Nambiath Vasudevan entrevistado por François de Massot (Boletim do COI nº235)
Nambiath Vasudevan tem desempenhado um papel importante no movimento sindical indiano. Participou activamente em todas as lutas da classe trabalhadora indiana pelos seus direitos e na luta pelos direitos democráticos e pela unidade do movimento operário. Ele não separa as lutas da classe trabalhadora indiana da luta internacional dos explorados e dos oprimidos. N. Vasudevan ocupa, por isso, uma posição central na luta do COI.
Abaixo apresentam-se as suas respostas a algumas perguntas sobre a situação na Índia no ponto de vista dos interesses da classe trabalhadora, da Índia e internacionalmente, quando o governo Modi está reforçando os seus laços com o imperialismo americano – especialmente em relação à China – e tudo faz para impor a sua pauta anti-democrática e anti-classe trabalhadora na Índia.
Pergunta: A Índia encaminha-se para eleições gerais dentro de aproximadamente um ano. Que perspectivas para a classe trabalhadora?
A Índia está a caminho de eleições gerais em 2024. É provável que se realizem nos próximos 10 meses.
O BJP (Bharatiya Janata Party ou Partido Popular Indiano), que está no poder desde 2014, proclama-se confiante em que Narendra Modi se manterá no poder.
Não há, na Índia, nenhum partido em condições de tomar o lugar do BJP (Segundo a Comissão Eleitoral da Índia, existem na Índia 6 partidos nacionais, 50 partidos regionais e 2950 partidos não registados). Para as eleições de 2024, os principais partidos nacionais e regionais da oposição, incluindo o Congresso, estão em conversações com vista a explorar a possibilidade de apresentar um candidato comum contra o BJP em 500 dos 540 círculos eleitorais. Em 2019, a aliança liderada pelo BJP conseguiu obter 340 assentos, com 37% dos votos expressos. Em 2014, a votação do BJP foi de 31%. A multiplicação de candidatos do lado da oposição provocou uma divisão dos votos e o BJP conseguiu passar.
Numa população de 1400 milhões de habitantes, a Índia tem 14% de muçulmanos. Há muçulmanos em todos os estados. Para o BJP, só contam os votos dos 80% de hindus. Nos estados governados pelo BJP, os muçulmanos são tratados como cidadãos de segunda e sofrem tratamento desumano da parte de grupos fanáticos hindus fiéis à organização que está por trás do BJP, a RSS. Os topónimos e nomes de ruas muçulmanos são sistematicamente mudados. Danificam-se locais de culto muçulmano. E também há outras minorias a sofrer com a ofensiva hindu.
A RSS é uma organização revivalista hindu, que há muito acalenta a ideia de instaurar uma Índia hindu. Sob o regime do BJP, este propósito tem ganhado corpo. Embora as divisões entre os partidos políticos da Índia sejam profundas, e a hos- tilidade, grande, há partidos regionais em vários estados que defendem uma Índia laica, alguns no poder no respectivo estado, Opõem-se ao preceito do BJP de “uma nação, uma religião, uma língua”. A Índia é uma união de 29 estados. O BJP é uma força insignificante em muitos deles. Os cinco estados do Sul da Índia têm, todos eles, governos sem o BJP.
Num estado, pelo menos, o estado de Kerala, no extremo Sul, onde o governo actual é um governo de esquerda dirigido pelo CPM, o BJP nunca conseguiu eleger um membro que fosse para a assembleia estadual. Muitos partidos regionais usam a casta e a língua como pontos fortes para conseguir votos. Não obstante, o facto é que, no contexto eleitoral, a classe trabalhadora não tem uma base geográfica de- limitada. É difícil identificar, na Índia, alguma circunscrição em que os trabalhadores e os sindicatos representem uma base eleitoral significativa. O que abriu caminho a tal situação foi a destruição das indústrias tradicionais, como a têxtil, assim como de unidades produtivas em Bombaim, do sisal em Calcutá, bem como a deslocação sistemática de fábricas das cidades para zonas remotas em nome da globalização. Neste ponto de vista, o facto de a oposição se unir para apresentar um candidato contra o BJP nas eleições de 2024 assume importância na Índia. A classe trabalhadora terá de encontrar novas maneiras de puxar pelos seus próprios interesses.
