
O vociferar fascizante e as promessas delirantes de Trump e Musk são uma coisa. Pô-las em prática, no entanto, é outra: a administração Trump, areópago de oligarcas, vai ter de enfrentar os trabalhadores e a democracia, nos Estados Unidos e em todo o mundo.
Trump II: 46 medidas iniciais ultra-reaccionárias
Imediatamente a seguir à posse, Trump assinou nada menos que 46 primeiros decretos, prometendo uma “idade dourada” aos Estados Unidos. Este criminoso condenado quer expulsar “milhões e milhões de imigrantes”; atreve-se a chamar-lhes de “criminosos” — por serem “indocumentados”.
Os 19º e 26º decretos presidenciais declararam o “estado de emergência” na fronteira com o México, mobilizando exército e guarda nacional e usando drones para impedir fisicamente qualquer entrada, recorrendo a “todas as medidas adequadas”. Os 24º e 36º decretos suspendem as admissões de refugiados. O 46º proclama que a “invasão” de imigrantes acabou…
O caso é que esta avalanche de medidas racistas contra o sector mais explorado da classe operária (e, portanto, contra toda a classe operária), que não deixará de alentar governos e partidos reaccionários de todo o mundo, vai ter que se debater com a realidade.
Há 13 milhões de imigrantes “indocumentados” nos Estados Unidos, 10 milhões são trabalhadores. Como em todos os países, os imigrantes sem documentos desempenham um papel fundamental em segmentos inteiros da economia, onde os empregadores se aproveitam dos baixos salários. Nos Estados Unidos, representam 44% da mão de obra agrícola, 15% da da construção civil, 7% da da hotelaria, etc. No estado agrícola de Idaho — que votou em massa em Trump — o patrão da indústria de lacticínios, Rick Naerebout, entra em pânico: em caso de deportações em massa, “bastariam alguns dias sem poder alimentar nem ordenhar as nossas vacas para a indústria leiteira de todo o país sofrer prejuízos irreparáveis” (Géo, 2 de Janeiro). No final de Dezembro, Trump teve de transigir com Musk: manterá os vistos de trabalho da mão de obra asiática qualificada, sobre-explorada pelos grandes patrões de Silicon Valley…
Mais: segundo o Conselho Americano de Imigração, a deportação de um milhão de pessoas custaria 88 mil milhões de dólares… quatro vezes o orçamento da NASA. Difícil para uma administração que se propõe — pondo Elon Musk a secretário (ministro) da “eficiência do Estado” (40º decreto) — cortar 2 biliões (milhões de milhões) ao orçamento federal!
O 25º decreto, que põe em causa o “direito do solo” (cidadania americana por nascimento em solo dos Estados Unidos), viola a Constituição. Para impô-lo, seria preciso um verdadeiro golpe de Estado. Fascistas autênticos do círculo de Trump estão dispostos a isso. Mas daí a passar o Rubicão… Há sectores das instituições já preocupados. Caso do presidente da Câmara de Chicago, que se opõe abertamente, na sua cidade, às rusgas aos imigrantes que Trump quer orquestrar.
Os primeiros decretos não perdem de vista os preparativos para a guerra contra a China. Guerra comercial: um aumenta drasticamente os direitos aduaneiros sobre produtos importados da China. Guerra pura e simples: dois dos decretos congelam a contratação de funcionários públicos e as despesas federais… salvo para o exército!
O resto vem pelo mesmo diapasão: medidas de destruição das liberdades, restabelecimento da pena de morte ao nível federal, libertação dos insurrectos trumpistas de 6 de Janeiro de 2021, medidas favoráveis à indústria petrolífera, etc. No plano económico, estas medidas, “ao fazerem regressar a inflação, poderão dar cabo dos orçamentos dos americanos mais modestos, exactamente quem votou nele” (L’Observateur, 20 de Janeiro). Ninguém escapa à luta de classes, nem Trump nem ninguém.
