União Europeia: o abraço do urso

Nas eleições legislativas de Outubro de 2015, as massas trabalhadoras portuguesas correram com o governo de direita. Marcaram a sua vontade de pôr termo às políticas de destruição das conquistas da revolução portuguesa, ditadas pelas instituições europeias e aplicadas, com o servilismo bruto e obtuso do capataz, pelo governo PSD/CDS de Passos Coelho, reduzindo a imensa maioria da população à quase miséria.

Embora denunciando a austeridade, o Partido Socialista prometia acatar o quadro dos compromissos “europeus” de Portugal. E o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda, embora denunciassem a austeridade e a sua inspiração “europeia”, mantinham-se numa linha de “democratização” da União Europeia(1).

Não foi, pois, com excessivo entusiasmo que os trabalhadores foram às urnas. O resultado eleitoral dos partidos que se reclamam do movimento operário, mormente o resultado do PS, ficaram bem aquém das expectativas — nomeadamente das próprias. A abstenção bateu um novo recorde (44%).

Mesmo assim, houve toque a rebate. Num quadro de crise em generalização a toda a Europa, os partidos burgueses e o Presidente da República desataram em porfiada resistência à indigitação de António Costa como primeiro-ministro de um governo PS. O PS prometera, com efeito, “reverter” certas medidas de austeridade, aliás inconstitucionais, mas essenciais para garantir a primazia do pagamento da dívida do país aos credores externos, designadamente o FMI, o Banco Central Europeu (BCE) e o “Mecanismo de Estabilidade Europeu”.

O PS disse-se pronto a formar um governo apoiado por uma coligação parlamentar de esquerda com o PCP e o Bloco.

A continuação de um governo de direita mostrou-se impossível. O governo PS acabou por se constituir. Governo com uma ideia na sua base: a ideia, avalizada pelo preito de vassalagem feito aos “compromissos internacionais do país e aos tratados europeus”, de que, negociando com habilidade, é possível, no âmbito das instituições e tratados europeus, fazer uma política “não austeritária”, interrompendo a pilhagem das massas e da nação portuguesa. O PS, claro — mas também o PC e o Bloco de Esquerda, que, votando a favor do novo orçamento, vieram a tornar viável um governo baseado nesta ideia(2).

Quase seis meses mais tarde, o país continua a viver um momento de relativa suspensão política e social. Após anos de cortes e miséria, os salários e horários dos funcionários públicos estão sendo parcial e gradualmente restabelecidos ao nível de 2009, à razão de um quarto da perda de salário por trimestre. Repuseram-se dias feriados. Se bem que os trabalhadores tivessem iniciado diversas mobilizações logo que se notaram hesitações quanto à data ou maneira das prometidas reversões, essas mobilizações foram em geral adiadas em virtude de promessas feitas.

Contudo, a suspensão é de curta duração. A ideia de base deste governo foi notoriamente desqualificada pelos recentes acontecimentos na Grécia. Poderá Portugal ser diferente?

Após o naufrágio da economia portuguesa, anuncia-se um salvamento

Infelizmente, é o ‘salvamento’ de um banco. Mal se constituíra, o novo governo PS defrontava-se inopinadamente com a sua primeira prova, em plena preparação do novo orçamento. Rebenta-lhe nas mãos a falência do banco privado Banif. O governo anterior, que tinha aplicado com notável zelo os mandamentos da troika, e o Banco de Portugal tinham, com efeito, ‘negociado’ com a Comissão Europeia, mas sem conclusão, soluções para pôr o contribuinte português a pagar a falência do Banif, cuidadosamente ocultada.

Enquanto se formava o novo governo de “esquerda”, manobras de toda a espécie, nomeadamente notícias colocadas na imprensa, reduzem a zero o valor bolsista do banco, tornando o seu desaparecimento inevitável. Correios electrónicos recentemente vindos a lume mostram como o governo Costa é obrigado a vender os activos a um grande banco espanhol (um banco específico, o Santander, não um qualquer). Funcionários intermédios da Comissão esclarecem o ministro das finanças português sobre a impossibilidade de outra solução. Gostaria o novo governo PS, acabado de eleger, com acordos acabados de fechar com o Partido Comunista e com o Bloco de Esquerda, de outra solução? De uma espécie de semi-nacionalização por via da absorção do Banif pela Caixa Geral de Depósitos, único banco restante nas mãos do Estado? Pois não dá; a Comissão varre-a de um gesto, à lapa do atraso do plano de recapitalização / reestruturação da própria CGD imposto pela Comissão, que não “autorizaria” aquela a comprar outros bancos(3).

