Adaptado de um artigo de La Tribune des Travailleurs, semanário do Partido Operário Independente Democrático (França)
Foi com uma “intimação” e com repressão que o Governo da monarquia espanhola respondeu à vontade maioritária do povo catalão de proclamar a República Catalã.
De um lado, milhões de mulheres e homens, na sua maioria trabalhadores, aposentados, jovens. Ao organizarem-se para impor o referendo no dia 1 de Outubro, ao votarem massivamente ‘sim’ à República da Catalunha, ao realizarem a greve geral de 3 de Outubro, eles expressaram a vontade do povo catalão de dispor livremente do seu destino. Nestes últimos anos, esses mesmos trabalhadores, ao lado dos de todo o Estado espanhol, entraram em greve contra os planos de austeridade impostos pelo governos de direita e “de esquerda” (em Madrid como em Barcelona) às ordens da União Europeia. Quando milhões de anónimos tomam eles próprios a iniciativa de querer varrer um rei e mudar a ordem estabelecida, é a revolução que bate à porta.
Do outro lado … os “grandes” deste mundo. O rei da Espanha, Felipe VI, cujo pai, Juan Carlos, foi pessoalmente nomeado rei por Franco. O primeiro ministro espanhol, Rajoy, que “intima” o povo catalão a desistir da República. A Comissão Europeia, que justifica a violência policial como “uso proporcionadoda força”. Os Macrons e as Merkels, sem esquecer os Trumps, que declaram que “a Espanha (…) deve permanecer unida”. E os capitalistas de todas as nacionalidades — incluindo os catalães — que estão há dez dias a transferir as sedes sociais dos seus bancos e empresas para fora da Catalunha, conscientes de que as aspirações democráticas e nacionais de milhões se conjugam com a vontade dos trabalhadores de acabar com os planos anti-operários.
Sem esquecer — não há como calá-lo — todos os que chefiam as grandes organizações operárias e recusam a proclamação de uma República Catalã. Dos dirigentes do Partido “Socialista” (PSOE), que fazem bloco com Rajoy, aos dirigentes das confederações UGT e Comissões Operárias, passando pelos do Podemos, que apelam a uma “mediação” europeia.
Ninguém pode prever a sequência dos acontecimentos, no momento em que o governo Rajoy acaba de meter na prisão dois responsáveis catalães, provocação final para exigir ao governo catalão que se renda com um baraço ao pescoço, como Egas Moniz.
Pela nossa parte, escolhemos o nosso campo: incondicionalmente ao lado do povo catalão, pelo seu direito a dispor de si próprio. Com os trabalhadores e jovens que têm constituído os seus Comités de Defesa do Referendo, pela libertação dos presos, contra a repressão, contra as “prisões dos povos” que são a monarquia franquista e a União Europeia!
Quarta-feira, 11 de Outubro
Depois do referendo de 1 de Outubro, em que, apesar da repressão policial, 90% dos 2,26 milhões que puderam votar se pronunciaram pela República catalã, depois da greve geral de 3 de Outubro (700.000 manifestantes na Catalunha, o equivalente, em França, a uma manifestação de 6 milhões!), o governo Rajoy exige que o governo catalão desista de proclamar a República.
No dia 11 de Outubro, o governo da monarquia “intima” o chefe do governo catalão, Puigdemont, “a confirmar se alguma autoridade da Generalitat da Catalunha declarou a independência da Catalunha”. Puigdemont é intimado a responder “até ao dia 16 de Outubro às 10 horas”. O governo catalão teria até “19 de Outubro às 10 horas” para desistir definitivamente da independência e da República; caso contrário, o governo espanhol “proporá ao Senado a adopção das medidas necessárias para fazer cumprir as obrigações constitucionais da Comunidade Autónoma (…) nos termos do disposto no artigo 155º”. O que significaria (artigo 155º) que a autonomia da Catalunha seria suspensa e o governo da monarquia “chamaria a si as rédeas”.
“O exército prepara-se para apoiar a polícia e a Guarda Civil na Catalunha” (El Pais, 11 de Outubro)
Para o jornal ABC (pro-Rajoy), já é demasiado tarde, é preciso passar às “cláusulas constitucionais que prevêem o estado de emergência,conforme dispostono seu artigo 116º.” Iniciam-se preparativos para uma repressão em massa.
“Somos militares, gostamos de trabalhar com planos e prever com antecedência”,responde o Chefe de Estado-Maior da Defesa, Fernando Alejandre, quando interrogado sobre os comboios militares enviados nos últimos dias para a Catalunha. Para já, o que o exército está a fazer é a acumular material logístico “para estarmos prontos seja qual for a situação”, disse. O objectivo, segundo outros militares, seria ajudar as forças e corpos de segurança do Estado, se o governo mandasseexecutar o chamado plano “Cota de malha”.”