A posse: maior reunião de capitalistas desde há muito tempo
Em 5 de Novembro de 2024, uma parte do eleitorado trabalhador americano votou em Trump. Não havendo um verdadeiro partido dos trabalhadores, que rejeitasse a política capitalista dos democratas, parte dos trabalhadores absteve-se, outros votaram em Trump. Com a sua demagogia populista, Trump disse-se sem descanso candidato “deles” (sobretudo dos “homens brancos”), cultivando preconceitos e denunciando os imigrantes.

A cerimónia de 20 de Janeiro acertou as contas. A posse de Trump foi a maior reunião de capitalistas dos últimos anos. Segundo a Forbes (20 de Janeiro), “assistiram à posse” vinte e dois bilionários, “com uma fortuna combinada de 1,2 biliões (milhões de milhões) de dólares, (…) quatro deles entre os cinco homens mais ricos do mundo”: os americanos Musk, Zuckerberg e Bezos e o oligarca francês Bernard Arnault. Entre os serviçais contavam-se o presidente argentino de extrema-direita, Milei, a primeira-ministra italiana Meloni e toda a extrema-direita europeia*. Mas não estavam sós: as figuras mais importantes do Partido Democrata — Biden, Harris, Clinton, Obama… e Bernie Sanders, da “esquerda” — assistiram, impávidos, ao vociferar fascizante de Trump.
Em nome dos capitalistas dos Estados Unidos, a administração Trump vai agora ter de levar à prática as suas políticas anti-trabalhadores e anti-democráticas. Terá, portanto, de afrontar os trabalhadores, nos Estados Unidos e em todo o mundo, classe contra classe. Dos desejos à realidade, o caminho é longo.
* Zemmour e Marion Maréchal, da extrema-direita francesa, chefes dos partidos AfD (Alemanha), Vox (Espanha) e Vlaams Belang (Bélgica), todos vieram mendigar dólares a Musk.
Traduzido e adaptado de Dominique Ferré (La Tribune des travailleurs nº474)
“A China na mira” (Les Echos)
O capital financeiro dos Estados Unidos precisa de derrubar a propriedade estatal da economia chinesa, obstáculo à pilhagem da China pelas multinacionais americanas, por todos os meios necessários — diplomáticos, comerciais e militares. Tal é o mandato outorgado a Trump e ao seu Conselheiro de Segurança Nacional, o antigo operacional das Forças Especiais Mike Waltz: têm “a China na mira” (Les Echos, 2 de Janeiro).
Tal como Waltz, o secretário de Estado (ministro dos estrangeiros) de Trump, Marco Rubio, está decididíssimo a “ajustar contas” com a China. A 15 de Janeiro, declarou ao Senado: “Nós acolhemos o Partido Comunista Chinês nesta ordem mundial [a ordem saída de 1945]. Ele aproveitou todas as vantagens que ela lhe trouxe e ignorou todas as obrigações e responsabilidades que daí lhe advinham. Em vez disso, mentiu, fez batota, desviou e roubou, para se alcandorar à posição de superpotência mundial — à nossa custa”. Conclusão: a China é “o adversário mais poderoso e perigoso que o nosso país alguma vez enfrentou”.
Para concentrar forças contra a China, a administração Trump pode sentir-se tentada a fazer um acordo momentâneo com Putin. Trump prometera resolver o problema da guerra na Ucrânia “em vinte e quatro horas”.
Vão acabar por “ser cem dias”, segundo o enviado especial general Keith Kellogg. Enquanto Zelensky se desfaz em declarações obsequiosas a Trump, este pondera encontrar-se com Putin… Para pressionar por eventuais negociações, Mike Waltz já se pronunciou a favor da continuação do fornecimento de mísseis de longo alcance e “a favor da redução da idade de recrutamento na Ucrânia para 18 anos” (ABC News, 12 de Janeiro).
Trump, Waltz e Rubio podem contar com o apoio generalizado dos governos capitalistas para a sua cruzada anti-China.