Orçamento Suplementar 2020 e “Plano de Estabilização Económica e Social”:
Austeridade, e em Força
Intitulávamos o último número d’O Trabalho com a frase:
“Ou se salva o capital e se destroem os trabalhadores, ou se salvam os trabalhadores expropriando o capital”.
Com o orçamento suplementar apresentado à Assembleia da República e votado na generalidade no dia 17 de Junho de 2020, o governo decide-se, infelizmente sem surpresa, pelo primeiro ramo da alternativa: salve-se o capital, esmaguem-se os trabalhadores.
Talvez mais surpreendente para alguns: o PCP e o BE (juntamente com o PSD) abstiveram-se. “Viabilizaram-no”.
As medidas tomadas durante o confinamento, nomeadamente o regime de layoff simplificado, já apontavam o caminho. Fizeram cortes drásticos no rendimento dos trabalhadores, mormente dos mais precários e mais pobres. E concederam enormes facilidades ao patronato, incluindo a isenção do pagamento de 80% dos salários e facilidades fiscais e de crédito. Como a imprensa relatou, os principais beneficiários nem sequer foram os pequenos patrões e micro-empresas. Três quartos dos dinheiros do layoff foram, e são ainda, pagos a médias e grandes empresas.
As linhas mestras do “Plano de Estabilização Económica e Social” e do orçamento suplementar agora a votos inserem-se na continuidade desta política. E agravam-na ainda mais para os trabalhadores.
A despesa orçamental adicional — que atirará com o défice e a dívida para a estratosfera da troika, e já se sabe como isso acaba — é assim resumida pelo jornal Expresso (13/6) quanto às suas componentes “social” e empresarial:
“No campo social, o Executivo antecipa um aumento de €1000 milhões face ao previsto no OE-2020, que se distribui sobretudo pelo novo complemento de estabilização dos rendimentos dos trabalhadores, pagamento de abono de família extraordinário, apoios à redução de atividade dos trabalhadores independentes, aumento dos subsídios de desemprego e reforço do Serviço Nacional de Saúde”.
Já no campo empresarial, “as medidas para injetar liquidez nas empresas — reforço dos mecanismos de financiamento, prolongamento das moratórias de crédito e ajustamento dos pagamentos por conta de IRC — deverão representar um investimento de €8,8 mil milhões”.
Ou seja, tirando o reforço do SNS em 500 milhões (uns risíveis 4%, face ao endémico desinvestimento e à pandémica realidade), reservam-se para a despesa “social” 500 dos 9.300 milhões (5%). Esmolas, para mitigar a catastrófica perda de rendimento dos trabalhadores. Os outros 8.800 milhões (95% do total) vão para os patrões.
Nas receitas fiscais, é a mesma coisa. O Estado conta com menos 5.600 milhões em impostos. Que impostos? Três quartos das perdas são em IVA e IRC (o imposto sobre o rendimento das empresas). Menos IVA porque o consumo dos trabalhadores cairá. Menos IRC, porque o governo concede benefícios fiscais às empresas.
Há também a TAP. Lembram-se quando, no Parlamento, o ministro das Infra-Estruturas falou grosso? Que, se era para o Estado salvar a TAP, então, caramba, o Estado passaria a mandar na TAP!
Entretanto, falou quem manda: Bruxelas. Resultado: o Estado, em vez de capitalizar a TAP e mandar na TAP, concede aos accionistas privados da TAP um empréstimo de mais de mil milhões e deixa-os aos comandos. Foi o que Bruxelas deixou…
Mais: o empréstimo fica condicionado a um “plano de reestruturação”. Segundo o Expresso (13/6/2020), o plano implicará “redução de rotas, devolução de aviões, corte de salários e de trabalhadores”. Portanto, milhares de despedimentos e salários mais baixos para os que ficarem. A prazo, sem dúvida, o desaparecimento da companhia nas goelas de um dos gigantes mundiais.
O caminho está traçado. O governo segue o único que é possível seguir sob a alçada de Bruxelas: reduzir os trabalhadores à miséria para resgatar os patrões.
Os trabalhadores resistirão. Se quiserem sobreviver, não têm outro remédio.
E os deputados que os trabalhadores elegeram, os deputados do PS, do PCP e do Bloco? Ou votam a favor ou “viabilizam”.
Parece que se indignaram muito com o anúncio feito pelos chefes do Novo Banco de que ainda vão tentar sacar ao orçamento da nação mais uns milhares de milhões por conta da pandemia. O Novo Banco invoca para isso as cláusulas do contrato (secreto!) do Estado com o fundo abutre Lone Star.
Mas desculpem a pergunta: não foram eles que viabilizaram sistematicamente, ano após ano, o arranjo político actual, que assenta, nomeadamente, nesse acordo secreto com o fundo “abutre”? Chamam os abutres para se saciarem no cadáver do Banco Espírito Santo (ou viram a cara quando o governo os chama, dá na mesma) e depois enojam-se por os abutres fazerem o que os abutres fazem?!
Deputados de partidos que dizem representar os trabalhadores não podem continuar a aprovar ou “viabilizar” a política-abutre!
Rejeitem o orçamento suplementar de super-austeridade!
Proibição dos despedimentos! Pagamento a 100% de todos os salários! Aumento geral dos salários! Ruptura com a política da UE e com a dívida externa! Nacionalização sem indemnizações da banca! O povo é quem mais ordena!