
Os chefes da Europa em pânico
No dia 12 de Fevereiro passado, uma conversa telefónica entre Trump e Putin abre negociações bilaterais entre os Estados Unidos e a Rússia sobre a Ucrânia; excluindo, portanto, os países europeus — e a própria Ucrânia.
No mesmo dia, o novo secretário do tesouro (ministro das finanças) americano, Scott Bessent, apresenta a Zelensky um projecto de “acordo”: a Ucrânia comprometer-se-ia a ceder direitos sobre 500 mil milhões de dólares em minérios críticos (terras raras) e outros recursos naturais ucranianos a título de “reembolso” da ajuda americana já desembolsada desde o início da guerra (estimada em pouco mais de 100 mil milhões de dólares…)
Boa parte dessas reservas minerais situam-se em território actualmente controlado pela Rússia. Não há problema: Putin mostrou-se aberto a cooperar com os EUA na sua exploração, e Marco Rubio, o ministro dos estrangeiros de Trump, encheu a boca com “parcerias económicas potencialmente históricas” entre os EUA e a Rússia.
No dia 13 de Fevereiro, o mesmo Rubio declara que “as duras realidades estratégicas impedem os Estados Unidos de serem o principal garante da segurança na Europa”, dada a confrontação em curso com o concorrente de tomo, “a China Comunista”.
No dia seguinte, 14, na conferência de segurança de Munique, o vice-presidente dos EUA, J. D. Vance, adverte os chefes de Estado europeus, que “há um xerife novo em Washington.” A ameaça principal que impende sobre a Europa não é, diz, “nem a Rússia nem a China”: é a “ameaça interna”. Especificando, denuncia, a poucos dias das eleições na Alemanha, a barreira “corta-fogo” que os principais partidos alemães criaram à volta da AfD: partido de extrema-direita que acolhe todos os nazis do país. Vance reúne-se com a presidente da AfD.
No dia seguinte, 15, Trump exige que “os europeus” mandem tropas para a Ucrânia, e é se querem.
No dia 17, uma cimeira europeia de urgência organizada por Macron no Eliseu, conclui que é necessário excluir a despesa militar da regra do tecto de 3% para o défice público.
No dia 20, Macron reúne os chefes dos partidos políticos franceses no Eliseu. Diz-lhes que “a Rússia representa uma ameaça existencial para os europeus”. Consequência: “temos de acelerar o nosso esforço de guerra (…) Temos de gastar mais e melhor e tomar decisões rápidas (…) Vamos ter de rever as nossas opções, as nossas opções orçamentais e as nossas prioridades.” Sobre a despesa militar, diz que “não sei se 5% [do PIB] é a opção certa no caso da França, mas, seja como for, vamos ter de aumentar.”
Título do jornal Le Monde no dia 24 de Fevereiro: “Emmanuel Macron procura preparar a opinião pública francesa para um esforço de guerra sem precedentes”.
A tradução portuguesa deu-a há tempos “D. Sebastião” Gouveia e Melo, dizendo que os portugueses morreriam onde a NATO os mandasse morrer. Completou-o o pato bravo-em chefe, Montenegro: gastar-se-á em defesa o que “os nossos aliados” mandarem.
Os trabalhadores que paguem a crise
Este triplicar do nível da despesa militar passa a objectivo de todos os serviçais europeus de Trump, que correm pelo galinheiro em todas as direcções, aflitos com o abandono do galo.
Em Portugal, o que se prepara é passar a gastar em “defesa” o que se gasta no SNS… e, sem dúvida, no SNS o que hoje se gasta em “defesa”!
SNS… e pensões. No mesmo momento em que um relatório do Tribunal de Contas português, pilotado por um avançado-centro dos fundos de pensões, um tal Jorge Bravo, chega à conclusão de que o sistema de pensões português é deficitário, o tribunal de contas francês conclui que o sistema de pensões francês é “deficitário”. Assim são as coincidências.
A conclusão que se segue é uma e a mesma: aumentar ainda mais a idade da aposentação e desindexar as pensões do custo de vida — portanto, encarregar a inflação de comer as pensões. Montenegro sabe dessa poda.
Já outras soluções, como aumentar as contribuições salariais e patronais para a segurança social, são excluídas à cabeça como não razoáveis. Isto impõe a pergunta, independentemente do frenesim da guerra: porquê? A resposta é simples: a medida oposta, de isentar o patronato da “sua parte” da contribuição para a segurança social é, em Portugal como na generalidade dos países europeus, uma das medidas mais queridas dos governantes sempre que precisam de “incentivar o investimento”, “acorrer aos custos da Covid” ou financiar os layoffs das AutoEuropas.
A chamada “contribuição patronal para a segurança social” é, na realidade, parte do salário do trabalhador, ao mesmo título que a contribuição para a segurança social deduzida directamente ao salário. Tal como o salário que o trabalhador recebe não é “contribuição patronal” para o trabalhador não morrer à fome, a “contribuição patronal” para a segurança social não é contribuição patronal, é parte do salário. A única diferença é que a “contribuição patronal” vai directa da empresa para a segurança social sem passar pelo bolso do trabalhador ou pela folha de salário — e ostenta aquele nome enganador. Nem às empresas passa pela cabeça contabilizar as “contribuições patronais” como outra coisa que não sejam custos do trabalho: custos salariais. Sente-o imediatamente na pele o trabalhador que, como tanta vez acontece, tem de passar a receber salário na forma de “recibo verde”, como falso “independente”: se quiser manter na íntegra os seus direitos a pensão, tem de passar a pagar à segurança social, do salário a “recibo verde”, não apenas a “sua” parte, mas também a dita “parte patronal”… Eis porque os governos detestam aumentar as contribuições “patronais” para a segurança social: seria aumentar o custo salarial, o “custo do trabalho” — o tabu absoluto! E porque, em contrapartida, gostam tanto das isenções patronais: elas baixam os custos salariais, ou seja, os salários. E quando, de tanta isenção, a segurança social se torna “deficitária”, lá é preciso, “infelizmente”, cortar as pensões, que são os salários diferidos nela acumulados!