Editorial de La Tribune des travailleurs (POID, França) nº 401 (9 de Agosto de 2023) por Daniel Gluckstein
Está em preparação uma intervenção militar no Níger com a participação da França. A sua concretização poderá in- cendiar toda a África Ocidental – e não só. Atendendo às forças em presença, ficaria, na realidade, ligada à guerra na Ucrânia, representando um novo passo para a sua globalização.
Com a França na primeira linha do confronto, que atitude hão-de os trabalhadores tomar em França?
“O Presidente da República não tolerará nenhum ataque contra a França e os seus interesses”, declarou o Eliseu. Os interesses da França? A multinacional francesa Orano (antiga Areva) detém o controlo da exploração do urânio que jaz no subsolo do Níger. Operam no Níger, no Mali e no Burkina Faso centenas de multinacionais francesas. Além da Ora- no, merecem menção a Total, a CMA- CGM, a Vinci, a Veolia.
Aquilo a que Macron chama os “interesses da França” são os interesses das multinacionais. Multinacionais que, no Níger e na região, sobre-exploram as riquezas do povo, do mesmo modo que sobre-exploram os trabalhadores em França.
Por que razão hão-de os trabalhadores que, em França, lutam contra Macron e as multinacionais, fazer causa comum com estes no caso do Níger?
Nestes últimos dias, puderam-se ver dois cartazes que os manifestantes no Níger empunhavam, lado a lado: “Nós, povo soberano do Níger, exigimos que se pare imediatamente de explorar o nosso urânio” e “França fora do Níger, viva o Níger!”.
O povo do Níger quer o que querem
os povos de todo o mundo: soberania. E rejeita a arrogância com que o neo-colonialismo francês e o imperialismo americano pretendem dispor das riquezas do país e manter governos à sua trela.
“Pois, mas há manifestantes a agitar a bandeira russa, é uma ameaça terrível”, advertem-nos almas bem intencionadas… Putin? Putin representa os interesses dos riquíssimos oligarcas que amontoaram fortunas à custa das privatizações-pilhagem. E já agora… esses que agora brandem tal ameaça não serão os mesmos que, há trinta anos, batiam palmas, entusiasmadíssimos, quando a Rússia se abriu à pilhagem capitalista? Não beneficia essa política de privatização-pilhagem das riquezas dos povos tanto os oligarcas, que Putin representa, como as multinacionais, cujos interesses Macron e Biden servem?
Há conflitos entre eles, é facto. Mas os trabalhadores, em França, nada têm a ganhar com defender a pilhagem “francesa” do Níger. Pelo contrário: tudo o que enfraqueça o domínio neocolonial francês e o governo Macron em África reforça a luta dos trabalhadores explorados em França. Tomar esta posição não implica nenhuma concessão nem fraqueza para com Putin e o seu regime. Convém lembrar que, quando a Rússia atacou a Ucrânia, La Tribune des travailleurs foi o único jornal a encabeçar a primeira página com: “Nem Putin, nem Macron, nem Biden! Tropas russas fora da Ucrânia! Tropas francesas fora de África! Tropas da NATO fora da Europa”. A conjugação destas palavra de ordem reveste hoje particular actualidade. O POID está determinado a bater-se pela sua realização.