
Enquanto Trump esboça a “solução final”
Não pode passar despercebido o curioso fenómeno dos braços direitos esticados, do peito para fora, que se tem recentemente multiplicado em público, ao vivo e a cores, em vários países.
Do bilionário psicopata Musk ao venturoso gatuno de bagagens Arruda, aquela que ficou conhecida, em alemão, como “saudação a Hitler”, e, noutros países e línguas, como saudação nazi ou saudação fascista, está em alta, apesar de considerada crime seja na Alemanha seja, por exemplo, em Portugal.
Não se tome, contudo, de ânimo leve o caricato das personagens referidas.

Porque é nesse mesmo contexto que cabe o descontraído anúncio, entretanto repetido, por Trump do seu plano para os Estados Unidos “tomarem conta” da Faixa de Gaza, se tornarem seus “proprietários” e a reconstruírem como “Riviera do Médio Oriente”.
O que Trump anuncia não difere em muito daquilo que ficou conhecido na história recente como a “Endlösung”: a solução final que o regime nazi determinou para o “problema judeu”.
Neste caso, Trump anuncia, para incrédulo gáudio de Netanyahu e dos seus parceiros fascistas no governo sionista, o extermínio final do povo palestiniano, outro povo semita (seguindo a nomenclatura científica das grandes etnias do Ocidente euro-afroasiático — entretanto considerada ultrapassada).
Netanyahu pretendia e continua a pretender esvaziar de habitantes o Norte da Faixa de Gaza. Tem agora da administração americana, mais do que o esperado apoio, carta branca para levar até ao extremo que entender o holocausto da Palestina, anexar a faixa de Gaza e a Cisjordânia, repovoá-las com colonos sionistas e expulsar ou exterminar o povo palestiniano.
O povo palestiniano regressa à sua terra, não se rende
Não obstante, e malgrado quinze meses de genocídio perpetrado pelo governo israelita, malgrado os massacres, a fome e as deslocações forçadas, o povo palestiniano de Gaza fez valer o seu direito ao regresso, aproveitando o cessar-fogo de 19 de Janeiro.
Percorrendo a pé uma dezena de quilómetros, 300 mil deslocados — de crianças a idosos — regressaram ao Norte da Faixa de Gaza, montando as suas tendas sobre as ruínas dos seus bairros. No meio da multidão, diz um refugiado: “Aguentámo-nos até nos deixarem regressar à nossa terra” (citado por Francetvinfo, 28 de Janeiro). Outro acrescenta: “Ganhámos a guerra. Aqui é a nossa casa, nunca mais voltaremos a sair”.
O académico palestiniano Ziad Medukh, um sobrevivente dos massacres do genocídio, descreve assim a situação desde que o cessar-fogo entrou em vigor:
“Os drones sulcam os céus de Gaza dia e noite, não se sai à rua depois das 19h, nas casas esventradas faz frio à noite. A situação humanitária e sanitária continua a ser dramática. Não há nada. Não há hospitais, não há centros de saúde, não há médicos, não há medicamentos. Os cidadãos podem já não estar a morrer dos bombardeamentos, mas continuam a morrer por falta de cuidados médicos e de água potável. A ajuda humanitária internacional não consegue dar resposta à procura. O regresso em massa dos 500 mil palestinianos deslocados, até à data, põe sérios problemas logísticos. Os camiões de ajuda continuam a entrar no Norte da Faixa de Gaza a conta-gotas. Continua a escassez de muitos géneros alimentícios, como carne, legumes e fruta. Muitas das pessoas deslocadas que regressam à procura das suas casas já não têm nada e ficam chocadas com o que vêem; o choque demorará muito a sarar. Os serviços municipais tentam reparar as estradas, mas é muito difícil, porque as redes de água, electricidade e canalizações foram todas destruídas, já sem falar da falta de meios. Os carros não podem circular nas estradas devastadas, há toneladas de escombros por limpar.”
Mesmo assim, contra a vontade de Netanyahu, Biden, Trump e outros, eles regressaram. Ziad Medukh dá a palavra a habitantes de Gaza. Randa, advogada, sublinha o papel das mulheres na reconstrução:
“Todas as mulheres aqui são mães de alguém assassinado, preso, ferido ou desaparecido. Suportam o insuportável, forçam a admiração pela sua coragem e força de vontade. À falta de marido ou de homem em casa, morto, preso, ferido ou deslocado, as mulheres tiveram de assumir novas responsabilidades. (…) Assumem novas responsabilidades na família, mas são também muito activas fora de casa, nos estabelecimentos de ensino que reabriram no mês de Outubro de 2024 (90% dos professores são mulheres). Do mesmo modo, organizam-se para, por exemplo, ir porta a porta dar apoio às famílias, através de reuniões, conferências, etc.”.
Centenas de milhares de mulheres e homens forçaram o regresso e aspiram a reconstruir Gaza e, mais além, a Palestina de amanhã.