Divulgamos aqui, a solicitação da plataforma Solidários, uma carta de um grupo de enfermeiros do SNS 24 “por um SNS 24 digno e de qualidade“.
Caríssimos,
todos sabemos que infelizmente, vivemos numa época em que assistimos à imensa degradação do SNS. Esta tem sido amplamente divulgada e comentada desde há largos meses, tendo atingido um nível de degradação nunca visto, e que tanto nos preocupa a todos, utentes e profissionais.
Nunca como antes (excetuando talvez a época da pandemia), o recurso à linha SNS 24 foi tão utilizado e recomendado pelos nosso líderes políticos e autoridades de saúde, como forma de aconselhar os utentes sobre os cuidados que necessitam, e também reduzir a afluência aos centros de saúde e serviços de urgências dos hospitais, cada vez mais limitados na sua capacidade de resposta.
Os esforços que os profissionais desta linha fazem, a importância deste serviço para os utentes, e a qualidade do seu atendimento, tem sido ao longo dos anos amplamente elogiada no domínio público.
É neste contexto que vos escrevemos, na esperança de utilizarem a voz que nós não temos, e poderem alertar o público e entidades reguladoras para o que efetivamente se passa na realidade diária da linha.
No que concerne à eficiência do serviço e qualidade do atendimento, sabiam que:
− o recrutamento de enfermeiros que trabalham na linha SNS 24 não contém qualquer tipo de avaliação curricular ou de verificação de competências, e que para iniciar funções basta ter cédula profissional, dominar a língua portuguesa, e inscrever-se para a formação?
− a formação inicial corresponde apenas a algumas horas, geralmente uma tarde ou uma manhã, e a formação adicional a apenas outras tantas, sendo que na maior parte das vezes não são
sequer mostradas as várias dezenas de algoritmos com que se trabalha diretamente?
− as monitorias em que se baseiam a avaliação dos enfermeiros (audição da gravação de uma chamada por um supervisor) são realizadas de forma tão esporádica, que chegam a passar-se meses sem que os profissionais tenham qualquer feedback sobre a sua prestação?
− no caso de se triar um utente cuja decisão seja encaminhar para consulta médica no centro de saúde, mas que se encontre numa área geográfica que em que não haja resposta a este nível, o enfermeiro da linha SNS 24 é obrigado em encaminhar em alternativa para o serviço de urgência do hospital mais próximo, contribuindo assim não para diminuir a afluência às urgências, mas para de facto, entupi-las com utentes com sintomas ligeiros?
− um dos critérios utilizados para avaliar se o enfermeiro pode subir de escalão remuneratório é a quantidade de chamadas que atende (traduzida em créditos), motivando assim os profissionais, mal pagos como sabemos, não a atender as pessoas cada vez melhor, mas sim cada vez mais depressa?
− o manual de qualidade no atendimento fornecido aos enfermeiros como orientação da sua prática, refere explicitamente que estes não devem explicar aos utentes os cuidados recomendados, ou que não devem questionar sobre antecedentes clínicos ou medicação habitual, informação tantas vezes tão relevante para uma melhor avaliação?
Se tudo isto não fosse suficiente alarmante e motivo de revolta, debrucemo-nos agora sobre as condições de trabalho dos profissionais, nomeadamente os enfermeiros, que representam a esmagadora maioria dos trabalhadores da linha, tão elogiados nos discursos políticos e tão maltratados no seu dia-a-dia.
Sabiam que:
− os enfermeiros do SNS 24 não têm qualquer vínculo contratual, seja a contrato ou a prestação de serviços, ao SNS, e por isso, nenhuma das regalias dos seus colegas que trabalham noutras instituições?
− os enfermeiros só são pagos pelas horas de trabalho efetivo, estando obrigados a desligarem-se do sistema para irem comer ou ir à casa de banho, com prejuízo na sua remuneração, algo que configura uma ilegalidade e um desrespeito pelos seus direitos humanos mais básicos?
− a equipa de gestão de turnos, que nesta altura de gripe contacta diariamente todos os enfermeiros a pedir que se disponibilizem para trabalhar mais horas que as inicialmente previstas, sem qualquer benefício adicional, é a mesma que quando diminui o número de chamadas, os dispensa dos turnos que era previsto trabalharem, com menos de 24 horas de antecedência?
− um dos critérios de elegibilidade para os enfermeiros poderem subir de escalão remuneratório ou receberem o bónus semestral é o número de horas trabalhadas, o que tendo em conta o explicado no ponto anterior, é algo totalmente fora do controlo dos profissionais, tornando este um jogo viciado à partida?
− se não cumprirem os critérios de elegibilidade para trabalho remoto, os enfermeiros são obrigados a trabalhar presencialmente nos call centres, independentemente do seu local de origem, o que obriga por exemplo, os profissionais de Faro a deslocarem-se a Lisboa, ou os de Bragança a viajarem diariamente até Braga ou Porto, para poderem trabalhar?
Muito mais coisas haveria a dizer, mas parece-nos que o que foi exposto até aqui é razão mais que suficiente para compreenderem a nossa indignação com a forma como somos tratados, e a nossa preocupação com a degradação da qualidade e segurança dos cuidados que chegam aos utentes. Queremos um SNS, e uma linha SNS 24 capaz de responder a todos, que preste serviço diferenciado e de alto nível à população, e que valorize os seus profissionais, que estão fartos de palmas à janela.
Contamos convosco para contribuir para isso.
Muito obrigado,
Um grupo de enfermeiros do SNS 24 fartos de serem explorados e impedidos de prestarem o melhor serviço possível a quem lhes telefona