Conferência Internacional pela Reconstituição da IVª Internacional, pelo Partido Mundial da Revolução Socialista

Reuniu-se nos dias 3, 4 e 5 de Novembro, em França

AOS TRABALHADORES E JOVENS QUE, EM TODOS OS CONTINENTES, LUTAM CONTRA A GUERRA E A EXPLORAÇÃO, PELA EMANCIPAÇÃO DOS TRABALHADORES E DOS POVOS

1.    Reuniu-se nos dias 3, 4 e 5 de Novembro, em França, uma “conferência internacional pela reconstituição da IVª Internacional, pelo partido mundial da revolução socialista”. Nela participaram: delegações de 32 países, representando grupos e organizações filiados no CORQI (Comité de Organização pela Reconstituição da IVª Internacional); e, igualmente, grupos e militantes, que, sem pertencerem ao CORQI, estão empenhados na luta contra o capitalismo, contra o imperialismo, contra a guerra e que participaram livremente nos nossos debates (delegações de sete outros países viram-se impedidas de participar nas nossas discussões pela recusa do governo francês em conceder-lhes vistos de entrada)

2.    Reunimo-nos quando o povo palestiniano é esmagado sob um tapete de bombas em Gaza. A cada dia, contam- se por centenas as novas vítimas. O Estado de Israel, militar, política, económica e diplomaticamente apoiado pelo imperialismo americano e pelas outras potências capitalistas, não esconde o objectivo que pretende alcançar: organizar a segunda Nakba, isto é, além de continuar o massacre, expulsar os dois milhões e trezentos mil palestinianos da faixa de Gaza.

3.    O CORQI tomou posição a seguir ao 7 de Outubro: “É emocionadamente que os trabalhadores, os jovens e os povos do mundo choram os milhares de vítimas civis, em particular os jovens e crianças brutalmente arrancados à vida, em Israel e em Gaza. “É a guerra“, proclamou o primeiro-ministro israelita Netanyahu. Na realidade, há setenta e cinco anos que a guerra devasta a região, não começou a 7 de Outubro de 2023. Há setenta e cinco anos que o povo palestiniano é expulso da sua terra, escorraçado das suas aldeias, tem as suas casas destruídas. Há setenta e cinco anos que lhe é negado o direito de retorno e se confronta com uma colonização que devora cada vez mais terra palestiniana. Porém, apesar de submetido a um verdadeiro regime de apartheid, feito de discriminação, opressão e humilhação, ele nunca deixou de resistir e de lutar.”

4.    Depois de reivindicar “a guerra”, Netanyahu afirma o seu propósito de prolongar a guerra de 1947, anunciando que “isto é só o princípio”. É dever imperioso de todos os trabalhadores, de todos os jovens, de todos os militantes, de todos os defensores da liberdade e da democracia porem-se ao lado do povo palestiniano e lutar pelo fim imediato do massacre. A mobilização que se iniciou em todos os continentes e em todos os países deve prosseguir e ampliar-se, impondo o mais rapidamente possível o fim dos bombardeamentos israelitas e o levantamento do bloqueio, já responsáveis por quase 10.000 vítimas e que, pela privação de água, alimentos e medicamentos, se arriscam a provocar dezenas de milhar mais. Nada pode justificar transformar Gaza num “ossário a céu aberto”, para citar os termos do vice-presidente dos Médicos Sem Fronteiras. Fim dos bombardeamentos, fim da intervenção aérea e terrestre, levantamento do cerco, eis a causa comum de todos os que defendem a democracia e a humanidade.

5.    Mas não é tudo: todos os militantes, trabalhadores e jovens amantes da liberdade, da justiça e da democracia sentem a obrigação de apoiar o direito do povo palestiniano à autodeterminação e a regressar à sua terra, o direito à liberdade e o direito à vida. Nada pode justificar que um povo não tenha direito a viver. Os horrores produzidos pelo regime capitalista com as atrocidades cometidas contra os judeus pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial não podem justificar o horror perpetrado pelo Estado de Israel contra o povo palestiniano. Um genocídio não justifica outro genocídio; o extermínio do gueto de Varsóvia em condições atrozes não justifica hoje a liquidação do gueto de Gaza. A criança judia que levanta os braços ante os soldados nazis em Abril de 1943, nos últimos dias da heróica insurreição do gueto de Varsóvia, não serve de justificação para a criança palestiniana esmagada pelas bombas israelitas em 2023.

