Nos primeiros dias do pacato mês de Agosto, um repentino terramoto ocorrido na bolsa japonesa, depois repercutido à escala mundial, pôs pele de galinha e o credo na boca aos comentadores acreditados da imprensa.
Leia-se, por exemplo, o terror que respira o editorial do Público de 6 de Agosto: “No momento em que as bolsas dão um espirro, seja em Tóquio ou em Nova Iorque, é importante interpretar os sinais, avaliar as questões estruturais que estão por detrás desse espirro e tentar antecipar soluções. Mas também é importante manter a calma para evitar que as ondas de choque se espalhem pelo mundo antes mesmo de a recessão acontecer.”
Entaramelam-se os comentadores em explicações: o Banco do Japão anunciou um (minúsculo) aumento das taxas de juro japonesas, quando a Reserva Federal americana anuncia a possibilidade de baixar as suas (ligeiramente), para tentar evitar a recessão que assoma na economia americana.
Enquanto fora o banco central americano a aumentar as taxas, e o japonês, às aranhas com uma interminável estagnação económica, não, os capitais especulativos procuravam o dólar, enfraquecendo o yen. Isso tornava os valores japoneses baratos e lucrativos. Entre 2023 e meados de 2024, investidores estrangeiros compraram o equivalente a 60 mil milhões de dólares em acções japonesas.
Nisto cai o anúncio do Banco do Japão.
Com juros mais altos no Japão, os capitais investidos em yen passariam a render mais, atraindo investidores internacionais; a moeda nipónica, mais procurada, valorizar-se-ia contra o dólar. O yen mais forte prejudicaria a competitividade dos exportadores industriais japoneses, baixando potencialmente os seus lucros. As acções das empresas japonesas ficariam menos lucrativas para os investidores. A sua procura baixaria.
O resultado: a bolsa de Tóquio sofreu uma queda repentina de 12% num dia (recuperou 9% no dia seguinte, quando os especuladores especializados em pechinchas foram a jogo).
A bolsa de Tóquio é uma das mais importantes do mundo. A queda repentina do seu valor vibrou um calafrio colectivo nas restantes bolsas pelo mundo fora.
Mas se este é o resumo dos acontecimentos e das suas explicações “económico-financeiras”, atrás da cadeia de condicionais de que ele consta esconde-se uma verdade mais crassa – uma verdade que os editoriais deixam de fora.
A única coisa que os (potenciais!) movimentos “assimétricos” dos dois bancos centrais para já fazem é alterar a expectativa dos “investidores internacionais” quanto ao resultado das apostas especulativas que eles constantemente fazem sobre os movimentos futuros das divisas e dos valores bolsistas.
A mudança de “expectativas” dos especuladores sobre o resultado das suas apostas foi o que, de forma completamente independente da situação económica ou mesmo monetária propriamente dita, causou a retirada rápida e cumulativa de (fundos de) capitais internacionais dos valores ligados às empresas japonesas (todas elas!) – fazendo cair maciçamente as suas cotações.
O aspecto, no fundo, mais importante deste abalo bolsista (para já, aparentemente limitado) é também cuidadosamente evitado pelos comentadores.
Este abalo – que é, repita-se, efeito directo da acção colectiva do grande capital internacional – vem recordar aos postos de comando e controlo em Washington e nas capitais suas vassalas que o risco de uma crise catastrófica é cada vez maior se não se conseguir alimentar rapidamente a fornalha da especulação com novas fontes de negócio, de matérias-primas baratas e de mercados.
Cada abalo sísmico “pré-apocalíptico” nas bolsas aumenta exponencialmente a pressão sobre as chancelarias e as chefias do Pentágono e da NATO para apressarem os preparativos de guerra. Não só da(s) guerra(s) para eliminar os pequenos Maduros e os médios Putins deste mundo – mas, principalmente, a guerra imperialista para acabar com o domínio do aparelho político do Partido Comunista Chinês, domínio que é um reflexo longínquo e muito deformado da revolução chinesa, sobre os mercados de bens, mercados financeiros e fontes de matérias-primas da China para abri-los às escâncaras e sem freio ao capital internacional.
Essa é a roleta que continua a rodar.