P: Nesse ponto de vista, que lições tiras da luta dos camponeses em 2022? O mundo inteiro ficou impressionado por o governo se ter visto obrigado a recuar.
A luta dos camponeses foi um ponto de viragem na política indiana recente. Sim, grande número de agricultores, principalmente dos estados do Norte da Índia, participou na longa luta contra as três leis anti- camponeses do governo do BJP.
O governo Modi recorreu a uma repressão brutal para esmagar os agricultores e a sua luta. Chamou-se-lhes anti-nacionais. Apesar das diferenças ideológicas, uma combinação de mais de 45 organizações de agricultores manteve-se unida até ao fim. Conseguiram manter o movimento durante mais de um ano graças à força financeira da comunidade camponesa. Modi foi forçado a pedir desculpa e a revogar as leis. Os camponeses alcançaram uma vitória histórica. Os partidos políticos não ligados ao BJP, os sindicatos e as organizações populares apoiaram as reivindicações dos camponeses. É importante saber que, durante toda a luta, as organizações camponesas mantiveram o seu movimento afastado de partidos políticos de todos os matizes. Algumas das cabeças dos camponeses pertenciam ao CPM, ao CPI e também ao CPI(ML). Todos concordaram em manter uma certa discrição no interesse maior do movimento geral. A unidade produziu resultados. Muitas das garantias dadas pelo governo ainda estão para se ver. Passada a agitação, as organizações camponesas voltaram às suas posições originais. Nas eleições de 2024, as organizações camponesas progressistas estarão na linha da frente da oposição ao BJP.
P: Que papel desempenha a juventude?
Nas eleições de 2014 e 2019, o BJP teve a vantagem de um segmento considerável da juventude ter alinhado com Modi, acreditando que as suas belas promessas de governo limpo e de desenvolvimento para todos proporcionassem uma vida melhor aos jovens. A experiência ensinou os jovens que, para o homem comum, não existem oportunidades: só uma selecta mão cheia pôde beneficiar com o regime de Modi, enquanto as massas foram atiradas para uma situação ainda mais desesperada. Os jovens que lutam pelo emprego já não sentem atracção pelo BJP. Até o recrutamento para o exército tem sido negado aos que aspiram a um emprego seguro com benefícios de pensão. Devido às privatizações em grande escala a que o governo Modi tem recorrido, desapareceu emprego nos caminhos-de-ferro, na defesa, nos bancos, nos seguros, etc. Os jovens são forçados a aceitar empregos precários. Com excepção dos elementos da RSS, a juventude está desiludida. Os desempregados com instrução são mais articulados e mais desiludidos. Isso far-se-á sentir muito nas eleições de 2024.
P: E o movimento sindical?
O governo do BJP eliminou 44 leis laborais que existiam no país há décadas e que abrangiam várias condições, como os salários, as condições de serviço, os direitos sindicais, a saúde e segurança, o subsídio por morte, bónus, pensões, etc. Estas leis foram substituídas por quatro leis laborais aprovadas pelo Parlamento. Não houve nem consulta dos sindicatos, nem debate no Parlamento. O objectivo tem-se resumido a ajudar as empresas e a indústria a criar riqueza, facilitando a liberdade de despedir trabalhadores, eliminando o conceito de emprego seguro. A limitada protecção que os trabalhadores pudessem ter ao abrigo das leis actuais foi eliminada. Foi o governo federal quem fez as leis e as regras. Sendo o trabalho matéria subsidiária na constituição indiana, as leis laborais só poderão ser postas em prática se forem regulamentadas pelos governos estaduais. Muitos governos estatais não pertencentes ao BJP não adoptaram regulamentação, pelo que as leis laborais ainda não entraram em vigor. Os sindicatos, a todos os níveis, nacional e estadual, têm feito campanha pela revogação das leis laborais, que será a sua principal reivindicação para as eleições de 2024.
