Montenegrização e Social-Montenegrização

Atrás do sorriso auto-satisfeito do avençado-centro Luís “deixem o Luís continuar a trabalhar descansado para os Violas e Barros Rodrigues do país” Montenegro, a AD procura um mandato eleitoral que ilibe o Luís e force o PS ou o Chega à coligação sob a sua asa.

Que escolhas restam aos trabalhadores e aos jovens deste país, que, directa ou indirectamente, trabalham por salários em geral de miséria para os ditos Violas e Barros e Azevedos e Amorins e Queirós Pereiras e Melos e Soares dos Santos e Espíritos Santos e multinacionais sortidas, que são os proprietários deste país?

O (des)avençado Luís quer, é claro, continuar a trabalhar para os seus patronos capitalistas sob a alta orientação da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. Mas Luís declarou também notar com satisfação uma crescente “montenegrização” da política portuguesa. Os programas de todos os partidos eram cada vez mais iguais aos dele.

Montenegro tem, infelizmente, razão. Como diz o colunista liberal de direita J. M. Tavares no Público de 15 de Abril, o mérito da conversão geral à política das “contas certas”, ou seja, à austeridade permanente e sem alter-nativa, “deve ser atribuído, pelo lado do PS, à dupla Costini & Centini (…) [que] nunca tiveram a hombridade de assumir que estavam a continuar o corajoso trabalho de Passos Coelho, passando anos a dissimular, a aldrabar e a proclamar que estavam a fazer o seu exacto contrário”. Convém acrescentar que algum mérito pertence também ao BE e PCP, que coadjuvaram a direcção do PS nessa vasta aldrabice – pagando um duro preço, inclusive eleitoral.

E nada parecem ter aprendido

Segundo a brochura eleitoral do Bloco de Esquerda, “Mudar de Vida é com o Voto no Bloco”. Surpreendente. Nada do que os trabalhadores e jovens deste país conseguiram nestes últimos cinquenta anos resultou do voto, no Bloco ou em quem quer que fosse. Se “Mudar de Vida” significa conseguir conquistas e a emancipação do trabalho da exploração capitalista, então só a acção unida dos trabalhadores, na greve, na greve geral, nos órgãos que eles próprios comecem a criar para dirigir o país mudará a vida. A revolução de 1974/75 foi disso a demonstração e não foi há tanto tempo. Já “do voto” tem resultado essencialmente a destruição paulatina, organizada e sistemática das conquistas, do poder de compra, do SNS, do ensino público, do direito à habitação, dos direitos laborais, organizada pelos partidos do regime.

Não quer dizer que um partido que faça referência aos trabalhadores e jovens não vá a eleições no quadro do regime actual, é claro. Mas se é para dizer que é do voto que virá a mudança, está a enganar os trabalhadores, não a ajudá-los.

A montenegrização vai muito, muito longe

A brochura do BE diz que “o voto no Bloco baixa as rendas, taxa os ricos e respeita quem faz turnos”. Claro que não faz nada disso. E não só por o BE ter presumivelmente uma votação baixa. Não faz, por uma razão muito simples. Todas essas respeitáveis reivindicações, que obviamente são de apoiar,
teriam consequências imediatas: afugentar os “investidores”, violar as leis da “concorrência livre e sem entraves”, que são a base dos Tratados da União Europeia, as regras da dívida e do défice da União Europeia e por aí fora.

Portanto, ao apresentar tais exigências, limitadas, mas justas, é preciso dizer o que se vai fazer ao apertar-se o espartilho dos tratados e instituições da UE, NATO, etc., que asfixia o “país” e que transforma os governos nacionais em governos de paróquia, sem margem de actuação a não ser obedecer a Bruxelas.

