Notas apresentadas ao executivo da TCI para discussão e por ele aprovadas no dia 22 de Dezembro às 17h
Primeiras notas a propósito das eleições de 21 de Dezembro na Catalunha
1 – Com uma taxa de participação a roçar 82%, estas eleições, que haviam sido decididas contra o resultado de 1 de Outubro, acabaram por se transformar numa bofetada sem precedentes ao governo em funções. O mesmo governo que impôs a repressão e o artigo 155º, prendeu os dirigentes catalães, suspendeu as instituições da Generalitat; o mesmo governo que alegou ser ilegítima a votação de 1 de Outubro que proclamou a República Catalã; esse mesmo governo sai numa situação de extrema fragilidade. O seu futuro, como o do seu regime, está em xeque. O quase desaparecimento do Partido Popular (PP) na Catalunha, herdeiro que é da ditadura franquista e principal pilar das instituições, ainda mais põe na ordem do dia a liquidação do regime.
2 – A votação de 21 de Dezembro confirma e amplia a votação de 1 de Outubro. É a confirmação urbi et orbi, com indiscutível força, da legitimidade da República Catalã, expressa pela primeira vez no dia 1 de Outubro apesar da repressão e das manobras, apesar das tergiversações dos seus próprios dirigentes, apesar da “união nacional” contra a República.
3 – É uma derrota para a União Europeia, que deitou todas as forças contra a República. Derrota para todos partidos signatários do Pacto da Moncloa de 1977, defensores das instituições da monarquia franquista. Derrota, em particular, do Partido Socialista, que vergonhosamente apoiou o artigo 155º. Derrota também do Podemos, cujo principal dirigente teve o atrevimento de empurrar para o movimento pela República a responsabilidade pelo ressurgimento do franquismo. Derrota, em França, para Mélenchon, que lá se deslocou para apoiar essa lista e se atirou a um amálgama entre quem ele chama de “os nacionalistas” (que, para ele, incluem a entrada dos ministros neonazis no governo austríaco) e os “separatistas”, todos definidos como reaccionários, denunciando a República Catalã.
4 – Todos elesperderam: mas quem ganhou? A República? Certamente. Quem, porém, irá cumprir o mandato de realizar a República Catalã? Esta pergunta suscita o problema fundamental da direcção da classe operária.
5 – Os dirigentes das organizações independentistas multiplicaram sinais à atenção da monarquia castelhana, entre 1 de Outubro e 21 de Dezembro, dizendo a sua disposição para negociar e — sem ousarem proclamá-lo abertamente — recuar relativamente à proclamação da República. Que irão agora fazer?
6 – Na sua declaração a seguir às eleições, Puigdemont disse que era “uma vitória da República Catalã contra a monarquia espanhola” e, noutro momento, que era “uma vitória da República Catalã contra a monarquia do 155º”. Estas duas fórmulas, não sendo inexactas, são reflexo das limitações a que Puigdemont e a direcção do seu partido amarram o significado da República. Não, não foi só “a monarquia do 155º” que foi posta em xeque, sugerindo que, sem 155º, a monarquia teria um carácter mais próximo da democracia. Não é somente que a “monarquia espanhola” esteja a ser repelida pela República Catalã, o que reduz o que se passou à simples questão nacional. Não. A verdade é que a República Catalã infligiu um golpe significativo à monarquia franquista. A monarquia franquista são instituições — construídas primeiro debaixo da ditadura de Franco e, depois, na “transição democrática” sob Juan Carlos, com o apoio de todas as potências imperialistas — que têm um conteúdo social perfeitamente claro: manter o domínio de classe da burguesia e do imperialismo, que, antes, recorriam à ditadura fascista, tendo, depois, de adoptar uma aparência democrática. Esta derrota da monarquia franquista traz para a ordem do dia o desmantelamento de todas as instituições. Ela põe desde logo a questão da República Catalã e, portanto, da República no País Basco, da República na Andaluzia, da união livre das repúblicas livres de Espanha, desembaraçadas das instituições franquistas, assim como de Assembleias Constituintes em cada uma das Repúblicas e de Cortes Constituintes de deputados designados pelas Assembleias Constituintes das diferentes Repúblicas livres.