6.    Há 75 anos que a partição da Palestina imposta pela ONU, passando por cima do povo palestiniano, é fonte do sofrimento infligido ao povo palestiniano, condenado a uma errância eterna e a uma repressão sem limites. Sofrimento que acaba por se repercutir também na população judia, que paga pelas consequências da situação em que o projecto sionista a coloca. Combater a barbárie não equivale de maneira nenhuma a alimentar o anti- semitismo – que há que combater. É, bem pelo contrário, encontrar uma solução positiva para as componentes judaica e árabe que vivem na terra da Palestina. São cada vez mais numerosas – embora ainda minoritárias – as vozes que, tanto nas populações árabes palestinianas como nas populações judias que vivem nas fronteiras de 1947, se erguem em defesa de outra perspectiva: a de que judeus, árabes, cristãos, muçulmanos e ateus possam viver com igualdade de direitos e deveres num Estado assente nos princípios da democracia, numa Palestina laica, democrática e independente em todo o território histórico da Palestina. Seja por que caminho for, é a única solução para pôr fim de vez à situação gerada há 75 anos.

7.    Todos os governos das potências ocidentais, incluindo o governo americano, reivindicam a aplicação das resoluções da ONU. Será preciso lembrar que a dramática situação da Palestina é fruto da votação da resolução nº 181 da ONU, que determinou a partição, em 29 de Novembro de 1947? Será preciso lembrar que esta resolução instituiu um Estado judeu exclusivo e negou ao povo palestiniano o direito de ser componente do Estado na sua terra? Foi a ONU que, estribada num acordo entre as potências capitalistas e a União Soviética, então dirigida por Stalin, tornou possível a Nakba de 1948, a expulsão definitiva de 800 mil palestinianos das suas terras, dos seus campos, das suas habitações. Tudo o que se passou depois foi fruto dessa votação em 1947.

8.   A ONU é a partição da Palestina. A ONU não pode ser a solução. Se bem que todos dela se reclamem, Israel, os EUA, mas também todos os dirigentes dos partidos  de esquerda e várias organizações que dizem que são “amigas do povo palestiniano”, nós dizemos aos trabalhadores e aos jovens que “desconfiem de quem vos manda reivindicar as resoluções da ONU”. Das 81 resoluções adoptadas pela ONU sobre o Médio Oriente desde 1947, a única que teve aplicação foi a que permitiu aos sionistas constituir um Estado reservado exclusivamente aos judeus. Todas as outras resoluções, incluindo todas as que apelavam à restituição de territórios ocupados ou à moderação da colonização, nunca foram aplicadas. Citando a fórmula de Lenin, que ele usou a propósito da Sociedade das Nações, sua antepassada, a ONU mais não é do que uma “caverna de bandidos”, já que a sua função consiste em permitir que os “bandidos” capitalistas de toda a espécie (antes conluiados com os bandidos burocratas contra-revolucionários estalinistas, agora metamorfoseados em bandidos oligarcas do Kremlin) se entendam entre eles. A ONU não é uma organização internacional garante da paz, é uma organização internacional garante da liberdade dos Estados capitalistas para actuarem segundo os seus interesses.

9.    A solução positiva do drama que a Palestina vive na carne há três quartos de século só pode vir da aplicação da perspectiva formulada já em 1947 pela IVª Internacional e pela sua secção palestiniana: a Constituinte palestiniana, que reúna, em igualdade de direitos, as suas componentes judias e árabes em todo o território histórico da Palestina. Se quisermos ser fiéis à verdade, temos de notar que a perspectiva de uma Palestina laica e democrática – consignada na Carta Nacional Palestiniana de 1968 – esteve na origem de todas as componentes do movimento nacional palestiniano. Foi depois abandonada sob pressão do imperialismo e dos regimes reaccionários árabes. Exactamente como, a seguir ao desmoronamento da URSS, todas as direcções oficiais do movimento operário abandonaram – não só na prática, também em palavras – a perspectiva do socialismo e, portanto, da abolição do  regime de propriedade privada dos meios de produção. Para vencerem, os trabalhadores vão ter de (re)constituir partidos e uma Internacional que voltem a levantar plenamente, em palavras e actos, as posições que fundaram o movimento operário na origem: ruptura total com a burguesia, apropriação colectiva dos meios de produção. É esta a perspectiva que importa relevar nas lutas de classe – e a luta de classes está bem viva.

