As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OOGMA) remontam a 1918. Empesa pública, passou a sociedade anónima de capital público com Cavaco, em 1994, e foi privatizada por Paulo Portas (numa operação entretanto, clássica: o Estado investiu 150 milhões para pagar dívidas; a seguir vendeu… por 11 milhões!) O capital é detido a 65% pela holding da Embraer brasileira, mantendo-se o restante na mão do Estado português.
Entrevista com Vítor Gonçalves,
delegado sindical do STEFFAS
Podes podes-nos dar as linhas gerais das razões da luta dos operários das OGMA nesta altura, que levaram à greve de de 4 horas na segunda-feira, 20 de Maio?
As razões gerais são que os ordenados continuam a ser muito baixos. Historicamente, tivemos um período, entre 2002 e 2017, sem actualização salarial. Salvo erro, acho que, em 2010, tivemos 0,5%, uma coisa mesmo residual. Depois tivemos uma travessia no deserto de 6 anos, foi mesmo 0% nesse período. Perdemos bastante poder de compra nessa altura.
Em 2016 fizemos uma acção de luta pelas ruas de Alverca, nos mesmos moldes de apanhar 2 horas do horário da manhã e 2 horas da tarde. A bandeira principal era a actualização salarial. Fomos cerca de 300 trabalhadores pelas ruas de Alverca, depois algumas pessoas da cidade juntaram-se a nós.
Correu bastante bem. Logo a seguir, tivemos uma actualização salarial de 2% ou por aí. Todos os anos temos levado sempre isso, uns 2%. O ano passado foi o ano em que, mesmo assim, tivemos mais, 2% em Janeiro e depois 3 e meio por cento em Junho, a meio do ano, portanto uns 5,5%. Só que, mesmo assim, foi abaixo da inflação, que, salvo erro, o ano passado fechou em 7 ou 8%. Mesmo no ano passado, continuámos a perder. Isso tem dado azo a que o pessoal começasse a sair da empresa, para a Holanda, Bélgica, Luxemburgo, para empresas de subcontratação do ramo aeronáutico. Vão lá ganhar 4 ou 5 vezes mais do que aqui. Já saíram largas dezenas de trabalhadores, com 5, 10, 20 e até com 30 anos de casa, uma faixa etária dos 25 aos 50 anos. É péssimo, porque dá azo a que a empresa comece a recorrer a outsourcing, pessoal espanhol, brasileiro, que vão trabalhar para o pé de nós a ganhar muito mais, o que cria um ambiente laboral terrível.
A nossa primeira reivindicação, no início de 2024, até para estancar esta hemorragia, para o pessoal e a sua sabedoria ficar na empresa, foi um aumento salarial. Nós pedimos basicamente 175 euros para os níveis mais baixos e depois progressivamente em escadinha até 150 no nível 19. O nível de entrada neste momento é o nível 12, que são 950 euros.
Qual foi a resposta da empresa?
Foi quase a gozar connosco, ofereceram-nos 1%. Achámos a proposta inaceitável e isso deu azo a um processo de muitas reuniões. Em cada reunião, eles apresentavam uma contraproposta a dar mais um bocadinho, passaram para 1,5%, depois começaram a meter um 1 euro de subsídio de refeição por dia, coisas assim, até chegar à proposta final, já ligeiramente melhor, mas, mesmo assim, muito longe da nossa reivindicação inicial.
Eles dizem que é um aumento nominal de 5% da massa salarial, mas é muito falacioso, porque contém prémios e subsídio de refeição (que só recebemos por dia de trabalho efectivo). Agora propõem 41 euros fixos para toda a gente, dá 4,1% para o ordenado de 1000 euros, para o nível 32, que são 3600 euros, nem 2%. Até concordamos que seja em valor fixo, mas não esses valores. Falar em 5% de aumento é desonesto intelectualmente, a maior parte não é afectada pela negociação anual. O dinheiro deve ir para o salário, que se reflecte no trabalho extraordinário, no subsídio de férias e no valor a considerar se um jovem precisar, por exemplo, de um empréstimo do banco.
Nós estivemos na concentração. Que avaliação fazes? Vimos largas centenas de trabalhadores que se concentraram à porta da fábrica, qual era o sentimento durante e depois da concentração?
Eu acho que, no pico máximo, estavam lá talvez 400 pessoas. Mais ou menos o que eu estava à espera. À parte alguns quadros, 70% é pessoal dos fabricos e montagens, da fábrica da ferrugem, como eu costumo dizer, que estava em peso; mas da secção de motores, da secção de compósitos, da manutenção civil, pouca gente. Pessoal da mão-de-obra indirecta e pessoal do escritório, isso não estava lá ninguém. Apesar de estar muita gente, houve quem não usasse o pré-aviso, e é preciso assumir a posição que greve é greve. Os recursos humanos têm acesso às picagens, depois vêm dizer que afinal só havia 200 pessoas com pré-aviso, isso de querer ficar bem com deus e com o diabo acaba por enfraquecer a nossa posição e dar ferramentas ao patronato.
Por outro lado isso talvez seja um pouco o pessoal estar a querer para já tornar a temperatura, ver se aparece muita gente, se a coisa é para andar… Qual foi a principal decisão do plenário que se seguiu à greve?
Vai haver plenário geral quarta-feira, 29, e nós vamos levar 2 propostas nossas, a administração deve dar a deles entretanto. Temos uma proposta só para actualização salarial, sem subsídios, que é basicamente de 50 euros a partir de 1 de Abril, que depois, em 1 de Setembro, passa a 80 euros, que é a nossa opção número 1. As duas opções serão postas à votação.
Eles fizeram um ultimato: que, com os 80 agora e os 100 depois a empresa não aguenta e entra em falência técnica, não há futuro para a empresa nem para os trabalhadores, disseram mesmo assim. Davam-nos para negociar até dia 30, caso contrário iam assinar a proposta deles com os três sindicatos que já deram o acordo.
Enfim, foi graças à nossa resistência que se conseguiu que eles aumentassem as propostas. Mas, além do SITAVA e do SITEMA, com quem temos boa articulação, os outros sindicatos têm optado por uma posição oportunista e parasitária. Corremos o risco de a administração assinar o acordo com eles, que depois o usarão para angariar filiados por ficarem em posição mais vantajosa. Se nós ficamos fora da negociação, da próxima podem começar a mexer nas horas extraordinárias, que neste momento estão salvaguardadas a 125%. E pode estar em risco o banco de horas, que está lá, mas um trabalhador só lhe fica vinculado por sua vontade.
Quando estávamos a distribuir comunicados a convocar o pessoal a comparecer em massa na greve, a administração convocou o pessoal para reuniões de emergência, com uns slides a dizer que era melhor o pessoal aceitar a proposta da administração. Era para condicionar a adesão à greve, ameaçando o direito à greve consagrado na Constituição. Fizeram isso porque os trabalhadores compareceram em massa ao nosso plenário e votaram que não queriam os 41 nem os subsídios, queriam os 80 EUR de actualização salarial e 100 depois. Voltaram à carga para partir a espinha dorsal da resistência. Na greve, que foi positiva, não apareceram televisões, o que foi mau: poucos dias antes tinha havido uma notícia na comunicação social a dizer que a OGMA ficou em segundo lugar como empresa mais atractiva para trabalhar, com a Microsoft em primeiro, ficamos à frente da Bosch. Para não manchar a “reputação” da empresa na opinião pública, deve ter havido pressão de cima para não virem televisões, a administração tem ligações ao CDS/PP, donde é o ministro da defesa, e os amigos na alta esfera condicionam a liberdade de imprensa, é isso que deve ter acontecido.