Coreia do Sul: A classe operária derrota a lei marcial

“Precisamos de uma nova república da democracia e do trabalho”.

A comédia política em torno do anúncio da lei marcial resolveu-se em seis horas. A mobilização maciça da população bloqueou a tentativa de Yoon Suk-yeol.

A última vez que a lei marcial foi imposta foi em 1980. Foi o ensejo para um terrível massacre de estudantes e trabalhadores em Gwangju. Todos os coreanos conhecem esta verdade histórica: o exército disparou contra o seu próprio povo. Aprendemo-lo nos manuais escolares. Ninguém quer reviver esse período.

Ao golpe, embora meticulosamente preparado pelo Presidente e comitiva, faltava capacidade de execução. A razão disso é que a nação rejeita, todo ela, a ditadura militar e os golpes de Estado do passado. Os soldados cresceram a ouvir falar quase todos os dias no massacre de Gwangju.

Mas também, sobretudo: este regime é rejeitado. Houve muitas greves nos últimos tempos, incluindo a greve histórica dos trabalhadores da Samsung em Julho de 2024. Houve também repressão, por exemplo, ao sindicato dos transportes e aos trabalhadores da empresa sub-contratada Daewoo Shipbuilding. O Presidente fizera-se campeão da semana de trabalho de 69 horas e da redução dos salários. Estavam reunidas todas as condições para um choque.

A confederação sindical KCTU reagiu em poucas horas ao anúncio da lei marcial. A classe operária está na linha da frente da luta pela democracia. As publicações no Twitter são interessantes, ao ilustrarem a mudança da imagem dos sindicatos. Algumas contam como, a 7 de Dezembro, os membros do KCTU forçaram a passagem do cortejo de manifestantes, rompendo o cordão policial.

E os jovens começam a compreender a importância dos sindicatos neste tipo de situação. Há quem refira que, em caso de perigo, há que ir ter com as bandeiras dos sindicatos, pois estes têm força para proteger os manifestantes.

A 4 de Dezembro, o Presidente teve de recuar. Mas o caso não está encerrado. No Parlamento, os partidos discutem como hão-de destituir o Presidente. Não pode ser essa a solução. As instituições foram herdadas da ditadura; não são de confiança. A destituição é um processo longo, complicado e incerto. O presidente poderá manter-se no cargo durante meses.

Na verdade, o que, na luta pela destituição — que não é senão a luta pela democracia — se joga é a luta por uma sociedade favorável aos trabalhadores, como diz a confederação.

A greve geral deve criar raízes, alastrar. Não para apoiar o processo de destituição neste Parlamento, mas para derrubar o governo e o regime. Acabámos de ver o que aconteceu no sábado. As pessoas saíram às ruas para exigir a saída de Yoon. Mas bastou os deputados do seu partido não comparecerem para eles se conseguirem manter no poder. E já se fala de um período de transição em que o primeiro-ministro mantenha todos os poderes. As instituições a proteger os golpistas.

Chegou o momento, ao cabo de tantas lutas, de conseguirmos o que não se conseguiu naquilo a que chamámos a revolução das velas, em 2016, para correr com o presidente corrupto. Sim, é preciso pôr o presidente na rua; mas, mais do que isso, precisamos de uma nova república da democracia e do trabalho.

O país está sob pressão permanente. Em nome da luta contra o Norte, mantêm-se no nosso território dezenas de milhar de soldados americanos. Este regime depende das autoridades americanas. Não foi por acaso que o Presidente invocou a luta contra a Coreia do Norte para justificar o seu golpe de força, quando o Governo americano envolve cada vez mais o nosso país nos seus preparativos de guerra contra a China.

A luta pela democracia está apenas a começar.