10. Se a barbárie desaba sobre o povo palestiniano  em Gaza e na Cisjordânia, é, também, porque, apesar das derrotas, apesar dos massacres, apesar dos reveses sofridos, nos últimos 75 anos, a revolução palestiniana nunca renunciou. Geração após geração, o povo palestiniano luta sem descanso pelos seus direitos, pelo direito ao retorno, pelo direito à reparação da terrível injustiça que lhe foi infligida com a partição e na primeira Nakba. A revolução palestiniana, a sua continuidade nos últimos 75 anos, é parte integrante dos processos revolucionários pelos quais, em todos os continentes, os povos, em particular os trabalhadores, se levantam pelas suas reivindicações. No período mais recente, disso deram conta os delegados à nossa conferência, assistimos a greves maciças no sector automóvel e do espectáculo nos Estados Unidos; a greves maciças nas empresas da China, apesar da proibição de organizações sindicais; a greves mais limitadas, mas tão significativas, dos trabalhadores na Rússia, em plena guerra e apesar dela; assistimos ao levantamento dos povos no Egipto e na Argélia; na África Ocidental, assistimos à mobilização popular contra a presença colonial francesa, exigindo o seu termo; assistimos à greve de dezenas de milhar de operários têxteis no Bangladeche. À barbárie capitalista contrapõe-se a mobilização legítima dos trabalhadores e dos povos pelos seus direitos. Esta arranca, por vezes, reivindicações. Também pode suceder as mobilizações operárias não serem coroadas de êxito. Ainda assim, todas estas lutas reflectem a realidade da luta de classes. Luta de classes esta, em cujo contexto os oprimidos e explorados reatam repetidamente o caminho da luta contra os exploradores e os seus governos.

11. O futuro da humanidade está nas mãos da classe operária. O imperialismo decomposto atenta contra os direitos democráticos, incluindo os direitos de manifestação e organização, em todo a parte. Em todo o lado, a roda da história está a andar para trás em matéria de direitos adquiridos pelas mulheres trabalhadoras e do direito à instrução da nova geração. Em toda a parte há ataques à independência adquirida pelos povos, assim como à igualdade formal conseguida pelos negros dos Estados Unidos. Chegou-se mesmo ao ponto de, nos últimos anos, as antigas potências coloniais e o imperialismo decretarem o bloqueio total, primeiro, do Mali, depois, do Níger. Lutando pelo seu direito de organização, pelas liberdades democráticas, pelo direito das mulheres trabalhadoras, pela soberania das nações, pela oposição aos recuos sociais, a classe operária, o movimento operário, aliado a todas as camadas oprimidas da sociedade, choca contra o regime capitalista, contra o sistema de propriedade privada dos meios de produção. Esta resistência operária opõe-se ao plano inclinado em que se movem as potências capitalistas, o plano da generalização da guerra, da marcha para a terceira guerra mundial, que só a ampliação da mobilização da classe operária internacional poderá impedir.

12. Pelo nono ano consecutivo, as despesas mundiais de armamento sofrem um aumento considerável: em 2023, gastaram-se com a guerra 2,5 biliões de dólares – 40% desse total só nos Estados Unidos! É uma cornucópia da abundância para os mercadores de canhões e para a indústria militar. Para os povos, as consequências são aterradoras, pois o armamento, produzido em constante progressão, tem de ser consumido, como todas as mercadorias em regime capitalista. Consequentemente, as guerras alastram. Do mesmo passo, os orçamentos dos Estados afastam cada vez mais verbas das necessidades do povo e dos serviços públicos para poder alimentar a guerra. É uma verdade particularmente certa no contexto da guerra provocada na Ucrânia. Esta guerra foi desencadeada, há cerca de dois anos, por Putin, representante dos oligarcas russos, esses multimilionários cujas fortunas se fizeram no saque da propriedade do Estado. Mas rapidamente ela mostrou ser o que realmente é: uma guerra, na realidade, entre o imperialismo americano e a Rússia, uma guerra em que a NATO serve de instrumento do imperialismo americano para determinar o roteiro por que se hão-de pautar todos os Estados capitalistas seus aliados. Os militantes que se batem pela reconstituição da IVª Internacional têm avançado, desde os primeiros dias da guerra, a palavra de ordem “Nem Putin, nem Biden”, “Tropas russas fora da Ucrânia, tropas da NATO fora da Europa”. Têm igualmente apelado à retirada de todas as tropas que mantêm a ordem neocolonial, nomeadamente as tropas francesas em África.

