“Cúpula de Ferro” intercepta rockets sobre Ashkelon, 7 de Outubro de 2023
Texto do jornalista israelita Gideon Levy, no jornal de grande circulação Haaret (9 de Outubro de 2023):
O que está por trás de tudo isto é a arrogância israelita: acharmos que podemos fazer o que muito bem entendermos, sem nunca pagarmos nem seremos punidos por isso (…). Que vamos disparar sobre inocentes, arrancar-lhes os olhos e partir-lhes a cara, expulsá-los, expropriá-los, roubá-los, raptá-los da cama, fazer limpeza étnica e, claro, continuar o inacreditável cerco de Gaza – e tudo há-de acabar em bem (…).
Acontece que, quando a motivação é grande, até o obstáculo mais sofisticado e caro do mundo pode ser franqueado com a ajuda de um velho bulldozer fumarento. Acontece que, de bicicleta e motoreta, se consegue atravessar aquele muro sobranceiro, apesar dos milhares de milhões lá enfiados, apesar dos especialistas de nomeada e dos grossos patos-bravos.
Pensámos que podíamos continuar a ir a Gaza, distribuir por lá umas migalhas na forma de umas dezenas de milhar de licenças de trabalho em Israel – sempre dependentes do bom comportamento – e continuar a mantê-los todos presos. Que fazíamos a paz com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, e os Palestinianos cairiam no esquecimento até serem riscados do mapa, como não poucos israelitas gostariam que acontecesse. (…)
Mais uma vez ficou provado que não é assim. Umas centenas de militantes palestinianos galgaram a barreira e invadiram Israel, de uma maneira que nenhum israelita imaginava fosse possível. Umas centenas demonstraram que é impossível aprisionar para sempre dois milhões de pessoas sem pagar um pesado tributo (…).
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu carrega enorme responsabilidade pelo que aconteceu e tem de pagar por isso, mas não foi ele que começou isto, nem isto acaba quando ele se for embora. Cumpre-nos agora chorar amargamente as vítimas israelitas; mas temos que chorar também por Gaza.
Gaza, cujos habitantes são, na sua maioria, refugiados criados por Israel. Gaza, que jamais conheceu um dia de liberdade.
