O PS viabiliza o orçamento de Montenegro e Ventura – Ventura fica livre para votar contra

Escrevíamos no nº 39 d’O Trabalho, no dia 7 de Outubro, que

na camada dirigente do PS, tergiversa‐se sem fim. (…) A pressão sobre o PS tem uma razão principal. O patronato, a burguesia, os quartéis‐generais de Bruxelas (NATO/UE) já não têm tempo a perder com mais eleições e incertezas. O PS que (…) siga o exemplo, e o destino, da maioria dos seus congéneres europeus. O que a burguesia e os comentadores pedem a Pedro Nuno Santos é a coragem do kamikaze.

Entretanto, o secretário-geral do PS anunciou propor ao partido abster-se na votação do orçamento do Estado para 2025 – assim o “viabilizando”. E a Comissão Política do PS aprovou obedientemente a proposta do seu secretário-geral.

Justificou P. N. Santos a sua última e definitiva viragem com factos já antes conhecidos: se o PS votasse contra – presume-se que: agora que Ventura dissera que o Chega votaria contra – haveria as terceiras eleições gerais em pouco tempo (pois Marcelo disse que dissolveria), sem que, verosimilmente, houvesse “alteração da relação de forças parlamentar”.

Um dirigente do Livre, partido conhecido pela sua moderação e vontade de substituir a luta de classes pela harmonia universal, escreveu n’O Público (19 de Outubro), com evidente razão, que “(…) importa perceber o que este Orçamento traz para o país. Traz uma benesse fiscal para os mais ricos, sejam empresas ou indivíduos. Traz discricionariedade fiscal para pessoas de idades diferentes. Traz investimento público líquido negativo. Traz privatizações encapotadas. Traz um marasmo que não resolverá nenhum problema estrutural do país. Nada é fácil, mas mais difícil é compreender como se deixa validar um orçamento como este desta forma.

A verdade é que a resistência à pressão esmagadora que se abateu sobre P. N. Santos, vinda de todos os quadrantes, mormente dos notáveis do seu próprio partido, pouco tinha que ver com grandes diferenças que houvesse entre o orçamento de Montenegro e os vários orçamentos de A. Costa que o precederam. Segundo o comentador liberal J. M. Tavares, uma jornalista do Público perguntou ao ChatGPT se o orçamento era de “direita” ou de “esquerda”, e o dito concluiu que era do mesmo género dos anteriores do PS. O que o ChatGPT não disse (também ninguém lhe perguntou) é que o essencial do orçamento é determinado por Bruxelas e pelas suas regras e instruções. A “tempestade política” faz-se, pois, à volta de medidas avulsas.

Não se escamoteie, porém, que as orientações políticas associadas ao orçamento têm um foco claro: dar passos decisivos no desmantelamento do SNS (o ChatGPT não precisa de médico de família) e nas privatizações, da TAP e de tudo o mais que ainda houver para privatizar; e reforçar a precariedade laboral, de modo a enfraquecer o potencial de resistência dos trabalhadores.

Mal ficou anunciada a “combativa” (diz P. N. S.) abstenção do PS, Montenegro avançou triunfal para o congresso do seu partido, que encerrou com um discurso face ao qual um tal Filipe Melo, deputado do Chega, proclamou, abespinhado, que “o senhor primeiro-ministro baseou-se no programa eleitoral do Chega para fazer o seu discurso de encerramento”.

Efectivamente, Montenegro, agora com a via livre de P. N. Santos, anunciara as suas medidas prioritárias: reforço da “segurança interna”, combate aos imigrantes…

Poucos dias depois, a polícia matou a tiro um trabalhador de 43 anos por alegada “desobediência” às suas ordens. O trabalhador, nascido em Cabo Verde, vivia em Portugal há vinte anos, tinha mulher e três filhos. O que a política kamikaze da direcção do PS, que referimos, tem de diferente é que quem morre são os trabalhadores, não o piloto.