13. O imperialismo arrasta a humanidade para a barbárie. Aspectos significativos de barbárie chegaram já, com estas guerras que se generalizam. As ameaças contra a China, que os capitalistas americanos querem submeter completamente às suas necessidades, poderão acabar numa guerra que arraste a humanidade para uma conflagração que ameace a sua simples existência. Outro tanto gravíssimas são as ameaças que pesam sobre o ambiente, porquanto os capitalistas estão determinados a perseguir sem vergonha o lucro, sejam quais forem as consequências, potencialmente dramáticas para a humanidade. Do mesmo passo que as especulações financeiras permitem aos capitalistas acumularem lucros sem precedentes, a degradação da situação de milhares de milhões de seres humanos atinge proporções nunca vistas: a fome grassa, alastram epidemias, desenvolve-se a insegurança, Estados inteiros desfazem-se e desaparecem ou são entregues a bandos armados financiados pelas multinacionais que almejam as riquezas dos seus sub-solos. Dezenas de milhões de pessoas são atiradas para os caminhos do exílio, milhares delas neles perecem todos os anos. Num pólo, decomposição da sociedade; no outro, acumulação de riquezas imensas: eis a ilustração dramática do beco sem saída em que se encontra o sistema capitalista assente na propriedade privada dos meios de produção.

14. À marcha para a barbárie nós contrapomos a luta pelo socialismo, pelo controle da produção pelos próprios produtores, pondo, assim, a economia ao serviço das necessidades da humanidade, do seu desenvolvimento e da defesa do ambiente, em vez da busca do lucro por conta da minoria de exploradores – o que exige lutar para abrir caminho a governos da classe trabalhadora, governos de paz, não de guerra.

15. Nesta via, os trabalhadores deparam-se com a recusa dos dirigentes das organizações que se reclamam dos interesses operários e populares em romper com a ordem capitalista. É um facto que os dirigentes dos partidos comunistas e dos partidos socialistas que há décadas aderiram àquilo a que eles chamam a “economia de mercado” se recusam obstinadamente a enveredar pela ruptura com a ordem capitalista. Quando participam em governos, é para aplicar os planos capitalistas ditados pelo FMI, pela UE, pelo Banco Mundial em nome do pagamento da dívida ilegítima e dos respectivos juros. Não se pode deixar de observar que também as formações políticas que, nascidas mais recentemente, mostraram intenção de romper com os velhos partidos – o Syriza na Grécia, Podemos em Espanha, o Movimento 5 Estrelas em Itália, o Bloco de Esquerda em Portugal, La France Insoumise em França – , não têm hesitado em votar pela guerra e pelos orçamentos de guerra nos respectivos parlamentos ou no Parlamento Europeu. Quando participam em governos, aceitam, na prática, acompanhar as políticas ditadas pelos capitalistas, votando milhares de milhões de ajudas aos capitalistas, virando, assim, costas às aspirações de quem vive do seu trabalho e sofre a fome, as privações e a falta de serviços públicos.

16. É indispensável os trabalhadores agruparem-se no terreno de classe independente da classe capitalista e dos seus governos. Fazem-no, desenvolvendo a luta de classe pelas suas reivindicações. Fazem-no, intervindo em defesa dos direitos democráticos com os métodos da luta de classes. Mais se impõe, também, a necessidade de ajudar conscientemente à reconstituição do movimento operário com um novo eixo: o da independência, o da ruptura com a ordem capitalista. Sabemos – e aferimo-lo na nossa conferência – que grupos, partidos e organizações que provêm de outras tradições operárias diferentes da nossa e não se reivindicam da IVª Internacional tomaram caminhos que, mais tarde ou mais cedo, se cruzarão com o nosso. Talvez não na forma da IVª Internacional, mas na luta comum pela Internacional Operária, por partidos operários. Temos consciência de que esta recomposição do movimento operário será um caminho longo. Somos IVª Internacional, fiel ao seu programa, por considerarmos que ele responde às necessidades da luta de emancipação dos explorados. Não temos nenhuma intenção de a impor seja a quem for. Sustentamos – os nossos debates mostraram-no – que, desde que se respeite a democracia operária e a livre discussão entre correntes do movimento operário, os pontos de vista se podem aproximar, na discussão e na acção. O objectivo comum é a luta pela paz, pelo pão, pela liberdade, pelo socialismo. E, para isso, a luta por erguer o partido mundial da revolução socialista, erguer a Internacional Operária, herdeira da Iª Internacional de Marx e Engels e da Comuna de Paris, da IIª Internacional em cujo âmbito se construíram os maiores partidos operários de massas, da IIIª Internacional que seguiu a vitória da revolução russa dirigida por Lenin, e a IVª Internacional fundada por Leon Trotsky em luta contra a burocracia e a sua pretensa teoria do “socialismo num só país”.

Por esta via enveredámos. Convidamos os trabalhadores e jovens de todas as tendências a enveredar também por ela, a construirmos juntos a Internacional revolucionária de que os trabalhadores e os povos carecem para lutar e vencer, para pôr termo ao regime capitalista. Para que o socialismo vença a barbárie.

Aprovada por unanimidade menos duas abstenções.
5 de Novembro de 2023