A Crise Terminal do Governo Costa e a Posição da Classe Trabalhadora

1. Conhecem-se, neste ponto, os seguintes elementos:

– O ministério público anunciou suspeitar de crimes de corrupção, prevaricação e outros que implicam, no contexto das subvenções de milhões da chamada “transição verde” da União Europeia/PRR, por um lado, uma série de empresas privadas; e, por outro lado, membros dos mais altos níveis da administração do Estado, incluindo ministros. O próprio primeiro-ministro será objecto de inquérito.

– Em consequência, o primeiro-ministro demitiu-se. O presidente da República aceitou a demissão.

– Tendo em conta declarações anteriores de Marcelo, o cenário mais provável, apesar da maioria absoluta do PS na Assembleia da República, é o de convocação de eleições legislativas antecipadas.

2. No ponto de vista dos trabalhadores, são os seguintes os pontos que realmente interessam:

– Os inquéritos do ministério público, se o passado algo ensina, não chegarão a conclusões antes de anos. Quanto mais não seja por isso, eles não constituem matéria da “justiça independente”. São, claramente, parte do processo político. Independentemente da plausibilidade das suspeitas, a sua abertura no momento actual obedece a jogos e choques políticos nas cúpulas das instituições e da classe dominante, cujos pormenores são, naturalmente, desconhecidos do público em geral.

– O que é claro para cada vez maior número de trabalhadores é que o que é intrinsecamente corrupto é o processo de subordinação do país, do seu desenvolvimento e dos seus investimentos estratégicos à União Europeia, uma “união” que é, no fundo, um conjunto de tratados e instituições que exprimem e representam os interesses do capital financeiro e das bolsas internacionais, em particular os interesses da potência tutelar, os EUA, e que está fora do alcance e do controle dos povos dos países membros da mesma UE e de quaisquer instâncias democratica-mente eleitas por esses povos.

–  A ideologia “liberal” que preside a todas estas políticas e práticas e que consiste em pretender que a maneira de alcançar o “bem geral” da sociedade é cada um prosseguir o seu próprio interesse pessoal é um óbvio incentivo directo, para quem tem acesso a decisões sobre recursos, seja ele crente na dita ideologia liberal ou simplesmente oportunista, a tirar o máximo proveito próprio da posição que ocupe, política ou de qualquer natureza.

– Tal é o fio condutor do processo geral de saque da economia nacional sob a administração da União Europeia a que assistimos há décadas, enchendo os bolsos do capital financeiro nacional e internacional aos milhares de milhões de cada vez e empobrecendo constantemente os trabalhadores. Dos submarinos às dezenas de milhar de milhões entregues aos grandes accionistas da banca falida e à entrega do BES ao fundo abutre texano para pilhar o orçamento do Estado anos a fio. Da primeira privatização da TAP à sua renacionalização e agora à sua segunda privatização ao desbarato. Da entrega da Groundforce a um abutre local, que a sugou até à falência, até à sua entrega gratuita, agora, a abutres do Kuwait. Da entrega da Efacec a um fundo abutre alemão por uma ninharia. O processo geral de pilhagem e corrupção ocorre sem cessar, por vias legais e ilegais. Todos os trabalhadores o sabem.

3. Aos trabalhadores e a quem defende os interesses dos trabalhadores não interessa especialmente a distinção entre os “criminosos” que enchem os bolsos na pilhagem do país e os “honestos” que se limitam a administrar a pilhagem do país por convicção ideológica e, agora, pagam algum preço (geralmente pequeno) pelos que, sob a sua tutela, pilham avidamente. Uns e outros são os agentes da destruição do país e da vida do povo trabalhador. 

E a distinção entre uns e outros só se saberá, se se souber, dentro de anos. 

4. Em contrapartida, está mais do que dada a prova de que não há qualquer saída democrática no contexto da subordinação ao regime corrupto e anti-popular do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, de subordinação ao regime do capital financeiro mundial, o regime de guerra e destruição que agora pratica o genocídio do povo palestiniano e a destruição de países inteiros no Leste da Europa.

5. É tempo de todos aqueles e de todos os partidos que reivindicam defender os interesses do povo trabalhador declararem que estão dispostos a romper com a ditadura da dívida, dos tratados, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia e prontos para formarem um governo que com eles rompa, que exproprie o grande capital financeiro e a banca privada, organize um orçamento consagrado à recuperação do serviço nacional de saúde e do ensino público, aumente de imediato os salários de modo a restaurar o poder de compra de todos, exproprie os fundos imobiliários especuladores e organize a imediata atribuição de condições de habitação dignas a todos os trabalhadores, e ponha em marcha um plano de investimento público que responda às necessidades dos trabalhadores e do país.

Se o declararem e fizerem, terão o apoio da esmagadora maioria da classe trabalhadora, daquela mesma que, há cinquenta anos, varreu a ditadura e proclamou Abril.

Lisboa, 7 de Novembro de 2023