Bangladeche: Polícia e forças especiais contra o movimento pacífico dos estudantes. A primeira ministra foge para o estrangeiro

Os noticiários acabam de dar conta da fuga precipitada da primeira ministra do Bangladeche, Sheikh Hasina, para a Índia. O regime desmorona-se face ao avolumar do movimento revolucionário que se iniciou quando os estudantes do país se mobilizaram contra um velho e ultrapassado sistema de quotas de entrada na função pública. Juntamos uma carta enviada no dia 17 de Julho (pouco depois, o regime cortou a internet) pelo secretário-geral do Partido Democrático dos Trabalhadores do Bangladesh, informando da situação.

Foto da repressão de manifestação estudantil em Daca, 18 de Julho.

Caros camaradas,

Em 1 de Julho, os estudantes começaram a mobilizar-se para acabar com o ultrapassado sistema de quotas. No momento em que escrevo estas linhas, contam-se já trinta e sete mortos, vítimas da repressão. Milhares de estudantes ficaram feridos. A capital é palco de confrontos. Há polícia por toda a parte. As famílias das vítimas nem sequer são autorizadas a visitar os restos mortais dos seus entes queridos.

Como se chegou a isto? Após a guerra da independência, em 1971*, foi criado um sistema de quotas no acesso à função pública. Este sistema reservava postos de funcionários para os filhos dos combatentes pela independência. Meio século depois, o sistema favorece os filhos dos apoiantes do regime da primeira-ministra, Sheikh Hasina, membro da Liga Awami. Mais de metade das pessoas recrutadas não são seleccionadas com base no mérito, mas pelas quotas. Em 2018, os protestos dos estudantes conseguiram que o sistema de quotas fosse limitado. Mas o Tribunal Superior reverteu esta decisão em Junho de 2024. Foi o rastilho para a mobilização. Os estudantes apelaram a observar pacificamente um programa de “encerramento completo” das universidades.

Embora o movimento estudantil tenha sido espontâneo e pacífico, o governo deixou que os grupos armados da organização estudantil do partido do governo, a Liga Chhatra, atacassem os estudantes com bastões, barras de ferro e catanas. Depois entraram em acção a polícia e as forças especiais. Até à data, mais de um milhar de estudantes foram feridos, e trinta e sete tombaram como mártires. As universidades de Dhaka, Jahangirnagar, Rajshahi e Chittagong foram encerradas. A polícia e o SWAT (forças especiais) atacaram em conjunto a procissão fúnebre na Universidade de Daca. Quem criou a situação foi o governo, ao atacar um movimento pacífico. Os estudantes comuns e os dirigentes do movimento nunca se envolveram nos actos de vandalismo, fogo posto, etc., que estão a ocorrer.

Se alguém comete actos de violência no movimento em curso, o movimento anti-discriminação não se responsabiliza. Os estudantes apelam aos pais, aos professores e aos cidadãos para se juntarem ao movimento para garantir a sua segurança. O público em geral é favorável ao movimento.

Na realidade, o que se exprime é um ressentimento muito mais profundo. Não se pergunte a um estudante normal se “tens um emprego?” ou “como haveremos de comer?”; ele terá dificuldade em responder.

Tentaremos manter-nos em contacto convosco.

Saudações revolucionárias a todos.

Badrudduja Chowdhury,

Secretário-geral do Partido Democrático dos Trabalhadores do Bangladeche

Chittagong, 17 de Julho, às 21 horas.

* Em 1971, o povo do Bangladeche impôs pela guerra revolucionária a constituição da nação, conseguindo a separação do Paquistão, situado a milhares de quilómetros de distância. Essa construção artificial fora obra do imperialismo britânico, que organizou a partição da Índia em 1947.