Editorial d’O Trabalho nº 21
No passado dia 22 de Junho, formou-se uma coisa chamada Business Roundtable Portugal. Agrupa as 42 empresas que integram o índice bolsista português.
Qual é a coisa qual é ela, que não é a CIP nem a CAP nem a confederação do comércio, mas é o business? É o novo estado-maior político do grande capital, que vê chegado o momento de tomar as coisas em mãos.
Declara um objectivo: em tempos conturbados, tomar conta dos milhões da chamada bazuca e organizar as (contra-)reformas que a Comissão Europeia exige ao país em contrapartida dos fundos: nada menos que 32 “reformas”, que implicam “rupturas no modelo de ensino, reformas na justiça, alterações no sistema fiscal” (Expresso). Além de manter e agravar, naturalmente, o código do trabalho imposto pela troika.
Cláudia Azevedo (Sonae), vice-presidente, diz: “a ruptura é mesmo precisa”. Especifica: “Sabemos que até 2030 há 1,1 milhões de portugueses que têm de ser requalificados porque terão os seus postos de trabalho em risco, porque serão substituídos pela robotização e pela inteligência artificial. E 2030 é já amanhã”.
Eis a ruptura: o grande patronato promete despedir um milhão e cem mil trabalhadores nos próximos anos. É algo como um quarto dos assalariados portugueses. Faça o Estado o favor de atender aos despedidos como entenda, desde que saia barato (a palavra de moda é “requalifique-os”).
O grande capital tenciona lucrar à grande com o processo. Os despedimentos vão envergar as camisolas da “transição digital” e da “transição verde”. Assim enfarpelados, renderão milhões em subsídios da bazuca/PRR.
Ao constituir-se em estado-maior político para gerir este processo, o grande capital português dá um sinal claro: a ofensiva concertada de despedimentos que os trabalhadores da TAP, da Groundforce, da Altice, da banca, da GALP, da Efacec e de tantas outras empresas estão neste momento a sentir na pele é um mero toque a rebate para o que para aí vem.
O caso da TAP é especialmente elucidativo. Apesar de a companhia estar agora quase a 100% nas mãos do Estado, a nova administração avança com um despedimento colectivo de 124 trabalhadores. Sem justificação plausível, mesmo na sua lógica de “reestruturação”. O que ela está, sim, é a mandar mensagens aos trabalhadores e às suas organizações.
A mensagem de que o Estado e o governo estão inteiramente capturados pela União Europeia e o patronato. E se desengane quem pense que, com a propriedade do Estado, os trabalhadores da TAP podem respirar de alívio.
A segunda mensagem: não valem o papel em que estão impressos os “acordos de emergência” que os sindicatos, com a espada do encerramento ao pescoço, assinaram, contra promessa de renúncia aos despedimentos colectivos.
E a terceira: os recuos dos trabalhadores não serão recompensados. Serão usados para desferir ataques ainda maiores contra eles.
Em Março, duzentos militantes sindicais e activistas de comissões de trabalhadores assinaram um apelo por uma frente de resistência e solidariedade entre todos os trabalhadores atacados.
Publicámo-lo no último número d’O Trabalho.
Esse apelo apontava um caminho: “Solidários! Trabalhadores Atacados Não Podem Ficar Isolados!”
Esse caminho tem por base uma certeza: possa a ofensiva do capital ter a força do novo estado-maior patronal; possa ela ter a cobertura sem falhas do governo; e possa o governo ter a cobertura da União Europeia – essa ofensiva terá sempre uma enorme fragilidade: depende em absoluto de os trabalhadores continuarem isolados, divididos empresa a empresa, sector a sector, obrigados a travar lutas parciais e desiguais.
Superada essa divisão, superado esse isolamento, descobrir-se-á outra realidade: a de que a luta, a greve conjunta e coordenada dos sectores e empresas atacados é capaz de parar o país e vencer patrões e governo.
Esse é o “cenário” que UE, patrões e governo receiam acima de tudo. Por isso, tudo fazem para alimentar na imprensa a imagem de uma classe trabalhadora apática e desmoralizada. Sabem, porém, que essa imagem não é verdadeira e, por isso, aliciam as direcções sindicais para a “concertação social”. Aliciam-nas e amedrontam-nas à vez, pois precisam de neutralizar a gigantesca força adormecida do trabalho. Precisam de impedir, a qualquer custo, que os trabalhadores recuperem a confiança na sua força colectiva, enfraquecida por direcções que só são fracas porque estão comprometidas com o governo e a União Europeia.
Na TAP, concessões e sacrifícios não funcionaram.
A verdade da campanha dos “Solidários!” é simples: os trabalhadores só podem confiar nas suas próprias forças, na sua unidade e na completa independência das suas organizações em relação a patronato, governo, UE.
No passado dia 13, houve uma primeira manifestação unitária dos bancários em São Bento. Dia 15, os trabalhadores da manutenção da TAP reuniram-se em plenário e concentração contra os despedimentos e decidiram: para a greve!
Este é o início do caminho para a outra saída, a nossa saída. A saída em que as “digitalizações”, aumentando a produtividade, permitem, como é lógico (mas impossível, enquanto forem os capitalistas a mandar), aumentar os salários e reduzir as horas de trabalho, em vez de reduzir os salários e aumentar o desemprego.
Compete-nos criar a força para ajudar os trabalhadores a abrir esse caminho.