Uma Constante: a Guerra

Uma Resposta: a Unidade, Nacional e Mundial, dos Trabalhadores

Editorial d’ “O Trabalho” nº31-32

Nos últimos meses, se uma constante houve, foi a guerra.

1. Por um lado, intensifica‐se a guerra na Ucrânia. Completa está a transformação do exército ucraniano num anexo militar da NATO e da UE. Tanques, aviões, mísseis, drones, armas ligeiras, munições e uniformes são da NATO. Só os corpos que matam e morrem são ucranianos. Os EUA e aliados orquestram, entretanto, uma escalada armamentista sem precedentes a partir das cimeiras da NATO. A última foi em Vilnius (ver artigo na pág. 5).

As alianças organizadas pelo imperialismo americano no Oriente (com Austrália, Japão, Coreia do Sul, Índia…) apertam‐se à volta da China. Exactamente como, nos últimos trinta anos, a NATO foi apertando o garrote à Rússia.

O objectivo, em ambos os casos, é o mesmo: eliminar obstáculos à abertura completa da Rússia, como da China, dos seus mercados e matérias‐primas, ao capital financeiro “ocidental”, que precisa de novos super‐lucros de pilhagem para sair da crise.

O preço é o desmembramento desses países e o alastramento do caos, a exemplo da intervenção imperialista no Médio Oriente. Um preço que não assusta Wall Street. Não é por acaso que a imprensa do capital financeiro fala abertamente de fazer da futura Ucrânia um “novo Israel”.

Entretanto, aumenta o risco de alastramento e nuclearização da guerra.

2. Por outro lado, os países europeus subordinados a Washington e Bruxelas avançam na transformação das suas economias em economias de guerra.

Os orçamentos militares conhecem saltos antes inconcebíveis. A inflação e a política monetária da Reserva Federal americana e do BCE organizam a recessão e a austeridade, cortando salários e pensões, desmontando metodicamente os serviços públicos.

Do mesmo passo, a brutalidade dos aparelhos repressivos apura‐se, exemplificada no assassinato do jovem Nahel em França. Passo a passo, coarctam‐se ou “cancelam‐se” os direitos e liberdades democráticos.

3. Em Portugal, o pacote “Mais Habitação”, recentemente adoptado pelo governo Costa, é um pouco o símbolo do fado de um governo voluntariamente acorrentado aos tratados da UE e da NATO.

A operação começou com grandes anúncios de políticas de arrendamento forçado de prédios devolutos a preços acessíveis (o mínimo dos mínimos, dir‐se‐ia).

Logo chegou, naturalmente, o coro de protestos dos proprietários.

E tudo acabou nisto: o governo compromete‐se a propor educadamente aos senhorios que aceitem arrendar casas ao Estado, a preços de mercado – ou seja, a preços de especulação. O Estado sub‐arrendará depois às famílias, a preços “acessíveis”. Acessíveis, se tanto, note‐se, a uma fracção ínfima da chamada “classe média” – mas de modo algum às famílias populares, que vivem com rendimentos familiares na ordem dos mil euros, muitas vezes menos. A diferença entre a renda paga pelo Estado ao senhorio e a renda paga pelo inquilino ao Estado é suportada pelo orçamento. Ou seja, pelos impostos pagos pelos trabalhadores e inquilinos. E essa transferência orçamental ficará, é claro, sujeita a cortes rápidos, logo que “aqui d’el rei que o défice, que a dívida, que a União Europeia…”.

De uma política de habitação vagamente dirigida à população todos os dias expulsa das suas casas nas cidades passa‐se, à velocidade do relâmpago, a uma política de subsídio à propriedade privada especulativa. A uma política que, se sair sequer do papel, irá apenas, na realidade, alimentar mais ainda a especulação imobiliária, ao criar mais um mercado potencialmente lucrativo: o mercado que consiste em arranjar casas devolutas às três pancadas e arrendá‐las ao Estado a rendas altas.

Mais uma política de transferência maciça de rendimento do trabalho para o capital.

O mesmo se passa no ensino e na saúde.

Ficou famoso o dito de Passos Coelho aos professores, médicos e enfermeiros: “Ganham pouco? Emigrem!”.

O dito de Costa é: “Ganham pouco? Vão para o privado (ou então emigrem)!”

4. Mas não é só isso que há. Há, também, a resistência da classe trabalhadora e da juventude, organizada ou semi‐organizada em lutas e greves (e, às vezes, desorganizada e desesperada, como a dos jovens dos subúrbios de Paris após o assassinato de Nahel em França, ver pág. 7).

Na senda das mobilizações multitudinárias dos professores, são cada vez mais e incontáveis as greves e lutas, no sector privado como no público.

O equilíbrio político é precário. O governo escolhe não reagir às lutas e greves no sector público. A sua lógica é: há greves e não há aulas? Há greves e não há transportes? Há greves e não há hospitais? Tudo bem. De qualquer maneira, queremos dar cabo do ensino, da saúde e dos transportes públicos. Esperamos sentados.

Pode fazê‐lo, porque as greves se mantêm isoladas, cada uma no seu dia, cada uma para seu lado.

Mas os cálculos já lhe têm saído furados. As mobilizações dos professores mostraram à classe trabalhadora no seu todo que, mesmo que o governo e os burocratas sindicais achem que têm tudo controlado, a iniciativa dos próprios trabalhadores na base pode mudar tudo.

E esse é o caminho a seguir.

O movimento “Solidários: Trabalhadores Atacados Não Podem Ficar Isolados” fez um encontro nacional, em Outubro de 2021, que juntou uma centena de sindicalistas e dirigentes sindicais que procuravam a unidade na luta e recusavam a capitulação.

Para o outono de 2023, prepara‐se um novo encontro nacional.

É altura de passar a um novo patamar.

É altura de o movimento operário dar passos para se dotar de estruturas de organização, informação, comunicação e luta independentes do Estado, do governo e do patronato, que respondam única e exclusivamente perante os trabalhadores, que organizem a unidade das lutas e greves, chegando, se e quando necessário, à greve geral para impor um governo ao serviço dos trabalhadores e do povo.

Este é o nosso desafio.