Sexta-feira, 13 de Outubro
“Proclamar a República, tal é o mandato de mais de dois milhões” (carta das CUP-CC a Puigdemont)
Face ao ultimato lançado por Rajoy, as Candidaturas de Unidade Popular-Apelo Constituinte (CUP-CC, com dez deputados no Parlamento catalão) dirigem-se ao chefe do governo catalão, Puigdemont. As CUP-CC escrevem: “Era e continua a ser necessário proclamar a República. Porque é o mandato de mais de dois milhões de pessoas que, apesar da ofensiva judicial e repressiva do Estado, disseram SIM à independência. (…) Só a proclamação da República nos permitirá respeitar o que a maioria manifestou nas urnas (…).Responder de forma diferente àintimação do presidente Rajoy implicariaavalizar todas e cada uma das suas ameaças, o seu desprezo e a sua repressão, e implicaria voltar para debaixodo império da legalidade constitucional espanhola com a qual a maioria social decidiu romper. O Estado, o seu poder judicial, o seu poder militar e policial, mas, acima de tudo, os partidos políticos que, nestes últimos dias, se têm mostrado absolutamente contrários ao direito à autodeterminação, estão dispostos a continuar a negar-nos os nossos direitos e liberdades, refugiando-se atrás de uma Constituição espanhola ilegítima, estribando-senos apoios que têm no poder económicoe na União Europeia (…). Se querem fazer aplicar o artigo 155º da Constituição espanhola, se querem continuar a ameaçar-nos e amordaçar-nos, que o façam com a República proclamada.”
Sábado 14 de outubro
Em Sabadell: primeira reunião nacional dos Comités de Defesa do Referendo
Na cidade de Sabadell, reúnem-se clandestinamente delegados de oitenta Comités de Defesa do Referendo (CDR), assembleias populares formadas por milhares de voluntários que se encarregaram de organizar o referendo antes de estruturar a greve geral de 3 de Outubro.
Um dos nossos correspondentes, delegado do seu CDR à reunião de Sabadell, informa: “Muitos CDRs ainda não fazem parte desta estrutura nacional, mas estamos a começar acriar uma rede entre todos nós, de modo a coordenarmo-nos nas próximas acções. Brande-se a ameaça doartigo 155º, e aproxima-se a suspensão da autonomia; é por isso que vamos impulsionar, a partir dos comités, uma estrutura de resistência autónoma em autogestão ecooperação das classes populares. Desta reunião, o que mais claramente se destaca é que, em todo o território, há uma ideia que se impõe: os comités representam espaços de resistência activa. Participam nas nossas assembleias pessoas de diferentes sensibilidades e tradições militantes, mas o que nos une é a vontade firme de exercer a independência de baixo para cima, de nos defendermos nós próprios contra os ataques e a repressão do Estado espanhol (no espírito do 1 de Outubro).”
É significativo que, nesta reunião, vários delegados propusessem que os comités se passassem a chamar Comités de Defesa da República Catalã, reflectindo a poderosa vontade que ascende de proclamar a República imediatamente.
Segunda-feira 16 de Outubro
Novo ultimato de Rajoy
À data de 16 de Outubro, às 10 da manhã, Puigdemont escreve a Rajoy: “Mais de dois milhões de catalães confiaram ao Parlament[catalão] o mandato democrático de declarar a independência”, indicando, porém, que “suspende o mandato” de proclamar a República imediatamente.
Algumas dezenas de minutos depois, Rajoy responde a Puigdemont, acusando-o de semear “a confusão”. A monarquia espanhola, continua Rajoy, tem “o direito de saber com certeza se (o governo catalão) declarou a independência”. Rajoy, porta-voz das instituições da monarquia franquista, exige, nos termos do artigo 155º, a capitulação incondicional. É preciso mostrar ao povo catalão que os seus dirigentes aceitaram desistir do mandato que o povo lhes confiou no dia 1 de Outubro. Fixa-se um novo ultimato: Puigdemont tem até quinta-feira, 19 de Outubro, às 10 horas, para renunciar à independência e à República.
Os dirigentes do PSOE põem-se atrás de Rajoy
Mas donde tira Rajoy tanta arrogância? Recorde-se que o seu partido, o Partido Popular (neo-franquista), não tem maioria parlamentar e que o seu governo deve a sua existência à decisão do PSOE de se abster na sua investidura. O que dá força ao governo Rajoy é a direção do PSOE.