Ora, neste aspecto, foi ilustrativo o debate televisivo entre Mariana Mortágua e o chefe do Livre, Rui Tavares. Tavares não teve problema nenhum em dizer que, face aos “projectos imperiais de Putin, Trump ou Xi Jinping”, é preciso a “unidade europeia”, reforçar a União Europeia, defender a NATO. Tavares é abertamente paladino da construção, via UE, de um imperialismo europeu capaz de competir com os outros na rapina do mundo, investindo na corrida aos armamentos, fazendo a Comunidade Europeia de Defesa, fomentando a guerra na Ucrânia até ao último ucraniano (“temos de nos preparar para a ameaça de Putin, venha ou não venha”).

E o Bloco?

Mortágua diz que “o Bloco é europeísta de esquerda“. Que faz muitas críticas à Comissão Europeia, mas “a UE enquanto projecto de paz, de cooperação, é um bom projecto”. A coordenadora insistiu que o que diferencia o Bloco (“temos convergências na maior parte”) do abertamente imperialista Livre “não é a cooperação militar a nível europeu, (…) Portugal tem de fazer a sua parte (…), o que nos diferencia do Livre é a ideia de se devemos ou não devemos gastar mais em armamento (…) porque a Europa já investe o suficiente em defesa”. O Livre é por mais obuses, o BE, pelos que já há (o que não o impediu de votar sistematicamente no Parlamento Europeu por muitos milhares de milhões novos para a guerra).

A coordenadora do Bloco insistiu também que o partido “nunca propôs a saída do euro” e muito menos da UE. Mais: “eu chorei uma lágrima pela União Europeia quando vi o BCE e a Comissão Europeia esmagarem a Grécia e a democracia na Grécia”. Isto a propósito de Fernando Rosas ter alguma vez dito que não choraria uma lágrima pelo fim da UE, como lhe lembrou Tavares, de severíssimo semblante.
Só que, ao “esmagar a Grécia”, a UE fez estritamente aquilo para que existe. Quando foi a vez de “esmagar Portugal”, também esmagou. Belgrado, bombardeou-a. Na UE, tudo gira à volta da protecção da “concorrência livre e sem entraves”, da defesa da propriedade privada dos meios de produção pelos grandes grupos capitalistas, do poder monetário discricionário do BCE, das regras férreas que estrangulam os governos nacionais. É isso a UE, para isso foi criada, para isso existe.

Declarando-se “UEísta de esquerda”, o BE sujeita-se aos tratados da UE. Na geringonça, quando os interesses dos trabalhadores e da juventude entraram em choque com as exigências da UE, escolheu o lado da UE.

O Bloco oferece aos trabalhadores esta alternativa poderosa: quando a UE esmaga a Grécia, os outros aplaudem; nós, choramos! O voto no BE é, assim, o voto na lágrima. Não é o voto na luta.

Nas vésperas da Iª Guerra Mundial, os dirigentes da social-democracia europeia tinham prometido declarar a greve geral se os seus países fossem para a guerra. Traíram radicalmente essa promessa, juntando-se às respectivas burguesias imperialistas. Esses dirigentes escolheram a infâmia de passarem de socialistas a social-imperialistas e social-chauvinistas.

Hoje, assistimos ao vivo à montenegrização do PS e do Livre e à social-montenegrização do BE e do PCP. Curiosa, a exclamação de Paulo Raimundo no seu debate com Mortágua: “Para que serve um Estado se não for para acorrer às necessidades do seu povo?!” Este Estado serve para acorrer às necessidades dos Violas e Azevedos e Mellos, não do “seu povo”. Paulo Raimundo tem obrigação de sabê-lo.

Para o Bloco e PCP, não há “ideias” para a classe burguesa e ideias para a classe trabalhadora; há ideias certas e erradas, políticos irresponsáveis e responsáveis. Quando Montenegro faz uma lei que favorece descaradamente os ricos, Mortágua chama-lhe uma “ideia errada”. Ora não é. É uma ideia certa para aumentar os lucros, diminuir os salários e direitos, atacar a classe trabalhadora.

O vocabulário do Bloco não conhece classes com interesses contraditórios, não conhece a diferença entre os Violas e os operários dos Violas; só conhece “Portugal”, só conhece a “Europa”.

Social-montenegrizou-se.