Diga-se de passagem que isto, em nome da concorrência livre e não falseada, ou seja, de se impedir que bancos portugueses moribundos fizessem concorrência desleal não se sabe bem a quem.

Um membro do gabinete da comissária da concorrência elucida que “é legalmente difícil da nossa parte escrever mais, dado que, em última instância, cabe às autoridades portuguesas (BdP) seleccionar a melhor oferta.” Terá isso impedido um certo director-geral adjunto da concorrência da Comissão de escrever que “a proposta do [banco] Santander parece financeiramente mais atractiva”? Ora essa! O cinismo imperial da Comissão e seus acólitos mostra-se à luz do dia: vocês fazem o que a gente vos manda, mesmo se a ‘lei’ nem nos dá o direito de vo-lo mandar; vocês obedecem — e assumem a responsabilidade.

A resolução do banco, carregando ao orçamento nacional 2.250 milhões de euros, significa a certeza de que Portugal continuará debaixo do “procedimento de défice excessivo”, apesar dos anúncios de saída da austeridade. As agências de notação baixam a notação da dívida portuguesa.

O episódio suscita naturalmente a indignação, algo branda no caso dos dirigentes do PS, mais viva no dos do PC e do Bloco de Esquerda. Não era, porém, senão o primeiro acto de uma comédia anunciada. Enquanto votavam contra a ‘resolução’ do Banif, o PCP e o Bloco de Esquerda sabiam que outros votariam a favor: a direita, que, por acaso, acabava de jurar oposição sem trégua a qualquer medida do novo governo “ilegítimo” da esquerda, votava ao lado do PS. Pouco depois, PCP e Bloco de Esquerda avalizavam o novo orçamento. Todos em sentido às ordens da Comissão Europeia.

Segunda prova: o novo orçamento para 2016. Não austeritário? E, se não, assim continuará?

Bruxelas devolve o projecto de orçamento do novo governo com mais de 1.000 milhões de “poupanças” adicionais. O PS aceita. O PCP aceita. O Bloco aceita.

No mais, o governo compromete-se com a Comissão a preparar um “plano B” caso a execução orçamental comece a derrapar. Orçamento “não austeritário” com acompanhamento de plano B de austeridade?

Segue-se um interlúdio cómico. O PS proclama que não existe plano B e que ele, consequentemente, não inclui medida de emergência concreta alguma, pois só seriam necessárias novas medidas se as circunstâncias viessem a exigi-lo. Desdenhosos, um funcionário da Comissão e o comissário Moscovici indicam que não é “se”, é “quando”. A imprensa do país desata numa paródia de debate à volta de “se”, “quando”, boas traduções e planos secretos. Toda a gente sabe o que quer dizer “medidas adicionais”.

Na reunião do “eurogrupo” dos ministros das finanças de 11 de Fevereiro, à vista dos movimentos negativos dos mercados no que diz respeito à dívida portuguesa, o ministro das finanças alemão, Schäuble, declara amistosamente que “Portugal tem interesse em tomar muita boa nota deles e em não continuar a preocupar os mercados, alimentando a suspeita de estar a querer fazer marcha-atrás”, acrescentando que “isso seria muito perigoso para Portugal”. O newswire alemão da Dowjones faz-se eco do dizer de Schäuble de que “na reunião do eurogrupo, o ministro das finanças português seria “fortemente encorajado” a não se afastar do bem sucedido caminho antes traçado, avisando Schäuble: “Vê-se como os mercados já estão a ficar nervosos” (http://www.finanzen.net/nachricht/aktien/UPDATE-Schaeuble-Portugal-gut-beraten-nicht-weiter-Maerkte-zu-beunruhigen-4732044).

