Vitória de Trump… mas a classe operária e a juventude ainda não disseram a última palavra

Sim, a eleição de Trump deveu-se a um aumento do número dos que votaram nele – aumento, porém, não muito significativo. Ainda falta contar votos. É provável que Trump ultrapasse a votação de 2020, cerca de 74 milhões. Contudo, não é menos claro que a vitória de Trump se deveu, em primeiro lugar, à queda drástica da votação no Partido Democrático. Em 2020, Biden conseguiu mais de 80 milhões de votos. Em 2024, K. Harris chegará a pouco mais de 70 milhões.

A eleição de D. Trump deve muito a um outro factor. Um vasto sector da classe capitalista dos Estados Unidos investiu milhares de milhões na sua campanha. Chegou à conclusão de que era preciso romper à força tudo o que resista aos seus planos de conquista e pilhagem, tanto nos Estados Unidos como no mundo exterior ⎼ se necessário, atropelando as instituições da sua própria “ordem mundial”. Trump é o homem para isso.

Desde a “viragem para o Pacífico” decretada por Obama, o alvo principal do imperialismo americano é o desmantelamento do Estado chinês. Com a economia mundial em estagnação, o grande capital, em primeiro lugar o americano, está urgentemente precisado de se expandir a novos mercados, novas fontes de matérias-primas e de trabalho barato, novos lucros – dê lá por onde der, seja à custa de uma guerra mundial generalizada. O objectivo central do imperialismo, hoje, é “abrir” o gigantesco mercado chinês, sem restrições, aos seus produtos e capitais, à pilhagem pelos seus grandes grupos económicos.

Lamentavelmente, os dirigentes sindicais e da “esquerda” americanos demitiram-se de apresentar uma alternativa política de classe aos partidos do grande capital. Ao fim de quatro anos de governo de Biden, grande parte da população trabalhadora viu o seu poder de compra reduzido pela inflação e pelas taxas de juro altas, enquanto a concentração de riqueza nas mãos dos multimilionários atingia proporções inacreditáveis. A maioria das direcções sindicais apelara a eleger e apoiar Biden ⎼ e a administração Biden, vassala fiel de Wall Street, “pagou”, proibindo, por exemplo, a greve dos ferroviários.

A população trabalhadora da América viu-se, assim, uma vez mais, reduzida a escolher entre dois políticos ligados ao grande capital. Trump, multimilionário e aldrabão profissional, apresentou-se como “lutador”, campeão da luta contra “o sistema” que esmaga os trabalhadores dos Estados Unidos. Campeão, sobretudo, da divisão: trabalhadores brancos contra negros e imigrantes, homens contra os direitos das mulheres. Trump não tem pejo em recorrer aos piores preconceitos chauvinistas, racistas e sexistas: são os seus. Nas últimas semanas da campanha, não hesitou sequer em servir-se no arsenal do fascismo e do nazismo.

Faltando alternativa política do lado dos explorados e oprimidos, Trump soube jogar com os métodos clássicos do vendedor de “banha da cobra”: falar com loquacidade dos males que afligem os seus clientes para lhes vender um produto que ele sabe de sobejo que só irá agravar o seu sofrimento.

A analogia não é perfeita: este vendedor de banha da cobra não é um lumpen vagabundo. Está conluiado com os “donos daquilo tudo”. Alguns deles, os Musks e companhia, confiam cada vez menos nos seus próprios políticos e partidos tradicionais, que acham incapazes de conseguir vitórias concludentes contra o movimento operário e os sindicatos.

Deva embora a eleição de Trump tudo à capitulação política dos dirigentes tradicionais do movimento operário, a classe operária dos Estados Unidos é poderosa. As recentes greves da Boeing, dos operários da indústria automóvel, dos estivadores, dos professores, dos guionistas de Hollywood provam-no sobejamente. Só que, quando os principais dirigentes sindicais e os políticos “de esquerda” decidem apoiar o partido capitalista de Biden e Kamala Harris, que tem sido o sustém de Netanyahu, a classe trabalhadora fica condenada à inexistência política.

Amplos sectores da população mais explorada, dos negros, das mulheres, votaram, é certo, contra o candidato que aparecia como o perigo pior para a democracia.

Só que a escolha não devia ter sido entre dois sectores da classe capitalista.

As repercussões da eleição de Trump

A onda de choque propagou-se rapidamente. Europa fora, os Macrons, Starmers e outros Montenegros apressaram-se a prestar vassalagem a Trump.

No mesmo dia, o governo alemão soçobrou. O ministro das finanças, Lindner, representante directo do grande capital alemão, exigiu ao chanceler social-democrata, Scholz, um orçamento de guerra contra os trabalhadores da Alemanha, na senda aberta pelos encerramentos e despedimentos anunciados pelos dirigentes da Volkswagen – bem alinhados com o novo “relatório Draghi” da Comissão Europeia. A extrema-direita afia as armas.

Não obstante, as batalhas maiores ainda estão adiante. A vitória de Trump, o colapso do governo alemão no mesmo dia, a nomeação do governo minoritário Barnier por Macron, a ofensiva sem freio de Netanyahu no Médio Oriente: são, tudo, sinais de que os grandes combates se estão a preparar.

Uma lição é imperativa, nos Estados Unidos como no resto do mundo: a classe trabalhadora tem de recusar a sujeição às políticas de união nacional que os seus dirigentes lhe impõem. Esses dirigentes, votando os créditos de guerra, aprovando as centenas de milhar de milhões de euros pedidos pela burguesia para a guerra, colaboram com a guerra imperialista contra os povos, na Ucrânia e no Médio Oriente, mas também com a guerra social contra os seus próprios povos.

Basta dessa política! Não é possível tolerar o populismo de direita, mas também não é possível continuar a tolerar o populismo de esquerda que apaga as fronteiras de classe.

Nos Estados Unidos como no resto do mundo, a luta de classes está bem presente.

Do lado da classe trabalhadora, com os partidos tradicionais merecidamente estilhaçados pelas suas sucessivas capitulações ao inimigo, faltam estados-maiores à altura.

As duas coisas, de um lado as grandes manobras do grande capital, do outro o colapso das direcções em quem os trabalhadores durante décadas confiaram, põem com redobrada urgência na ordem do dia a necessidade e a tarefa de construir e reforçar autênticos partidos dos trabalhadores, feitos para lutar por governos dos trabalhadores, pelo derrube do sistema capitalista.

Contra a guerra e a exploração, pela fraternidade entre os povos, viva a Internacional Operária!