Barroso: do Interesse Geral e do Interesse Particular

Desaba uma onda de indignação, à esquerda, à direita e ao centro, sobre a nomeação do antigo Presidente da Comissão, José Manuel Durão Barroso, para ‘Chairman’ não executivo da Goldman Sachs International, braço britânico e europeu do banco do mesmo nome, assim como conselheiro da “casa-mãe” — o banco de investimento Goldman Sachs, com sede em Nova Iorque.

O valor de balanço da Goldman Sachs é equivalente a mais de quatro vezes o PIB português.

Nenhum corifeu da “ética” e da “decência” consegue calar o seu nojo. O próprio Presidente francês François Hollande achou por bem declarar o facto “moralmente inaceitável”.

Entende-se o estupor?

Barroso passou uma carreira política inteira a defender aquilo a que apóstolos morais como François Hollande chamam “o interesse geral”.

Ora, “interesse geral” é, na realidade, uma abreviatura. O nome completo (reconheça-se, um pouco comprido para uso regular) é: “interesse geral comum à Goldman Sachs, Deutsche Bank, Morgan Stanley, JP Morgan, Bank of America, Barclays, Citibank, Crédit Suisse, etc.”. Um dos pilares da defesa deste interesse geral, na Europa, é a Comissão Europeia.

Agora, Barroso, com o interesse geral entregue ao seu sucessor Juncker, vai defender o interesse particular do banco Goldman Sachs. Aconselhá-lo, por exemplo, sobre as consequências do Brexit e outros assuntos em que se tornou “perito”.

É bem conhecido o movimento oposto. Vários ex-empregados da Goldman Sachs passaram a comissários europeus (por exemplo Mario Monti ou o actual comissário português, Carlos Moedas) ou presidentes do Banco Central Europeu (Draghi). Passaram, portanto, do serviço do interesse particular para o serviço do interesse geral. Sempre da Goldman Sachs.

Sim, entende-se o estupor. É certo que não há diferença por aí além entre o interesse particular da Goldman Sachs e o interesse geral comum à Goldman Sachs e seus pares. A Goldman Sachs doou, por exemplo, 500 milhões de libras (mais de 600 milhões de euros) à campanha britânica pró-“Remain”, que se bateu (sem resultado) contra o Brexit. Ao lado, naturalmente, da Comissão Europeia.

Mas o estupor não vem da estranheza por “isto”. Nos intervalos entre as indignações, não lutam os corifeus da ética e da decência lado a lado com a Goldman Sachs e o seu novo Barroso pela salvação do capitalismo em putrefacção?

Esse é o verdadeiro problema: Barroso, a deixar ver à vista desarmada que assim é, causa medo aos corifeus da ética e da decência.

AZ, 19 de Julho de 2016