No início de Abril, o FMI publica o seu sóbrio “relatório de acompanhamento”. Ele reza, designadamente: “A Comissão Europeia, ao aceitar o projecto de orçamento revisto, apesar de o ajustamento implícito montar a apenas 0,2% do PIB (se o objectivo for atingido), concordou com as autoridades [portuguesas, NdR] que se prepararia e executaria, quando necessário, um conjunto de medidas adicionais. (…) São necessárias reformas da despesa para refrear as pressões oriundas dos salários e pensões do sector público. (…) As autoridades deverão preparar um conjunto específico de medidas de urgência, a activar se houver indicações de não se conseguir alcançar o objectivo de 2,2% para o défice orçamental. Isto passaria pela reversão ou anulação de certas medidas do orçamento de 2016. Do lado da despesa, propostas atinentes à reversão integral, este ano, dos cortes salariais dos funcionários públicos deverão ser reconsideradas numa escala de tempo mais alargada.” (IMF Staff Report, 15 mars 2016, http://www.imf.org/external/pubs/ft/scr/2016/cr1697.pdf)

Estará a reversão das medidas de austeridade destinada a ser revertida?

Aperta-se o garrote

O novo Presidente da República, homem de direita eleito com a complacência do PS, tem o gesto sem precedentes de convidar o governador do BCE, Mario Draghi, para a primeira reunião do novo Conselho de Estado, no início de Abril. Não bastara a tentativa do Presidente anterior de impedir a constituição de um governo de esquerda; não bastara a eleição de um Presidente de direita “amigo”; não bastaram as ameaças, correcções e reafectações da Comissão; não bastara o encontrão do FMI: ainda era preciso alinhar um Draghi. Visita de cortesia? Longe disso. Que tinha o sr. Draghi a dizer? Apenas instruções precisas aos altos dignitários presentes, incluindo o primeiro-ministro, o ministro das finanças e o governador do Banco de Portugal — tratados como vassalos locais: os títulos da imprensa eram “Draghi veio a Lisboa elogiar Governo anterior” (Público de 8 de Abril), continuando este jornal: “[Draghi] recomendou que Portugal não recue nas reformas realizadas, antes as aprofunde, e defendeu que se deve evitar a todo o custo o incumprimento das regras orçamentais europeias”. Não dando ponto sem nó, Draghi também “elogiou” o novo governo — com notável refinamento jesuítico: “congratulamo-nos com o facto de a Comissão Europeia considerar que o projeto de plano orçamental para 2016 não revelava incumprimento particularmente grave das disposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Acolhemos igualmente com agrado o compromisso das autoridades portuguesas em preparar medidas adicionais, destinadas a ser implementadas quando necessário para assegurar a conformidade.

Quando.

Tudo parece, pois, indicar que o quadro estabelecido da União Europeia, seus tratados, instituições e memorandos, mas também uma específica barragem de avisos apregoados alto e bom som por todos os poderosos — ribombando, sobretudo, de desprezo pela mínima ilusão de soberania do país — tornam impossível ao novo governo fazer uma política independente, “não austeritária”, caso ele insista em agarrar-se aos “compromissos internacionais de Portugal”.

Um dispositivo sem falha

Suponha-se, contudo, que, entusiasmados, os dirigentes do PCP e do Bloco, de quem afinal depende a sobrevivência do governo no parlamento, mantêm a oposição a qualquer continuação de políticas antioperárias. Suponha-se que rejeitam medidas que tresandem demasiado a austeridade. Não serão essas medidas, nesse caso, aprovadas pelos votos do PS e da direita, enquanto a “esquerda da esquerda” vira a cara de nojo? Voltando tudo seguidamente à boa normalidade de um governo apoiado pela esquerda? O acima mencionado caso Banif parece bem demonstrar tal dispositivo, de modo assaz estrondoso.

Para não deixar nada ao acaso, suponha-se, até, que os próprios dirigentes socialistas se deixam entusiasmar, mesmo que só um poucochinho, pelos interesses das massas, vítimas de tanta pilhagem. Que acontecerá? Schäuble, é garantido, franzirá o sobrolho. Os mercados passarão decerto de nervosos a nervosíssimos. Terão os nossos bons ministros outra saída que não seja ajoelhar aos pés dos poderes de Franqueforte e Bruxelas “para evitar a ruína iminente do país”?

Deixemo-nos de conjecturas. Uma coisa não é conjectura: é que, logo que haja “indicações” de que o objectivo orçamental não será alcançado, se executará um plano de reversão das medidas “revertidas” pelo governo de esquerda. “Um” plano? Não, “o” plano. Não é uma hipótese. Um plano de, ao que parece, pelo menos 700 milhões de euros de “poupanças adicionais”, a apresentar a Bruxelas à data dos “planos de estabilidade”: fim de Abril de 2016.

