Um capitalista americano torna-se chefe da “esquerda radical”…ou da necessidade de verdadeiros partidos dos trabalhadores

A capitulação do governo de Tsipras ao ultimato da União Europeia em 2015 – traindo o mandato que ele próprio pedira aos trabalhadores em referendo – ficou como um marco inesquecível da impossibilidade de fazer políticas favoráveis aos trabalhadores sem romper decisivamente com a União Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI.
Desde então, o Syriza (que significa “Coligação da Esquerda Radical”) manteve-se numa imparável trajectória descendente de capitulação à austeridade e ao capital, apesar de isso lhe custar grande parte do apoio popular, mesmo no plano eleitoral.
Após a mais recente derrota eleitoral, já este ano, Alexis Tsipras demitiu-se de presidente. Seguiu-se uma guerra fraccional pelo cargo… sem que, em abono da verdade, fracção alguma pusesse em causa a submissão aos planos de austeridade ditados pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu – as semelhanças não escaparão ao trabalhador português atento ao destino da “geringonça”.
Mesmo assim, a eleição como novo presidente de Stefanos Kasselakis tem que se lhe diga. Emigrante nos Estados Unidos desde os 14 anos (ali fez fortuna especulando nas bolsas de mercadorias, donde transitou para ganhar milhões como armador), Kasselakis era completamente desconhecido na Grécia.
Quatro semanas de campanha nas redes sociais e o apoio de jornais e canais de televisão burgueses deram a vitória a este capitalista americano de 35 anos nas eleições internas do Syriza.
O pagamento de uma quota de 2 euros permite a qualquer um tornar-se membro do “partido” e, assim, eleger o seu presidente por votação através da Internet! Dos 150.000 “membros” do Syriza que votaram, pelo menos 50.000 seriam novos “membros por 2 euros”, actores de uma operação montada com um único e claro objectivo: privar os trabalhadores de partido, fazê-los abandonar a ideia de poderem ter um partido seu: “abolir” a luta de classes…
Com Kasselakis à frente, o Syriza continuará a exigir decerto “um capitalismo mais humano”. Mas – um capitalismo.
Entretanto, no mundo do capitalismo realmente existente, o governo Mitsotakis (direita), adoptou uma contra-reforma do Código do Trabalho, que pede meças às condições de trabalho do século XIX:
· Semana de trabalho de 6 dias;
· Jornada diária máxima de trabalho até 13 horas, “permitindo” que trabalhadores a tempo inteiro possam ter uma segunda ocupação a tempo parcial;
· Máximo de 78 horas de trabalho por semana;
· Legalização dos chamados “contratos de zero horas”, isto é, sem estipulação do número de horas ou de horário de trabalho e com a obrigatoriedade de, a qualquer hora do dia, o trabalhador se apresentar no seu posto de trabalho, sem aviso prévio;
· Restrições do direito à greve, designadamente pena de prisão para quem impeça a utilização de “fura-greves”;
· Período de um ano de livre despedimento do trabalhador sem qualquer compensação ou aviso prévio, nos novos contratos de trabalho.
A Grécia foi, em muitos aspectos, um “banco de ensaio” acelerado do caminho para o abismo do reformismo contra-revolucionário, seja nas velhas versões, seja nas mais modernas ou woke. O Syriza sai de cena à mesma alta velocidade com que capitulou. Na Grécia como em toda a parte, não há falsos atalhos. Nada substitui a tarefa imperiosa de construir uma Internacional Operária e autênticos partidos dos trabalhadores; a tarefa de romper com o capitalismo, ajudar os trabalhadores a conquistarem o poder e socializar os grandes meios de produção e de troca.