
Às 21 horas deste domingo, tornou-se claro que o Rassemblement National (União Nacional) não só não terá maioria absoluta na Assembleia Nacional, como consegue um resultado muito inferior a todos os prognósticos das sondagens, apesar de obter considerável aumento do número de deputados.
Movido pela consciência do perigo para a democracia e os direitos dos trabalhadores, o povo trabalhador e a juventude varreram o risco de um governo da União Nacional.
Mais: pegando em massa nos boletins de voto da Nova Frente Popular ⎼ que, contra todas as expectativas, saiu à cabeça do escrutínio ⎼ , os trabalhadores e a juventude afirmaram a sua exigência de afastamento da União Nacional, a sua rejeição das políticas de Macron (e de coabitações de todo o género) e a sua exigência de uma política que responda verdadeiramente às suas necessidades e reivindicações, uma política de ruptura com a classe capitalista.
O resultado eleitoral imposto pelo eleitorado operário e popular não é de forma alguma uma vitória da política dita de frente republicana. Não esqueçamos que, logo na noite da primeira volta, Macron apelara à formação de uma ampla frente republicana. Não esqueçamos também que Mélenchon foi o primeiro a responder positivamente, anunciando a retirada dos candidatos da Nova Frente Popular que ficaram em terceiro lugar. Seguiu-se uma série de desistências sem precedentes na história da Vª República.
O dispositivo criado pela Nova Frente Popular ao apelo de Macron permitiu a reeleição de Darmanin, Borne e outros reaccionários encartados. Na noite de 7 de Julho, na sequência das negociações semi-secretas que se multiplicaram entre as duas voltas, assistimos ao lançamento de pontes entre o clã macronista e a Nova Frente Popular.
Vale a pena repetir, contudo, que o voto maciço nos candidatos da Nova Frente Popular, longe de ser um aval à frente republicana, surgiu, pelo contrário, em oposição à táctica da frente republicana. Independentemente dos dirigentes da Nova Frente Popular (NFP), para milhões de trabalhadores e jovens, o conteúdo, aos seus olhos, do voto na NFP foi, contrariamente àquela táctica, o de um voto classe contra classe.
O que é certo é que quem lucrou grandemente com a táctica da frente republicana foram os macronistas. Na sua declaração desta noite, Macron afirmou que “o bloco central está vivo e de boa saúde”. O que é verdade, está bem vivo, graças à táctica de frente republicana com a Nova Frente Popular.
Uns como outros, os do centro, os da direita e os da esquerda, alinham no consenso pela continuidade das instituições.
A 7 de Julho, Mélenchon reivindicou que fosse a Nova Frente Popular a formar o governo, com o primeiro-ministro saído das suas fileiras. Advertiu Macron para que se deixasse de manobras. Exigiu a demissão de Attal; mas em nenhum momento pediu a demissão de Macron; e nunca apresentou a mínima objecção à permanência de Macron no cargo. Disse: “é o presidente que tem o poder, é o presidente que tem o dever”.
Glucksmann, por seu lado, afirmou que, para governar, era necessário conseguir acordos sobre projectos que extravasam em muito o âmbito da Nova Frente Popular.
Todos eles concordam num ponto: que se deve instaurar uma coabitação. A mesma coabitação que, como sabemos, acaba por dar todos os poderes ao Presidente. Não é coincidência François Bayrou ter-se referido, esta noite, ao discurso do General de Gaulle em Bayeux, em 1946, recordando que esse discurso-programa viria a encontrar aplicação doze anos mais tarde, com a Constituição da Vª República, visando eliminar o papel dos partidos, integrar os sindicatos no Estado e concentrar os poderes nas mãos do Presidente.
Todos eles a favor da coabitação. Que acordo político permitirá a coabitação?
Por um lado, como acaba de declarar Pierre Heilbronn, o enviado especial de Macron para a Ucrânia, “todos os partidos referem que apoiam a Ucrânia”. Sossegue a NATO. Por outro lado, todos eles se comprometem a respeitar as prerrogativas do Presidente, pedra angular das instituições da Vª República, erguidas para preservar o regime capitalista.
Este duplo consenso explica por que a classe capitalista tentará ⎼ pelo menos para começar ⎼ resignar-se a uma possível coabitação. Não que ela se sinta sossegada. “Podemos chegar à revolução?”, interrogou- se, entre as duas voltas, um patrão angustiado nos Encontros Económicos de Aix-en- Provence. Fica feita a pergunta.
Os partidos e organizações historicamente oriundos do movimento operário têm uma pesada responsabilidade pela situação aberta a 9 de Junho pelo avanço espectacular da União Nacional. Bastará lembrar que eles foram ocupantes do Eliseu ou de Matignon (na maior parte das vezes, de ambos) mais de metade do tempo durante os quarenta e três anos decorridos desde a eleição de Mitterrand, em 1981. Levados ao poder no seguimento de mobilizações maciças dos trabalhadores e dos jovens pelas suas reivindicações, estes partidos viraram-lhes as costas. Pior ainda, recusando-se a romper com a classe capitalista, aplicaram, contra os trabalhadores, directivas, planos e contra- reformas da União Europeia.
Ora, as eleições de 9 de Junho, 30 de Junho e 7 de Julho mostram que a grande maioria do país exige a ruptura.
O que os trabalhadores disseram a 9 de Junho, 30 de Junho e 7 de Julho foi: “Queremos um aumento geral dos salários e recuperar o poder de compra; queremos trabalho, empregos e a proibição dos despedimentos; queremos habitação digna e acessível e serviços públicos restaurados em todas as cidades e bairros. Para isso, para os hospitais, para as escolas, para a habitação, para o emprego, para o poder de compra, é preciso ir buscar o dinheiro onde ele está, às montanhas de lucros e dividendos capitalistas que aumentam ano após ano. E também aos enormes créditos afectados à guerra”.
Para satisfazer estas exigências, só há uma maneira: romper com a Vª República e com os ditames capitalistas da União Europeia e da NATO. Os trabalhadores precisam de uma república democrática, não de uma Vª República que sobreviva à coabitação. Uma república dirigida por e para a maioria que só tem o seu trabalho para viver, uma república dos trabalhadores: eis o que uma Assembleia Constituinte soberana poderia e deveria instaurar.
Esta noite de 7 de Julho, tanto Jean-Luc Mélenchon como Olivier Faure garantiram que vão aplicar o programa da Nova Frente Popular. Os próximos dias mostrarão que verdade há nisso e como as coisas se encaixarão. Mas uma coisa é certa: os trabalhadores e os jovens que votaram maciçamente na Nova Frente Popular em 7 de Julho fizeram-no para exprimir a sua exigência de ruptura, ruptura com o capitalismo, ruptura com a Vª República, ruptura com a política anti-operária. Essa é hoje a questão central.