O conteúdo, ainda “desconhecido”: a reversão das reversões.

Também há uma espada de Dâmocles

Imagine-se que, apesar de tudo isto, se fazem orelhas moucas aos avisos dos quadros médios da Comissão e do FMI. Que até as espessas palavras de um Schäuble se perdem no nevoeiro da tradução e a “deselegância” de um Draghi (para citar o dirigente do Bloco de Esquerda membro do Conselho de Estado) são ignoradas por ministros socialistas indignados por se tratar assim uma velha e orgulhosa nação.

Ou imagine-se que os ministros socialistas resolvem armar-se em espertos e fazer em Lisboa o contrário do que juram a Bruxelas.

Resta um ligeiro problema. Segundo as regras do BCE, este não pode adquirir obrigações que recebam de todas as agências de notação autorizadas a nota de “especulativas” (“lixo”). Ora, actualmente, só resta uma agência autorizada que não classifique as obrigações portuguesas como “lixo”. Sem soberania monetária, o país ficaria financeiramente estrangulado nas poucas semanas que se seguissem a uma reunião de rotina de peritos de uma agência de notação canadiana.

A dura realidade já a regressar a passo de corrida?

No dia 7 de Abril, os jornais anunciavam que os reitores das universidades públicas do país foram acordados em sobressalto pelos seus contabilistas. Prevendo o orçamento aprovado pelo parlamento para 2016 verbas idênticas às do ano anterior (ano, no mais, de austeridade pungente), o orçamento que lhes estava disponibilizado apresentava afinal um corte de 7%. Centenas de postos de trabalho directamente ameaçados. O governo nada diz. Que se passa? Já o plano B a cair? Dois dias depois, o ministério das finanças anula a cativação. Primeiras escaramuças?

Porquê?

Com tudo isto, é legítimo perguntar: porquê um dispositivo tão apertado? Porque não deixar a mínima margem a que se espraie um nada de reformismo, a que as massas respirem um instante? Pois bem, todos os grandes dirigentes o têm dito. Ao ponto a que se chegou, o mesmo é dizer, ao ponto a que nos trouxe o capitalismo mundial em apodrecimento, não há margem, não há alternativa. Os Schäubles, Merkels, Hollandes e outros autores dаs diversas variantes da palavra “alternativlos” (sem alternativa, em alemão) sempre têm razão. Têm razão porque a obtêm com o abraço amigo em que, depois de Tsipras, fecham António Costa.

Não há, com efeito, alternativa senão acatar os ditames deles…

… a não ser romper com eles. Certo sendo, como mostra o exemplo português, e antes dele o da Grécia, que qualquer alternativa, o mais pequeno passo a favor dos trabalhadores, só vem a ser possível sob algumas condições:

É preciso impô-lo contra a vontade da Comissão, do FMI e do BCE;

É, ainda, preciso romper com o euro, para evitar a morte do país por estrangulamento em resultado directo dos constrangimentos dos tratados e do “nervosismo dos mercados”;

É, também, preciso romper com a União Europeia, pois ter-se-á violado tantos tratados, directivas e regulamentos feitos para garantir que a única política possível é a da pilhagem da classe operária, que o país se terá auto-excluído da férrea armadura deste dispositivo ditatorial e antidemocrático;

É, igualmente, preciso que tome o controlo do sistema monetário e financeiro e dos grandes meios de produção um governo que se apoie nos trabalhadores, para evitar que a economia seja paralisada;

É, por fim, preciso procurar a aliança no combate com os trabalhadores e os povos das outras nações da Europa, de dentro ou de fora da União Europeia, que arrostam exactamente com os mesmos constrangimentos e o mesmo espartilho, e têm exactamente os mesmos interesses que os trabalhadores e o povo português.

Os termos desta alternativa não são estes porque o digam os revolucionários. São estes porque o dizem também, sem a menor ambiguidade, os dirigentes do capitalismo mundial, da UE e dos Estados Unidos e das Comissões, FMIs e BCEs deles.

Realistas são, assim, não os que procuram o compromisso e a ‘via do meio’ com os que dizem — e provam — que não há via do meio nem compromisso possível. Realistas são os que dizem que a um exército em movimento implacável, que varre à sua frente os minguados peticionários que agitam bandeiras às cores, só pode opor-se a união do único outro exército do mundo, o exército do grande número: o do proletariado europeu e internacional debaixo da sua bandeira vermelha, a única que eles temem como a peste.

