Revolta contra o governo de Milei

Na província de Misiones, 1.000 km a norte de Buenos Aires, uma semana de rebelião dos professores, motim policial e levantamento de trabalhadores da saúde, da energia e outros trabalhadores do Estado.

16 de Maio: um grande grupo de professores, em luta por um aumento salarial de 100%, invade o edifício da Assembleia Legislativa Provincial.

17 de Maio, de madrugada: cerca de 600 polícias cercam o comando da polícia em Posadas, capital da província, e montam um acampamento. Exigem 100% de aumento, como os professores.

Os polícias formam com os professores um “Comité Popular de Crise”. As forças federais, deparando com a polícia amotinada, recuam para não provocar um confronto armado sangrento.

21 de Maio: os professores rejeitam o aumento de 30% aceite pelas direcções sindicais filiadas na CTA. Bloqueiam uma estrada e deslocam‐se 20 km até ao acampamento da polícia, a que se juntam, superando naturais recriminações. O representante dos polícias amotinados, Ramón Amarilla declara: “Ouvi um professor dizer que os reprimimos muitas vezes. Peço‐lhes desculpa em nome das autoridades que nos obrigam a lutar pobres contra pobres”.

22, 23 e 24 de Maio: trabalhadores da saúde organizados na base ultrapassam os dirigentes sindicais e juntam‐se à luta dos professores e dos polícias, tomando as instalações provinciais do seu ministério e montando o seu próprio acampamento. Rejeitam o ridículo aumento salarial de 28% aceite pelos sindicatos da CTA e da CGT.

24 de Maio: junta-se ao protesto um grupo de centenas de produtores de erva‐mate, a bebida nacional. Insurgem-se contra as medidas de Milei de liberalização das importações e eliminação de preços mínimos.

A explosão social em Misiones, que ameaça alastrar a outras regiões, é o resultado directo das medidas de choque ultraliberais que Milei tem tomado desde que chegou ao poder, há apenas seis meses: um “ajustamento fiscal” brutal, redução das transferências para as províncias, despedimento em massa de funcionários públicos, liberalização das tarifas da água e eletricidade, cortes nas pensões, liberalização geral da economia…

Entretanto, a inflação mantém-se em 280% ao ano, e o peso desvalorizou-se brutalmente. 275 mil trabalhadores perderam o emprego nos sectores público e privado em apenas 3 meses. A taxa de pobreza aumentou para 55% da população. A actividade económica entrou em colapso, com uma quebra homóloga de 8,4% (construção: ‐ 29,9%; indústria transformadora: ‐19,6%) e consequentes encerramentos em série na indústria pesada. Em Março, a capacidade instalada no sector industrial era utilizada a 53,4%. O salário médio dos trabalhadores do sector formal passou abaixo do nível de pobreza.
O consumo das famílias na província de Buenos Aires registou uma queda de 35% em Abril, 43% na parte Sul, pobre e de classe trabalhadora.

A política de destruição de Milei logrou um excedente fiscal primário e o aplauso encarecido do FMI e dos comentadores económicos internacionais.

Mas as massas trabalhadoras não se ficaram. Em apenas seis meses, já houve duas greves gerais de 24 horas – embora passivas e relutantemente convocadas pela burocracia sindical – e uma mobilização maciça em defesa da universidade pública, com a participação de quase um milhão só em Buenos Aires.

A revolta de Misiones é um sintoma de que a classe trabalhadora e os seus representantes de base estão dispostos a encabeçar o seu próprio movimento, ultrapassando as burocracias sindicais. A quebra, posto que temporária, do próprio aparelho de estado expressa na revolta das forças repressivas abre aos trabalhadores de todo o país, que enfrentam situação igual ou pior, o caminho da insurreição contra o apocalipse liberal-fascista de Milei.