Centeno dá o mote para o orçamento de 2024

Reduzir o peso das “despesas permanentes” do Estado

Mário Centeno foi ministro das finanças da chamada geringonça. 

Com a sua habilidade para prosseguir a brutal política de austeridade da troika, fazendo de conta que o capítulo da austeridade estava encerrado (e ajudando as direcções do Bloco de Esquerda e do PCP a vender essa banha da cobra às suas bases), Centeno cativou o orçamento; e, destarte, cativou a União Europeia e a burguesia nacional e internacional. 

Para cobrir as modestíssimas reposições de pensões e salários, Centeno e Costa reduziram, durante anos, o investimento público praticamente a zero (a menos do que zero, quando saldado com a amortização do parque público) para satisfazer as exigências de redução do défice e da dívida pública da União Europeia, BCE e FMI. 

Recompensado depois com o cargo de governador da província portuguesa do Banco Central Europeu (cargo que, oficialmente, mantém o nome de “governador do Banco de Portugal”), Centeno resolveu, neste início de Setembro, lançar preventivamente o “debate” orçamental para 2024 com um documento de análise que, divulgado embora pelo seu Banco de Portugal, é, ineditamente, “pessoal”.

O documento intitula-se “Encruzilhada de Políticas”. Dirige-se manifestamente, se não declaradamente, ao governo e aos restantes partidos do “arco da governação”. 

A mensagem é muito simples: o Governo vai ter de continuar a reduzir o peso da dívida pública na economia, diminuindo o peso das suas “despesas de carácter permanente”.

Dito de outro modo: se professores, médicos, enfermeiros e funcionários judiciais, animados pelas suas porfiadas lutas e greves e encorajados pelas notícias da redução contínua (à sua custa…) do défice e da dívida pública em anos recentes, acharem chegada a altura, em 2024, de restaurarem finalmente algum do poder de compra que perderam nos últimos vinte anos (pelo menos) e de recuperarem salários e condições de trabalho decentes, Centeno avisa:

Nem pensar! Não há folga! 

Logo nos dias seguintes, o mote foi retomado e glosado em editoriais pelo departamento de agitprop do regime, o jornal Público, da família Azevedo/Sonae, e restante comentariado: não há folga, afinal!

Note-se que não se está a falar sequer de “contenção”. 

Centeno diz que o peso das “despesas de carácter permanente” deve ser reduzido!

“Permanentes” são as despesas, sobretudo, que se repetem ano a ano por força de contratos de trabalho com vínculo.

Percebem agora por que o ministro da saúde, podendo até oferecer aos médicos e outros funcionários “prémios” por objectivos e por “mérito” – aumentar vencimentos-base, só por cima do seu cadáver? Mesmo que, a curto prazo, a despesa total viesse a dar no mesmo?

Percebem por que aumenta incessantemente o volume da despesa com “serviços contratados” (ao sector privado) no SNS, ainda que isso acabe por sair mais caro ao orçamento do que aumentar os salários dos médicos e enfermeiros e vinculá-los nos hospitais públicos?

Percebem por que o ministro da educação recusa teimosamente anular o roubo de tempo de serviço dos professores feito pela troika, que teria impacto nos vencimentos-base de milhares de professores? 

A razão por trás de tudo isto está dada, a razão Centeno/Lagarde/von der Leyen: se for preciso aumentar alguma coisa, aumente-se, quando muito, despesa que depois se possa facilmente reverter, logo que necessário. 

Meter pessoal, em serviços à míngua? Só se for pessoal contratado, precário, a prazo, despedível à toa. 

Em caso algum se aumentem salários-base, se contrate pessoal permanente e se lhe pague decentemente! 

Seria mais “despesa permanente”. E Centeno dixit: o peso da despesa permanente deve diminuir!

Na sua suave e jesuítica linguagem de economista, Centeno comanda: “a política orçamental deve continuar a orientar-se pela noção de que não se alterou aquilo que há cinco anos não era financiável”!

Se Costa não entender: venha Montenegro. Se Montenegro é uma nulidade incapaz: venha Ventura. 

Centeno ditou a lei de Washington, Franqueforte e Bruxelas. 

Pode agora subir o pano para a tourada parlamentar para entreter a bancada por uns meses. 

A distribuição do cartaz é a habitual.