Eleições Presidenciais em França: O Paradoxo do 23 de Abril

Por Daniel Gluckstein
(Editorial do jornal do Partido Operário Independente Democrático de França, La Tribune des Travailleurs, nº 86, 26 de Abril de 2017)

Em que consiste o paradoxo do 23 de Abril?

A rejeição que nele se manifestou tem um conteúdo de classe. Lei El Khomri, contra-reformas, despedimentos, privatizações, liquidação dos serviços públicos, estado de emergência, repressão anti-sindical: foi a política anti-operária do governo Hollande-Valls (e dos governos que o precederam) que foi maciçamente sancionada.

Porém, este conteúdo de classe não é representado por nenhum dos dois candidatos presentes à segunda volta.

Há duas explicações para isso.

A primeira é imediata: a divisão. Hamon e Mélenchon podiam ter mudado as coisas, chegando a acordo para uma candidatura única pela revogação da lei El Khomri. Recusaram. Carregam a responsabilidade da segunda volta Le Pen / Macron.

A segunda explicação tem que ver com a própria natureza da Vª República francesa. A todos aqueles que, preocupados com a abstenção (ou condenando-a), recordam, com semblante grave, que o boletim de voto é uma conquista da democracia, os trabalhadores e jovens têm o direito de responder: pode a democracia reduzir-se à escolha de um rei, sem coroa talvez, mas dotado de todos os poderes, nomeadamente o de impor os planos ditados pelos capitalistas, pelos banqueiros, pela União Europeia?
Não, claro que não.

Se a democracia é o poder do povo, então é à Assembleia Constituinte soberana que compete definir a sua forma e o seu conteúdo. Sem limitações: na Assembleia Constituinte soberana, os representantes do povo, eleitos em perfeita proporção das listas em presença, devem poder tomar todas as medidas que a situação requer, incluindo a proibição dos despedimentos e das privatizações, a confiscação dos bens dos bancos e sua afectação às necessidades da população, o fim das guerras que semeiam a desolação pelo mundo inteiro.

A Vª República está ferida de morte. Os dois partidos que a governam há quase sessenta anos foram eliminados da segunda volta. Macron é um Bonaparte à falta de melhor, atrás dele alinham-se, por força (até quando?), os círculos dominantes da classe capitalista (e, com eles, a esquerda institucional). O seu futuro governo só “se aguentaria” apoiado numa união nacional que integrasse os sindicatos… difícil de conseguir.

Porém, a Vª República, ferida de morte, não cairá sozinha. É à classe operária, preservando a independência das suas organizações e realizando a unidade pelas suas reivindicações, que competirá abrir o caminho à Assembleia Constituinte que dê o golpe de misericórdia à Vª República e rompa com a União Europeia.
Na noite de 23 de Abril, ouviram-se os principais candidatos apelarem “aos patriotas” ou proclamarem o seu amor da “pátria”. Referência que evacua as fronteiras de classe, já que supõe que operários e patrões, explorados e exploradores, são iguais “filhos da pátria”. Mas a nossa escolha é A Internacional, não A Marselhesa; a bandeira vermelha, não a bandeira tricolor.

Nas luta de classes que se anunciam, é, mais do que nunca, hora de construir um autêntico partido operário.