7 – Mas quem,para cumprir este mandato? Nisto fica formulada a questão da direcção do movimento operário. Não subsiste dúvida nenhuma de que, entre 1 de Outubro e 21 de Dezembro, no movimento de organização específico que a imprensa madrilena comparou com os sovietes — o movimento dos comités de defesa da República — se encontrava um elemento da resposta àquela pergunta. Um elemento apenas, no entanto. A posição adoptada pelos dirigentes das confederações sindicais, a posição adoptada pelos dirigentes do Partido Socialista, do Partido Comunista, do Podemos, etc., voltaram costas à responsabilidade primeira que cumpre às organizações que se reivindicam da classe operária.
8 – Hoje, uma organização operária independente — mormente uma organização assente no programa da IVª Internacional — teria a obrigação de apelar, em toda a Espanha, a assembleias operárias e populares com um único tema: “Liberdade de a República Catalã se proclamar e organizar no processo constituinte que ela própria decidir! Em todas as outras regiões de Espanha, desmantelemos as instituições da monarquia, lancemo-nos no combate pela República, pela união livre das repúblicas livres!”.
9 – Só a classe operária tem capacidade para ser portadora deste combate. Ela é, com efeito, a única que não tem nenhum interesse social, político ou económico na manutenção da dominação capitalista de que as instituições da monarquia franquista e da União Europeia constituem o envelope.
10 – Nas últimas semanas, assistiu-se ao amadurecimento e à agudização da consciência na Catalunha, mas não só. Quando manifestantes arvoram cartazes a denunciar os “valores da União Europeia” como sendo os mesmos “de Franco e Rajoy”, eles estão a chegar a conclusão inversa à que Puigdemont tem defendido há anos. Este encontra-se, ainda agora, em Bruxelas para tentar (em vão) obter o apoio da União Europeia; as massas catalãs, pela sua parte, já compreenderam que a União Europeia é o inimigo. Compreenderam que a monarquia franquista é o inimigo.
11 – Asituação actual torna-se ainda mais terrível por a pequena organização que se constituíra com o programa da IVª Internacional — o Partido Operário Socialista Internacionalista — ter capitulado totalmente perante os aparelhos, que, eles próprios, enfileiraram no campo das instituições da União Europeia e da monarquia franquista. Fica para a história que o POSI denunciou como ilegítimo o referendo de 1 de Outubro, que se virou contra a proclamação da República Catalã em nome, pretensamente, do objectivo mais vasto da República em toda a Espanha. Fica para a história que o POSI fez campanha contra a República. Quem pode ter pretensões de ser uma corrente revolucionária autêntica, se vira costas à luta pela República?
12 – Diga-se com clareza: os que que se viraram contra a República Catalã não o fizeram em defesa da unidade do povo espanhol, já para não falar da unidade dos povos de Espanha, viraram-se contra a República (simplesmente) como factor de divisão, em defesa das instituições da monarquia franquista e da União Europeia.
13 – Por muito difícil que seja a tarefa, é urgente começar a juntar os partidários do programa da IVª Internacional que, de acordo com Leão Trotsky, de acordo com Lenine, sabem que as massas operárias e populares, os explorados e oprimidos, nada têm a perder com a queda da monarquia; sabem e compreendem que o movimento prático das massas catalãs reafirmou, mau grado todos os empecilhos, neste dia 21 de Dezembro, a exigência de “República já!”; sabem e compreendem que o movimento prático traz para a ordem do dia “República já!” para todos os trabalhadores e povos de Espanha, que traz para a ordem do dia o desmantelamento das instituições franquistas para todos os trabalhadores e todos os povos de Espanha; que traz para a ordem do dia o desmantelamento das instituições de opressão e exploração da União Europeia em todo o continente.
14 – Por estas razões, a IVª Internacional e a sua secção francesa — que, na conferência do CORQI, reservaram lugar do máximo destaque aos acontecimentos catalães e adoptaram uma saudação aos trabalhadores catalães — dão a máxima importância aos acontecimentos que actualmente se desenrolam, conquanto ainda não se saiba ao certo que posições vão tomar as diferentes partes envolvidas. Urge, por isso, juntar os autênticos partidários da IVª Internacional, para, à modesta escala que é a sua, mas com determinação e clareza, em todas as regiões de Espanha, fazer campanha por: “Sim, liberdade para a República Catalã! Liberdade para as Repúblicas de Espanha! Abaixo a monarquia franquista!”