode ancorar-se no nosso povo, na luta que ele próprio trava. Unimo-nos a ele. Perfilhamos a sua liderança. Ligamos a sua luta à luta de outros. Ajudamos a recapitular e a aprender as lições das vitórias e derrotas. Formamos militantes para melhorar a sua capacidade de sustentar a luta.

Resistir todos os dias! Ligar a luta por reformas a objectivos revolucionários!

Responder a ataques racistas. Há que opor-se a todo e qualquer ataque racista e construir a resistência de massas para acabar com eles, do mesmo modo que afirmámos as palavras de ordem “Nem mais um Trayvon!” [3] e “As Vidas Negras Importam!”. Fazemo-lo como parte da mobilização nacional de massas. E assim temos de continuar, a níveis superiores e mais coordenados. É uma tarefa chave para a reconstrução de um movimento de libertação nacional dos negros.

A luta eleitoral. O Estado capitalista é um jogo viciado, controlado pela classe dominante. Eles não jogam limpo, e não podemos ganhar entrando no jogo e tentando reformá-lo. Quantas vezes fomos aliciados para entrar na política local, como presidentes de câmara ou vereadores, com o fito de tentar consertar um sistema falido que não dá para consertar com reformas mínimas.

No entanto, a política eleitoral é um terreno de luta em que o debate e a discussão podem aumentar a consciência. Podem-se apresentar alternativas à hipocrisia e às ilusões dos políticos tradicionais. O movimento tem de manter autonomia em relação ao controlo do Estado e das ONGs. Por outro lado, o poder negro ao nível local pode ser usado pelo movimento, especialmente se construirmos o poder independente das forças em luta pela sindicalização, por salários correctos, por expropriações para alojar os sem-tecto, por fundos para as escolas públicas em vez de para as escolas livres (charter schools) e por aí fora.

 

 

NOTAS

[1] Ivy League: grupo de oito universidades privadas do Nordeste dos Estados Unidos, que são das mais prestigiadas, sinónimo de excelência e elitismo social.

[2] CIO, Congress of Industrial Organizations, confederação sindical constituída no seguimento da crise económica de 1929, inicialmente em concorrência com a AFL, criando com esta a grande central AFL-CIO após a fusão de ambas em 1955.

[3] Referência a Trayvon Martin, jovem afro-americano de 17 anos, abatido ao fim da tarde de 26 de Fevereiro de 2012 em Sanford, Florida.