Sobre o resultado eleitoral

Comentários preliminares

Os números: *
*(referidos à votação global nacional – sem círculos fora do país)

  1. Registou-se o máximo número de votantes desde 2002: 6.140.289. Mais 750 mil do que em 2022. A abstenção também foi (a par da de 2005) a mais baixa deste século: 3.130.190.
  2. A direita, no seu conjunto (AD+Chega) teve o máximo número de votos deste século: 2.920.086, mais 870 mil do que em 2022.
  3. É a primeira vez, neste século, que a soma dos votos na direita é superior à dos votos na esquerda, por cerca de 480 mil votos.
  4. Contudo, a direita tradicional teve apenas um pequeno aumento (+146.700 votos) e ficou abaixo de todos os seus resultados do século, excepto, por pouca margem, 2019 e 2022.
  5. A “esquerda” no seu conjunto (incluo o PS ⎼ mas não o PAN ⎼ pois refiro-me aos partidos em quem os trabalhadores votam) teve o segundo pior resultado do século, com 2.436.403. Pior, só em 2011, onde, mesmo assim, teve mais votos do que a direita.
  6. O PS perdeu 488 mil votos para 2022, mas o seu resultado (1.759.937) foi superior aos de 2015 (!) e 2011.
  7. O Chega teve mais de 1.100.000 votos, subindo 723 mil ⎼ número muito semelhante ao da queda da abstenção.
  8. O BE aumentou ligeiramente do resultado catastrófico de 2022 (+ 33.800 votos, para 274 mil); mas teve o seu segundo pior resultado eleitoral desde 2002.
  9. O PC continuou o seu declínio, com o pior resultado de sempre (202.565); perdeu mais cerca de 34 mil votos.
  10. O Livre teve uma subida espectacular, de 69 mil para 200 mil votos.

Primeiras conclusões políticas:

  1. O Chega conseguiu manifestamente mobilizar uma parte significativa da abstenção, transformada em “rejeição” activa.
  2. Há aqui um importante bemol: o voto do Chega é obviamente voto na extrema-direita; mas não é bem um voto de classe, da mesma natureza do voto AD. É um voto de desespero e rejeição, da pequena burguesia maltratada pelas políticas do regime UE/NATO/“arco da governação”. A pequena burguesia deixou de ver saída alguma do lado do movimento operário tradicional (a “esquerda” do regime), que tem sido o mensageiro privilegiado do regime UE/NATO. Só que esta “base” eleitoral do Chega, que rejeitou este mesmo regime drástica, mas confusamente, não oferece nenhuma base estável à sua manutenção, seja agora sob a batuta dos partidos burgueses tradicionais.
  3. A crise política continuará, portanto, tendendo a tornar-se crónica.
  4. Entre a juventude e sectores de trabalhadores e activistas que procuram alternativas, o BE parece já ter dado o que tinha a dar. À parte as famosas “causas”, propõe o mesmo quadro de regime que o PS e a direita tradicional: governar no marco das ordens da UE e da NATO.
  5. Foi curioso que muitos sectores do antigo “eleitorado potencial” do BE, que, desta vez, já não tiveram estômago para votar útil no PS, tenham optado por votar (quase em massa) no Livre. O Livre tem uma virtude importante: não só quer governar às ordens da UE e da NATO, mas diz abertamente que quer governar às ordens da UE e da NATO. Muito melhor do que o palavreado retorcido e hipócrita da direcção do Bloco ⎼ particularmente o discurso delirante e néscio sobre as culpas da “maioria absoluta” do PS: a culpa, segundo eles, não foi da direcção do PS e das instâncias a quem ela obedece, não, não, foi de alguém lhe ter dado a “maioria absoluta”; “alguém”, quem? O estúpido do “povo”, claro…!
  6. Claro que entre BEs, PCs e Livres, nenhum disse abertamente ao “povo” a verdade que ele entrevê, mas a que dificilmente pode dar forma: de que o problema está precisamente nesse regime imperialismo/UE/NATO/euro. Até os jornais “de referência” andam cheios de gráficos e números que mostram com nitidez o que aconteceu à economia e à sociedade desde a adesão ao Euro.
  7. Uma alternativa construída na explicação clara e desassombrada desta simples realidade, que agrupe sem sectarismos os militantes e colectivos empenhados na defesa da sua classe tem a possibilidade de fazer ganhos significativos ⎼ no plano da organização da classe e mesmo, a prazo (como seu sub-produto), eleitoralmente.