A guerra da NATO contra a Rússia numa encruzilhada

As forças ucranianas não conseguiram furar as linhas russas
e são obrigadas a recuar com pesadas baixas

O Ministério da Defesa da Rússia anunciou, a 17 de Fevereiro, que as suas tropas ocuparam Avdiivka após intenso bombardeamento, deixando a cidade reduzida a um monte de escombros e praticamente despovoada.

As forças russas consolidaram o seu avanço, assumindo o controlo de diversas localidades em torno de Avdiivka. Tentam agora capturar Tonenke, Orlivka, Semenivka, Berdychi and Krasnohorivka na parte ocidental da região de Donetsk.

Esta situação é a continuação dos acontecimentos que se seguiram ao fracasso da contra-ofensiva da Ucrânia no verão passado. As forças ucranianas não conseguiram furar as linhas russas e foram obrigadas a recuar, com pesadas baixas.

A tomada de Avdiivka representa um golpe muito duro para a Ucrânia. Pode ser um ponto de viragem decisivo na guerra.

A retirada não foi planeada e ordenada, como a retirada ucraniana de Bakhmut em Maio de 2023 ou a russa de Kherson em Novembro de 2022. As forças ucranianas tiveram de deixar para trás os feridos graves e grande parte do armamento pesado. Os russos fizeram centenas de prisioneiros.

E as tropas ucranianas continuam a ter de recuar em vários pontos da linha da frente, com pesadas perdas, enquanto as tropas de Moscovo apostam tudo em romper as linhas de defesa da Ucrânia, ganhando terreno no Donbass, do mesmo passo que anunciam ter neutralizado o desembarque de forças especiais ucranianas em Kherson.

Os desastres na frente e o crescente cansaço da guerra, tanto das tropas como dos civis, produziram tensões que conduziram a uma crise política nos últimos meses. Esta manifestou-se no confronto aberto entre o Presidente Volodymir Zelensky e o seu comandante-chefe, Valery Zalujny.

Em pleno conflito no terreno, o presidente teve de nomear um novo comandante para dirigir a guerra.

Começa a ganhar terreno em Washington e Londresa a ideia
de serem cada vez mais remotas as hipóteses de a Ucrânia derrotar a Rússia

Por outro lado, em particular nos EUA, que despejaram milhares de milhões de dólares e grandes quantidades de armas no poço sem fundo da guerra da Ucrânia, alguns sectores impacientam-se com a incompetência ao mais alto nível do comando militar ucraniano (associada à inépcia dos seus serviços de informação), que insiste obstinadamente na política de ofensivas para reconquistar território perdido e se recusa a contemplar qualquer ideia de recuo ou de retirada para estabelecer uma linha de defesa mais sólida.

Começa a ganhar terreno em Washington e Londres a ideia de que a Ucrânia derrotar a Rússia é uma hipótese cada vez mais remota. Embora a maioria dos políticos não o digam em público, em privado a questão é abertamente colocada. E, consigo, arrasta outra: até quando a situação actual se pode manter?

Um artigo do New York Times sobre a Conferência de Segurança de Munique de 2024 (MSC), que decorreu de 16 a 18 de Fevereiro, no auge da batalha de Avdiivka, fazia notar: “A melancolia do ambiente contrastava fortemente com o de há apenas um ano, quando muitos dos mesmos participantes — chefes dos serviços secretos e diplomatas, oligarcas e analistas — pensavam que a Rússia podia estar à beira de uma derrota estratégica na Ucrânia. Falava-se de quantos meses seriam necessários para reconduzir os russos às fronteiras de antes da invasão de 24 de Fevereiro de 2022. Agora, tal optimismo parece prematuro, na melhor das hipóteses, e ligeiramente delirante, na pior.

Entretanto, o governo de Kiev justifica a derrota com a falta de sistemas de defesa aérea modernos e de projécteis de artilharia, e Biden aponta um dedo acusador aos republicanos no Congresso por, alegadamente, terem sabotado a entrega de dinheiro e armas a Kiev, “traindo assim o heróico povo da Ucrânia”.

Em ambos os lados da frente: o triunfo do militarismo

Em 16 de Fevereiro, Macron assinou um cheque de mais 3 mil milhões de euros de “ajuda militar” à Ucrânia, para além dos 3.800 milhões pagos em 2022 e 2023. Trata-se de montantes consideráveis, não orçamentados na lei de programação militar francesa de 413 mil milhões de euros (um aumento de 40%). Em 26 de Fevereiro, Macron convocou uma reunião de chefes de Estado europeus, em Paris, para “reforçar a cooperação entre os parceiros no apoio à Ucrânia”, apelando a um “salto colectivo”.

A guerra conduzida pela NATO contra a Rússia através dos soldados ucranianos é, com efeito, cada vez menos financiada por Washington. O Instituto da Economia Mundial de Kiel averiguou que a ajuda militar europeia (85 mil milhões de euros) já ultrapassou a dos Estados Unidos (67.700 milhões). A crise política nos Estados Unidos está a bloquear a ajuda adicional de 61 mil milhões de dólares pedida por Biden, e Trump ameaça retirar a ajuda se for eleito. Por isso, “chegou o momento de reavivar a ideia de uma defesa europeia” (The Guardian). Uma defesa “europeia” para combater uma guerra “americana”.

