A Viragem da Segurança Interna: Assassínio de um trabalhador

Um trabalhador de 43 anos, Odair Moniz, foi morto a tiro pela polícia perto do bairro onde habitava, na periferia de Lisboa. Deixa mulher e três filhos

Nos dias seguintes, a população do seu bairro e de bairros como o dele, onde vivem trabalhadores pobres e super-explorados como ele, revoltada, saiu à rua, enfrentou a polícia de choque e destruiu algum mobiliário do Estado, seu inimigo.

De repente, os meios de comunicação subiram de tom. Solene, emproadamente, condenou-se a “violência”. A violência da polícia, que matou? Não. A “violência” do assassinado! E a violência contra os caixotes de lixo e os autocarros…

Ante a morte de um trabalhador às mãos da polícia, não há, sem dúvida, razão para se surpreender com as reacções dos chefes da polícia e dos comentadores pagos: o “jovem polícia com dificuldades em lidar com a situação” face ao “indivíduo”; e logo: a declarada determinação do comando da PSP em levar a guerra aos bairros, se for preciso.

Tão-pouco surpreende a reacção do governo. Afinal, dias antes, o chefe declarara prioridade à “segurança interna”. Das palavras aos actos.

Alguém se surpreende com a reacção dos representantes do Chega, que, com o entusiasmo, deixaram cair a folha de parra da sua recente “dignidade institucional”, desvendando a carantonha de fascistas sanguinários?

Porém, é forçoso acrescentar: também as reacções da esquerda institucional são tão lamentáveis como eram previsíveis. Vêm afinal na linha da insistente conversa que se vinha ouvindo desses lados sobre os polícias “serem trabalhadores como os outros”.

O PCP, pela voz do deputado “António Filipe repudiou “quaisquer atos de violência e manifestações de apelo ou incitamento à violência”, pedindo serenidade” e “calma das populações”, apelando “para que haja uma intervenção policial que seja adequada e proporcional às circunstâncias existentes” e que as forças policiais optem pela adequação e serenidade perante circunstâncias naturalmente difíceis” (novo semanário, 23/10).

O problema, para o PCP, parecem ser as populações e as suas reacções. Perante a violência policial (que, ao que parece, só é violência se e quando a polícia assim decidir), chama… a polícia.

Já Mariana Mortágua, do BE, depois de repudiar duas atitudes, a “incendiária”, da extrema-direita, e a de “indiferença”, do governo, opta pela “terceira (…), a única atitude compatível com a República democrática”. Esta atitude parece consistir essencialmente em dizer que “o Estado tem de ser ativo no combate ao racismo e ao racismo das suas próprias instituições”.

Por outras. palavras, o BE quer combater o racismo nas instituições, nomeadamente na polícia, e, para isso…chama a polícia

Haveria, porém, uma quarta atitude possível: apelar à auto-organização e à autodefesa das populações.

Claro que não é uma atitude lá muito compatível com as gloriosas “instituições da nossa República democrática”… Os trabalhadores em geral devem a sua solidariedade aos trabalhadores do Zambujal, da Cova do Vapor, dos bairros pobres. Quem trabalha só pode confiar na sua auto-organização e na sua autodefesa – não na justiça e na polícia do Estado.