Na convenção democrata, o antigo presidente Obama, o candidato a vice-presidente Walz e o presidente do sindicato do sector automóvel (UAW), Shawn Fain, evocaram, todos eles, a ideia de que uma vitória democrata serviria de alavanca aos trabalhadores e os sindicatos. Qual é a tua opinião?
A Convenção do Partido Democrático (DNC) arrancou com discursos dos presidentes de seis sindicatos nacionais e do presidente da AFL-CIO. A sala estremeceu num aplauso estrondoso quando o presidente do United Auto Workers (UAW, Sindicato da Indústria Automóvel), Shawn Fain, exibiu uma garrida camisola vermelha com a frase estampada “Trump Is a Scab” (Trump é um fura-greves).
“Para o UAW e para os trabalhadores em toda a parte”, declarou Fain, ”tudo se resume a uma pergunta: de que lado estar? De um lado, temos Kamala Harris e Tim Walz, que têm estado ao lado da classe trabalhadora. Do outro lado, temos Trump e Vance, capachos da classe bilionária que só se serve a si própria”.
Acontece que ambos os partidos são financiados pela “classe bilionária” e estão ao serviço dela. Só diferem quanto à maneira mais eficaz de controlar a classe trabalhadora.
O Partido Democrático não é, mais retórica, menos retórica, “amigo do movimento operário”.
Os democratas nem sequer quando o partido detinha tanto a presidência como a maioria em ambas as câmaras do Congresso fizeram alguma coisa quanto às prioridades do movimento operário – por exemplo, a proibição da substituição de grevistas e uma lei federal que reforçasse o direito à sindicalização. Mais: presidentes democratas têm intervindo para matar greves; Biden fê-lo aos ferroviários em Dezembro de 2022. O movimento operário já devia ter rompido há muito tempo com os partidos que servem os patrões, forjando um partido de classe dos trabalhadores que promova e cumpra os nossos interesses.
Nas primárias, houve muitos eleitores democratas que, ao apelo da “esquerda” do partido, votaram em “sem vínculo”, em protesto contra a política de Biden em Gaza. Houve alguma tentativa de fazer a convenção tomar posição sobre o genocídio do povo palestiniano?
A plataforma do Partido Democrático apela a “um acordo de cessar-fogo imediato e duradouro”, sem qualquer referência a um embargo à venda de armas a Israel. Num total de 4.700 delegados, os 30 “não vinculados” não tinham força para alterar a plataforma do partido.
Propuseram que uma médica de cuidados intensivos pediátricos descrevesse os horrores que testemunhara em Gaza. Mas as persistentes tentativas de trazer a questão da Palestina para a convenção caíram em saco roto. Também a proposta alternativa, de que um palestino-americano pudesse falar à convenção, foi rejeitada.
Nem um esforço final da direcção do UAW fez diferença. “Se queremos a paz, se queremos democracia real e se queremos ganhar esta eleição”, avisou o UAW em publicação na rede X, ‘o Partido Democrático deve permitir que um orador palestino-americano seja ouvido esta noite no palco da DNC’.
Em vez disso, a vice-presidente Harris encerrou a convenção na quinta-feira, acentuando enfaticamente o seu apoio inequívoco ao Estado sionista e à sua “segurança”, portanto à posição de longa data do imperialismo norte-americano. A breve menção que fez do número maciço de mortes de palestinianos em Gaza e a defesa, da boca para fora, da autodeterminação palestiniana soaram como retórica vazia pró-forma.
No entanto, durante a DNC houve dezenas de milhares de pessoas a protestar diariamente na rua, apontando a relação entre o comprometimento dos EUA na guerra contra o povo palestiniano e os ataques a direitos fundamentais, os cortes orçamentais na educação, na habitação e nos cuidados de saúde aqui nos EUA. Só que ninguém ligou aos manifestantes.
A convenção realiza-se quando tropas ucranianas armadas pela NATO estão a invadir a Rússia. Houve, na convenção, vozes contra a guerra e contra as centenas de milhar de milhões de dólares que para lá são canalizadas?
Não. Pelo contrário. O último dia da convenção prestou homenagem às forças armadas dos EUA (na presença de antigos combatentes), às alianças militares dos EUA (especialmente a NATO) e à importância de aumentar a força militar dos EUA.
Um dos pontos vincados pelo deputado de Illinois Adam Kinzinger, um de vários republicanos proeminentes que discursaram na DNC, foi que “os democratas são tão patriotas como nós”. Posto que pudesse divergir dos democratas nalgumas políticas, disse Kinzinger, assegurava que “eles estão tão interessados em defender os valores americanos cá e no estrangeiro como sempre nós, conservadores, estivemos”.
Ano após ano, ambos os partidos políticos aprovam sem pestanejar o orçamento de “defesa”, do mesmo passo que se entretêm em discussões intermináveis sobre as migalhas a afectar aos cuidados infantis, à educação, à habitação e ao ambiente. Mais de metade da parte não consignada do orçamento dos EUA é dedicada ao pagamento de guerras passadas, actuais e futuras – 916 mil milhões de dólares em 2023.
Em vez de denunciar o impacto do custo da guerra, Kamala Harris declarou que iria “garantir que a América mantenha sempre a força de combate mais forte e letal do mundo”.
Um dos oradores mais notórios da convenção foi Alexandria Ocasio-Cortez, figura de destaque dos Democratic Socialists of America (DSA). Que política e que objectivos propõe ela?
AOC, como costuma ser conhecida, é uma estrela em ascensão no Partido Democrático e é uma dirigente central dos DSA. Foi uma das principais oradoras na noite de abertura da convenção, exortando o povo americano a apoiar Harris e Walz.
Ela foi completamente co-optada pela direcção do Partido Democrático, estando claramente a tentar subir na hierarquia do partido. O único comentário que fez sobre Gaza foi que havia mortos tanto israelitas como palestinianos – e que Kamala Harris estava a trabalhar incansavelmente por um cessar-fogo. É uma dirigente proeminente de um dos partidos gémeos do imperialismo norte-americano, que continua a ser figura de topo dos DSA – manchando, como tantos outros antes dela, a ideia do socialismo.
Apesar disso, durante os quatro dias da convenção, fizeram-se ouvir vozes sindicalistas independentes nas ruas de Chicago. A Real News Network (TRNN) falou com sindicalistas reunidos atrás de uma faixa que dizia: “O Movimento Operário Organizado Está ao Lado da Palestina”. Um sindicalista professor de Chicago disse à TRNN:
“Acho que temos de fazer coisas como tomar medidas no local de trabalho – acções nas docas onde se prestam serviços de transporte marítimo de material para a guerra para Israel. Temos de apelar a um cessar-fogo imediato e permanente, mas também temos de deixar de enviar ajuda a Israel. Deixar de enviar bombas e armas. (…)
Os candidatos [do Partido Democrata] não vão ter garantia de ter o voto de toda a gente só porque a gente não quer Trump. Claro que não o queremos. Ninguém quer mais quatro anos daquele desastre;, mas é triste que sejam as nossas duas únicas opções. Não vejo em Kamala mais do que um Biden 2.0. Precisamos de ter um Partido Trabalhista. Precisamos de ter outros partidos que possam ter candidatos, a quem a nossa gente queira dar apoio e o voto”.
Nós concordamos. Os sindicatos têm de romper com o Partido Democrático e construir um Partido Trabalhista enraizado nos sindicatos e nos sectores oprimidos.