Tornar-se-ão os dirigentes do PS realistas? É realista propalar que é preciso, e se pode, “democratizar” a União Europeia? Embora os dirigentes do PCP e do Bloco de Esquerda pareçam querer avalizá-lo, não é realista.

AZ

Notas

(1) Assim, a plataforma do PCP para as eleições europeias de 2014 propunha duplicar o orçamento comunitário e variadas reformas das várias instituições da UE. Recentemente, o seu secretário-geral tem declarado que o país deve “estudar” e “preparar-se para” uma saída da zona euro e da União Económica e Monetária. Uma resolução da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda de 26 de Julho de 2015 pronunciava-se por um referendo sobre o tratado orçamental e o início de um processo de reestruturação da dívida pública; indicava que este mandato poderia “resultar num rompimento com a União Monetária”.

(2) O caso não é, note-se, de vassalagem meramente formal, sem correspondência na realidade. O chefe de missão do FMI para Portugal, Lall, declara, em entrevista ao IMF Survey Magazine em 1 de Abril, o seu acordo explícito com o orçamento aprovado pelo PS, pelo PCP e pelo Bloco: “No que diz respeito à política fiscal de curto prazo, concordamos com a direcção do orçamento para 2016. Ele visa prolongar a consolidação fiscal, que é essencial, tendo em conta o elevado nível da dívida publica.” (http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2016/car040116a.htm)

(3)  Veja-se nomeadamente o “Público” de 7 avril de 2016 “Os mails da Comissão que forçaram o fim do Banif e a venda ao Santander” e igualmente “BCE exigiu venda do Banif “por todos os meios disponíveis”.

E o POUS?

Que faz pelo seu lado o POUS, secção portuguesa do centro saído do “IXº congresso” ilegítimo da IVª Internacional?

Rompendo com toda a sua tradição, o POUS decidira, para as legislativas de 2015, participar na plataforma eleitoral “Livre”, um agrupamento pequeno-burguês pró-UE que se dissociara do Bloco de Esquerda.

Relativamente ao orçamento do governo PS, corrigido pela Comissão Europeia e apoiado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, o POUS escreve num comunicado que o orçamento:

“é a expressão de uma maioria de esquerda “de mãos atadas” em relação ao indispensável investimento no aparelho produtivo e nos serviços públicos.
A mobilização unida dos trabalhadores com os seus sindicatos é o elemento determinante para “desatar” esse nó. Não para regressar a divisão entre os partidos que têm o mandato para defender os interesses dos trabalhadores e acabar com a austeridade, mas sim para reforçar a sua união com o conjunto do povo que os elegeu. E assim impedir que a Direita volte ao poder.”é a expressão de uma maioria de esquerda “de mãos atadas” em relação ao indispensável investimento no aparelho produtivo e nos serviços públicos.
A mobilização unida dos trabalhadores com os seus sindicatos é o elemento determinante para “desatar” esse nó. Não para regressar a divisão entre os partidos que têm o mandato para defender os interesses dos trabalhadores e acabar com a austeridade, mas sim para reforçar a sua união com o conjunto do povo que os elegeu. E assim impedir que a Direita volte ao poder.”

Ou seja, o POUS critica o orçamento porque ele atará as mãos aos dirigentes dos partidos de esquerda no que diz respeito aos investimentos necessários. E fixa à mobilização dos trabalhadores o objectivo de assegurar a unidade entre as direcções do PS, do PCP e do Bloco de Esquerda e destas com o “conjunto do povo”, a fim de desatar o nó que lhes ata as mãos. Parece que isso impediria a Direita de voltar ao poder.

Devem os trabalhadores, entretanto, meter ao bolso as suas próprias reivindicações? Devem abster-se de pedir a anulação de todas as medidas que têm vindo a degradar o Código do Trabalho se os dirigentes dos partidos no poder indicarem que a “situação económica” não o permite? Haverá que sacrificá-lo à unidade entre os dirigentes e entre estes e o conjunto do povo?

A verdade é que a reversão da austeridade é bem parcial. Numerosas medidas que degradaram significativamente o Código do Trabalho debaixo do governo de direita continuam em vigor. De futuro, devem os trabalhadores, tantos dos quais recebem um salário mínimo de pouco mais de 500€, “levar em linha de conta a situação económica” quando os dirigentes a invocarem?