O FILME DOS ACONTECIMENTOS
Terça-feira, dia 3 de Dezembro
22h25m
O presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, ordena a aplicação da lei marcial, a suspensão de todas as actividades políticas e o controlo de todos os meios de comunicação social. Tudo isto enquanto afirma a necessidade de “erradicar as forças anti-estatais pró-norte-coreanas”.
A capital é invadida por soldados armados. Veículos blindados dirigem-se para a Assembleia Nacional.
23h
Milhares de jovens e de residentes da capital, Seul, desafiam a proibição de sair à rua e dirigem-se para a Assembleia Nacional. Em pouco tempo, são dezenas de milhares.
A direcção da Confederação Coreana de Sindicatos, KCTU, em reunião de emergência, apela: “A todos os membros da KCTU: parem o trabalho, juntem-se às acções de emergência a nível nacional pela abolição da lei marcial, por uma reforma global da sociedade e pela realização da soberania popular.”
Quarta-feira, dia 4
1h. Cento e noventa deputados (de um total de 300), depois de atravessarem as barricadas do exército, votam por unanimidade o levantamento da lei marcial.
Ao amanhecer, Yoon Suk-yeol assina o levantamento da lei marcial.
O KCTU apela a uma “greve geral ilimitada”: “Juntamente com o povo e na vanguarda da sua luta, vamos fazer pressão pela demissão imediata do Presidente Yoon”.
A confederação sindical acrescenta: “A greve geral do KCTU assinala o início do fim das desigualdades (…). Graças a esta greve pela demissão, avancemos para uma nova sociedade onde os direitos laborais e o bem-estar público fiquem garantidos”.
O KCTU apela a uma concentração na Praça Gwanghwamun, em Seul. Às 9 horas da manhã já a praça está repleta.
Quinta-feira, dia 5
Os sindicatos dos ferroviários e dos metalúrgicos entram em greve.
Sexta-feira, dia 6
Os trabalhadores dos transportes urbanos e os trabalhadores precários da educação entram em greve. Manifestações maciças em todo o país repetem sem descanso as palavras de ordem que exigem a demissão do Presidente.
Sábado, dia 7
É apresentada ao Parlamento uma moção de destituição do Presidente. Ajuntamento de um milhão de manifestantes à porta do edifício. Os deputados do partido do Presidente (Partido do Poder Popular, PPP) boicotam a votação. Em conformidade com a Constituição, a votação é nula, por falta de quórum. Yoon Suk-yeol mantém-se Presidente.
Domingo, dia 8
11 horas
O Primeiro-Ministro e o dirigente do PPP emitem uma declaração a garantir a demissão antecipada do Presidente Yoon Suk a fim de “estabilizar a situação política”.
15 horas
O HKCTU emite um comunicado: “Não podemos aceitar que os instigadores do golpe de Estado fiquem a mandar no governo. Seria um partido implicado na insurreição, mais os seus cúmplices, a dizer que vão resolver a crise política.” Apontando o dedo aos deputados do PPP, o comunicado prossegue: “Eles também são suspeitos no inquérito sobre o golpe de Estado. Deixá-los a tratar das consequências da intentona de Yoon é a mesma coisa que pôr o gato a guardar a peixaria.”
“Precisamos de uma nova república da democracia e do trabalho”.
A comédia política em torno do anúncio da lei marcial resolveu-se em seis horas. A mobilização maciça da população bloqueou a tentativa de Yoon Suk-yeol.
A última vez que a lei marcial foi imposta foi em 1980. Foi o ensejo para um terrível massacre de estudantes e trabalhadores em Gwangju. Todos os coreanos conhecem esta verdade histórica: o exército disparou contra o seu próprio povo. Aprendemo-lo nos manuais escolares. Ninguém quer reviver esse período.
Ao golpe, embora meticulosamente preparado pelo Presidente e comitiva, faltava capacidade de execução. A razão disso é que a nação rejeita, todo ela, a ditadura militar e os golpes de Estado do passado. Os soldados cresceram a ouvir falar quase todos os dias no massacre de Gwangju.
Mas também, sobretudo: este regime é rejeitado. Houve muitas greves nos últimos tempos, incluindo a greve histórica dos trabalhadores da Samsung em Julho de 2024. Houve também repressão, por exemplo, ao sindicato dos transportes e aos trabalhadores da empresa sub-contratada Daewoo Shipbuilding. O Presidente fizera-se campeão da semana de trabalho de 69 horas e da redução dos salários. Estavam reunidas todas as condições para um choque.
A confederação sindical KCTU reagiu em poucas horas ao anúncio da lei marcial. A classe operária está na linha da frente da luta pela democracia. As publicações no Twitter são interessantes, ao ilustrarem a mudança da imagem dos sindicatos. Algumas contam como, a 7 de Dezembro, os membros do KCTU forçaram a passagem do cortejo de manifestantes, rompendo o cordão policial.
“Em nome da luta contra o Norte, dezenas de milhares de soldados americanos estão presentes em solo coreano”.
E os jovens começam a compreender a importância dos sindicatos neste tipo de situação. Há quem refira que, em caso de perigo, há que ir ter com as bandeiras dos sindicatos, pois estes têm força para proteger os manifestantes.
A 4 de Dezembro, o Presidente teve de recuar. Mas o caso não está encerrado. No Parlamento, os partidos discutem como hão-de destituir o Presidente. Não pode ser essa a solução. As instituições foram herdadas da ditadura; não são de confiança. A destituição é um processo longo, complicado e incerto. O presidente poderá manter-se no cargo durante meses.
Na verdade, o que, na luta pela destituição — que não é senão a luta pela democracia — se joga é a luta por uma sociedade favorável aos trabalhadores, como diz a confederação.
A greve geral deve criar raízes, alastrar. Não para apoiar o processo de destituição neste Parlamento, mas para derrubar o governo e o regime. Acabámos de ver o que aconteceu no sábado. As pessoas saíram às ruas para exigir a saída de Yoon. Mas bastou os deputados do seu partido não comparecerem para eles se conseguirem manter no poder. E já se fala de um período de transição em que o primeiro-ministro mantenha todos os poderes. As instituições a proteger os golpistas.
Chegou o momento, ao cabo de tantas lutas, de conseguirmos o que não se conseguiu naquilo a que chamámos a revolução das velas, em 2016, para correr com o presidente corrupto. Sim, é preciso pôr o presidente na rua; mas, mais do que isso, precisamos de uma nova república da democracia e do trabalho.
O país está sob pressão permanente. Em nome da luta contra o Norte, mantêm-se no nosso território dezenas de milhar de soldados americanos. Este regime depende das autoridades americanas. Não foi por acaso que o Presidente invocou a luta contra a Coreia do Norte para justificar o seu golpe de força, quando o Governo americano envolve cada vez mais o nosso país nos seus preparativos de guerra contra a China.
A luta pela democracia está apenas a começar.
[dos correspondentes na Coreia do jornal operário francês La Tribune des travailleurs, Jung Sikhwa e H. J.]