P: E quanto ao papel que a Índia desempenha a nível internacional?
Embora a Índia tenha assumido a presidência do G-20 segundo as normas e rotinas observadas pelos países membros, o BJP foi dizer, na Índia, que a presidência do G-20 fora para a Índia por Modi ser o primeiro-ministro. As reuniões do G-20 passaram a ser festas do BJP. Para além das matérias financeiras, comerciais, etc., estavam planeadas reuniões dos países do G-20 sobre questões sindicais, no âmbito da L-20. O BJP confiou a responsabilidade pela L-20 à sua ala sindical, a BMS. O BMS decidiu convidar alguns sindicatos indianos para as discussões do L-20. O sindicato INTUC, dirigido pelo Congresso, foi deixado de fora. Todos os outros sindicatos nacionais da Índia, bem como outros, decidiram rejeitar o convite do BMS para os conclaves do L-20. Participaram alguns sindicatos, nacional e internacionalmente insignificantes, dos países do G-20.
A manobra política do BJP em nome do G-20 será outra questão eleitoral em jogo em 2024.
P: Que relações há com a China?
Entre 2020 e 2022, mais de 50.000 soldados indianos fizeram frente ao exército chinês, após um grave choque fronteiriço na cordilheira dos Himalaias. O governo da Índia recusou-se a dizer se tinha ou não perdido território para a China. Mas ficou patente o febril desígnio de adquirir armas e novas tecnologias de guerra. Só que, por acaso, o fornecedor tradicional de armas à Índia era a Rússia. Na guerra entre a Ucrânia e a Rússia, embora os país- es do G-20 tivessem condenado a Rússia e dado todo o apoio à Ucrânia, a Índia não se juntou aos que condenavam a Rússia. Na ONU, a Índia também se absteve de votar contra a Rússia. Apesar dos laços de amizade e comércio da Índia com a Rússia, os EUA e a NATO mantiveram relações cordiais com a Índia.
Continuaram-se a envidar todos os esforços para projectar a Índia como a potência asiática emergente de encontro à China. A estratégia consistia em criar um bloco de poder que incluísse a Austrália, o Japão e a Índia na região do Indo-Pacífico para conter a China. A visita de Estado do Primeiro-Ministro Modi aos EUA, em Junho de 2023, abriu caminho a uma mudança histórica nas relações da Índia com o Ocidente. Passando a parceiro estratégico dos EUA, a Índia teve a garantia de receber armas, comércio e transferência de tecnologia. Não há dúvida de que esta mudança pode dar ensejo a uma nova situação de guerra fria na Ásia. A parceria estratégica entre a Índia e os EUA tem o condão de alterar a situação geopolítica na região do Indo-Pacífico.
Todos estes desenvolvimentos, tanto a nível interno como internacional, realçam a importância, para a Índia, da campanha internacional contra a guerra promovida pelo COI. Realçam, igualmente, as respectivas ligações à luta da classe trabalhadora, dos camponeses e da juventude da Índia contra a política reaccionária de Modi.
É importante que o COI se oponha à guerra em andamento em várias partes do mundo. No caso da Índia, isso é ainda mais relevante hoje. A guerra enriquece os fabricantes de armas; as pessoas comuns são as vítimas directas, seja no Iraque, na Líbia, na Síria, na Ucrânia, no Sudão, no Iémen, no Haiti ou em qualquer outro país do mundo. A guerra é necessária porque é um negócio lucrativo para o imperialismo. O COI terá de desempenhar o seu papel tradicional contra a guerra e a exploração.
