Pautas Aduaneiras, “América Primeiro”… Uma “Retirada Nacional” para Inglês Ver

Na aparência, a marca de Trump é a declaração de nacionalismo económico. “America First” seria, assim, tentar fazer com que a economia mais poderosa do mundo leve a melhor sobre todas as outras fechando-se sobre si mesma dentro das suas fronteiras nacionais.

É impossível ignorar que as primeiras medidas de Trump esbarram com uma quantidade de obstáculos e contradições que explicam os ziguezagues sem fim da sua política desde a sua entronização.

Veja-se o caso das pautas aduaneiras: Trump aumenta os direitos, depois adia a aplicação por um mês, depois redu-los a 25% para logo voltar a aumentá-los em 10%. Já contra o Canadá, já contra a China, já contra a Europa. Vale a pena referir, de passagem, que a primeira multinacional a apresentar um protesto oficial contra o aumento dos direitos aduaneiros foi a Tesla, propriedade de Elon Musk.

Ou veja-se o anúncio de uma possível recessão económica nos próprios Estados Unidos, como consequência do colapso do nível de vida de vastos sectores da classe trabalhadora e das “classes médias”, atingidos pela subida dos preços no consumidor e por cortes maciços no emprego, tanto no sector público como no privado.

Veja-se, ainda, a queda das cotações das acções em Wall Street – quando Trump prometia uma “idade de ouro” aos capitalistas e especuladores.

Todos estes ziguezagues, estas contradições, não são reflexo dos “desvarios” de Trump, mas sim das leis do capital ao chegar à fase em que o capitalismo – metamorfoseado em imperialismo – entrou na sua fase senil. Uma fase marcada por comportamentos aparentemente incoerentes, mas que, na verdade, reflectem a impotência da classe capitalista para sair do beco sem saída em que se encontra, a não ser por meios que ameaçam a sobrevivência da raça humana.

“Nacionalismo económico” de Trump? Qual quê!

O “nacionalismo económico” de Trump é, à vista do simples desenvolvimento do capitalismo, completamente desprovido de sentido. Historicamente, à aurora do capitalismo e na era do capitalismo ascendente, a constituição das nações teve carácter progressista, tanto ao constituir o quadro nacional para o desenvolvimento das forças produtivas como no ponto de vista democrático. Só que o desenvolvimento económico ultrapassou muito rapidamente o quadro das nações. N’O Capital, Marx refere que a constituição do mercado mundial se sobrepõe à constituição dos mercados nacionais, apesar de, no tempo em que ele escrevia, os mercados nacionais ainda não estarem plenamente constituídos.

A tendência deste desenvolvimento manifestou-se na deslocação do centro de gravidade dos mercados internos para os mercados externos, para o mercado mundial, na segunda metade do século XIX e, com mais força ainda, no século XX. A conclusão da constituição do mercado mundial e a sua partilha entre as principais nações capitalistas avançadas assinalam a transição para a fase imperialista, a do declínio do capitalismo.

A lei da produtividade do trabalho

Os marxistas medem a evolução das sociedades e dos modos de produção pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas. Este desenvolvimento reflecte uma lei que preside a todo o desenvolvimento da história humana, uma lei a que Trotsky chama “lei da produtividade do trabalho” (Nacionalismo e Vida Económica, Novembro de 1933). Escreve: “O desaparecimento das formações sociais obsoletas não é mais do que a manifestação desta lei, desta lei cruel que determinou a vitória da escravatura sobre o canibalismo, da servidão sobre a escravatura e do trabalho assalariado sobre a servidão.”

O sistema económico assente na livre concorrência na era do capitalismo em ascensão deparou-se muito rapidamente com a concentração em trusts, monopólios e multinacionais. A lei da produtividade do trabalho tendeu, pois, a esbarrar nos limites que ela própria impôs à existência das nações.

Actualmente, os GAFAM, as empresas de alta tecnologia, dominam a economia mundial. Mas o que é a inteligência artificial (IA)? Não passa de mais um degrau, superior, no desenvolvimento da lei da produtividade do trabalho. Ora, o aparecimento da IA e o seu alargamento a todos os ramos da indústria e a todos os continentes cavam o fosso entre a tendência para o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas e a tendência, inversa, para a contracção dos mercados resultante da contracção da capacidade de consumo da classe trabalhadora.

A única forma de ultrapassar a contradição entre a tendência para o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas, reforçada pelos novos passos dados pela lei da produtividade do trabalho, e a contracção dos mercados e do poder de consumo das massas, é aquilo a que Trotsky chama “a adaptação da estrutura social às possibilidades abertas pelas novas tecnologias”.

O desenvolvimento das novas tecnologias coloca na ordem do dia a necessidade do socialismo

É verdade que as novas tecnologias a-brem possibilidades imensas. Só que é preciso que a “estrutura social” se adapte a elas. Por outras palavras, quanto mais se desenvolvem as novas tecnologias que aumentam a produtividade do trabalho, mais passa à ordem do dia o derrube do sistema capitalista assente na propriedade privada, chegado à sua fase de apodrecimento. Tanto mais passa, portanto, à ordem do dia o socialismo à escala planetária. A inteligência artificial realça a urgência de um modo de produção assente na satisfação das necessidades da humanidade, livre daquilo a que Trotsky chama “a luta humilhante pela miserável ração diária de pão”.

É aqui que Trump se debate com as suas próprias contradições: “America First” é uma retirada para as fronteiras nacionais, mas uma retirada para inglês ver. Actualmente, no tempo da globalização generalizada das relações sociais de produção, a retirada para as fronteiras nacionais é necessariamente para inglês ver. Até certo ponto, é uma retirada para proteger os interesses do capital americano; na realidade, porém, tem de vir imediatamente acompanhada pela pilhagem mais descarada dos recursos do mundo inteiro.

No mesmo texto de 1933, Trotsky escreveu um passo profético: “Mais cedo ou mais tarde, o capitalismo americano terá de abrir para si o nosso planeta inteiro, de norte a sul, de leste a oeste. Por que métodos? Por todos. Um coeficiente de produtividade elevado implica também um coeficiente elevado de forças destrutivas“. Chegado a certo ponto, o capitalismo americano, que beneficiou sempre de um mercado interno vasto — factor de desenvolvimento das forças produtivas que nenhum outro país capitalista conseguiu ter a escala comparável —, vê-se confrontado com a necessidade de “abrir” para si o planeta inteiro. E, para isso, recorrer à transformação das forças produtivas em forças destrutivas.

A ameaça de anexar o Canadá é a sério? A ameaça de anexar o Canal do Panamá? A pontaria à Gronelândia? Sim, são a sério. Não quer dizer que aconteçam. Mas se Trump vir a oportunidade, fá-lo-á, se for preciso, por meios militares. Ele precisa de demonstrar, pela pilhagem, que é capaz de enriquecer a classe capitalista americana, seja embora por meios que configurem roubo, prevaricação e pilhagem puros e simples. Ele necessita destes resultados.

A ameaça de deportar a população palestiniana de Gaza é a sério? O plano de pôr a Ucrânia sob tutela colonial? Os preparativos de guerra americana contra a China? Sim, são a sério. A sobrevivência do capitalismo senil norte-americano exige a pilhagem imediata de países, reduzidos a enclaves escravos, a semi-colónias subordinadas ao imperialismo americano.

Só a acção organizada da classe dos produtores pela satisfação das suas reivindicações e aspirações, lançando as bases de uma sociedade que organize racionalmente a produção das riquezas materiais para responder às necessidades de todos, poderá evitar a marcha para a barbárie.