Assim, revela La Vanguardia (16 de Outubro), o seu secretário-geral, “Sánchez, esteve esta manhã em contacto com Rajoy, depois de chegada a “não resposta” de Puigdemont, para usar o termo dos socialistas (…). Seguidamente, o chefe do PSOE presidiu a uma reunião do executivo do partido, ao fim da qual o seu porta-voz considerou “particularmente grave” que o presidente da Generalitat da Catalunha não quisesse responder ao chefe do governo. Vincou que o governo teria o apoio do PSOE para dar aplicação ao artigo 155º da Constituição.”
O PSOE defende a Constituição de 1978 e o seu artigo 155º
O acordo de cúpula Rajoy-PSOE não caiu do céu. Alguns dias antes, Pedro Sanchez declarara que “foi oPSOE o partido que mais contribuiu para a elaboração e aplicação da Constituição espanhola de 1978” e que “face seja a que ameaça forde atentargravemente contra a ordem constitucional, o PSOE situar-se-áresolutamentedo lado do Estado de direito”. Ora, esta Constituição, erigida em 1978 graças não só aos dirigentes do PSOE, mas também aos do Partido Comunista (PCE), foi a Constituição que restaurou a monarquia, nos termos decididos por Franco ao nomear Juan Carlos de Borbon rei, antes de morrer, e manteve o essencial das instituições franquistas, sob um diáfano verniz “democrático”, perpetuando o domínio dos latifundiários e da Igreja, bem como a opressão secular dos povos oprimidos.
Um consenso que reúne, além dos dirigentes do PSOE, os das duas grandes centrais sindicais, a UGT e as CCOO, mas também os dirigentes do Podemos e da Izquierda Unida(1), todos eles opostos à proclamação da República Catalã.
A repressão volta a atacar…
A repressão volta a atacar precisamente graças a esse consenso à volta de Rajoy. Jordi Sanchez (Assembleia Nacional Catalã) e Jordi Cuixart (Omnium), dirigentes de organizações de mais de 100.000 pessoas favoráveis à proclamação da República Catalã, são postos em detenção preventiva, acusados de “sedição”!
São acusados do “crime” de, em finais de Setembro, terem dado instruções para a organização do referendo de 1 de Outubro, referendo proibido pelo governo Rajoy. São imediatamente encarcerados na penitenciária da Soto del Real, perto de Madrid.
Ao anúncio desta notícia, milhares descem às ruas nos bairros e aldeias ao apelo dos Comités de Defesa do Referendo: “Pela democracia e pela República! Libertação dos dois Jordis!”, proclamam os apelos que circulam toda a tarde e toda a noite.
Terça-feira, 17 de Outubro
“Pela democracia e pela República! Libertação dos dois Jordis!”
No momento em que fechamos esta reportagem, dezenas de milhares de manifestantes concentram-se a meio do dia nas grandes cidades, nos bairros e vilas. Está convocada uma manifestação para o fim da tarde em Barcelona, e circula uma palavra de ordem de greve geral para quarta-feira, 18… sempre sem o apoio dos dirigentes confederais. No entanto, por toda a Catalunha multiplicam-se as folhas e cartazes: “Tragam-nos para casa!” Um povo inteiro ergue-se contra uma repressão que recorda a ditadura que Franco impôs aos trabalhadores e aos povos de Espanha durante quarenta anos.
Sábado, 21 de Outubro
“Llibertat!”
Depois das centenas de milhares que se manifestaram nas ruas de Barcelona e em toda a Catalunha pela libertação dos “dois Jordis” e da greve geral, o governo Rajoy — ou melhor, o Estado Borbón/PP, amparado no seu cúmplice Sanchez do PSOE — acaba de aplicar o artigo 155º da Constituição da monarquia, suspendendo a autonomia da Catalunha (através de medidas que muitos juristas consideram nem sequer serem permitidas pelo texto do dito artigo). A monarquia ameaça Puigdemont e outros dirigentes catalães com a acusação de “rebelião”, passível de 30 anos de prisão, se declararem formalmente a República na Catalunha.
Sexta-feira, 27 de Outubro
O Parlamento catalão proclama a República soberana da Catalunha.
O governo da monarquia, invocando o artigo 155°, declara dissolvido o Parlament, demitidos os altos cargos do govern e, de facto, suprimida a “autonomia” da Catalunha, convocando eleições para 21 de Dezembro.
(1) Podemos é o movimento político saído do movimento dos “indignados”. A Izquierda Unida (Esquerda Unida) é um agrupamento constituído há vários anos pelo Partido Comunista Espanhol.