Para o justificar, multiplicam-se as declarações inflamadas. O secretário-geral da NATO declarou que “a Ucrânia tem o direito de se defender, o que inclui atacar alvos militares” na Rússia (Radio Free Europe, 20 de Fevereiro).

Com a multiplicação dos conflitos, os grupos de defesa americanos
têm as carteiras de encomendas a abarrotar,
e a capacidade de produção de armas e munições do Ocidente tornou-se insuficiente para abastecer o ritmo de “consumo” dos ucranianos

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Macron declarou que “apoiar a Ucrânia, custe o que custar (…), é a única maneira de evitar a guerra na Europa” (Le Monde, 17 de fevereiro). Resultado: “Da Estónia à Alemanha (…), o continente mobiliza-se e rearma-se em todas as direcções”, verifica o Courrier international (21 de Fevereiro).

Com a multiplicação dos conflitos e o poder financeiro e diplomático de Washington para convencer os seus aliados a comprarem produtos americanos (…), os grupos de defesa americanos têm as carteiras de encomendas a abarrotar” (Les Echos, 23 de Janeiro). A capacidade de produção de armas e munições do Ocidente tornou-se insuficiente para abastecer o ritmo de “consumo” dos ucranianos, que têm estado a disparar munições e mísseis como se não houvesse amanhã. Só que amanhã chegou abruptamente.

Já a Rússia adopta a direcção que tomam os países da Europa, membros da NATO e da União Europeia. O regime de Putin declarou uma “economia de guerra”. O orçamento militar, que aumentou 70%, ultrapassa o orçamento das despesas sociais.

Uma parte da mão de obra industrial foi afectada à indústria de armamento, provocando o colapso de outros ramos de produção.

Na hora das decisões:
a guerra da retórica e a ameaça da escalada roçam a loucura

A derrota ucraniana em Avdiivka é uma indicação de como o equilíbrio de forças basculou para o lado da Rússia. O colapso de um exército ucraniano menos numeroso, exausto e com menos armas é agora uma possibilidade real.

A possibilidade de continuação da guerra conduzida pela NATO contra a Rússia através dos soldados ucranianos esvai-se como areia numa ampulheta.

Com o pacote de ajuda dos EUA ainda retido no Congresso e os funcionários europeus a admitirem que a UE só pode cumprir metade do seu objectivo de enviar um milhão de cartuchos de artilharia para a Ucrânia até esta primavera, o colapso do exército ucraniano, mais do que uma possibilidade, será uma certeza, admitiu a administração Biden.

Em resposta a esta ameaça iminente, alguns governos da NATO falam agora da possibilidade de enviarem as suas próprias tropas para a Ucrânia — algo que todos eles tinham anteriormente excluído. Na segunda-feira (25 de Fevereiro), após uma conferência de dirigentes europeus em Paris, o Presidente francês Emmanuel Macron afirmou que a intervenção terrestre era “uma das opções” que se tinham discutido.

O Kremlin respondeu que isso significaria “inevitavelmente” uma guerra entre a NATO e a Rússia — como, de facto, aconteceria se as forças ocidentais entrassem em acção contra as tropas russas. Voltou ainda a aludir à possibilidade de recurso a armas nucleares.

Outra opção seria convencer o governo alemão a desistir da sua oposição ao envio de mísseis de cruzeiro alemães de longo alcance Taurus para a Ucrânia. Os ucranianos poderiam utilizar tais mísseis (juntamente com os aviões de guerra F-16 fornecidos pela NATO) para atacar território russo em profundidade, chegando provavelmente à própria Moscovo. O problema: o resultado seria o mesmo — um ataque que causasse danos significativos levaria imediatamente a uma reacção russa e ao confronto directo com a NATO.

Assim, parece claro que uma “vitória completa” da Ucrânia se tornou uma impossibilidade.

Para eliminar o risco de a NATO ser arrastada para uma guerra com a Rússia, com consequências imprevisíveis — possivelmente, a nível global — , os governos ocidentais teriam de obrigar a Ucrânia a aceitar alguma forma de compromisso.

E o tempo parece jogar a favor de Putin: quanto mais tarde, piores serão os termos do compromisso para a Ucrânia.

Para que serviu tudo isto?

Para que serviu tudo isto? Esta é a pergunta de cada vez mais ucranianos, as principais vítimas deste crime monstruoso.

A resposta é simples. Serviu os interesses daqueles que, através de maquinações longamente planeadas e implementadas, empurraram a Ucrânia para travar uma guerra por conta deles, uma guerra que nunca foi sua nem poderia ganhar. E que agora, num acto de inclassificável sadismo, procuram formas de a prolongar, prolongando assim o sofrimento do povo ucraniano (principal vítima desta guerra) e, se necessário, envolvendo outros povos europeus, mesmo que correndo o risco de desencadear uma situação apocalíptica.

Tudo isto ao som do chavão hipócrita de sempre: “defesa da liberdade e da democracia”.