DEBATE “A União Europeia serve (a) quem?”

Realizou-se no passado dia 1 de Junho, na livraria “Gato Vadio”, no Porto, um encontro promovido pela “Plataforma por um Partido dos Trabalhadores” (pPT), com o tema: “(A) quem serve a UE?” A mesa era composta por: Vítor Pinto, linguista, pPT, que moderou a discussão; João Moreira, historiador, pPT; Carlos Silva, professor universitário, Rede Ecossocialista; Adriano Zilhão, economista, pPT.

Actualizado 3 de Junho de 2024

As intervenções e discussão, durante mais de duas horas, foram muito animadas.

João Moreira fez uma análise histórica do processo político que levou à constituição, primeiro, da CECA, depois, do Mercado Comum/CEE, finalmente, da União Europeia.

Os Estados Unidos, vencedores das guerras mundiais, promoveram o entendimento entre as principais potências capitalistas europeias no pós-guerra. O propósito era evitar que as resistências populares armadas que acabavam de derrotar o nazifascismo, juntamente com o Exército Vermelho, que acabava de chegar a Berlim, impossibilitassem o renascimento do capitalismo na Europa.

O capital americano e as burguesias europeias saídas esfarrapadas da guerra só conseguiram aplacar o ímpeto do movimento operário, que exigia a expropriação definitiva do capital, à custa dos bons ofícios das direcções dos partidos comunistas e socialistas e de consideráveis concessões aos trabalhadores: nacionalização de boa parte da indústria pesada e dos bancos em países como a França e a Alemanha, implantação de direitos e serviços sociais extensos (saúde e educação para todos, férias, contratação colectiva, seguros no trabalho, pensões de reforma…): aquilo que foi depois crismado de “Estado social” para fazer esquecer a sua verdadeira origem. Parte (decrescente) dessas conquistas ainda hoje vigora.

A UE tem por missão liquidar precisamente o dito “Estado social” – e, com ele, todas as nacionalizações e conquistas obtidas depois da derrota do nazismo.

O orador referiu que os dirigentes do movimento operário PC, PS que aceitaram o “Pacto Social”, criando o status quo do pós-guerra, são os mesmos que, agora acompanhados por partidos teoricamente “mais à esquerda” (BE, France insoumise, Syriza, Podemos…), aceitam e promovem as novas guerras imperialistas, nomeadamente a guerra na Ucrânia, votando inclusive, no “Parlamento Europeu”, pelo reforço dos orçamentos de guerra da NATO e dos seus Estados membros. Deixou-se à audiência uma pergunta: que interesse terão os trabalhadores portugueses (e dos outros países) na UE?

Tomou seguidamente a palavra o professor Carlos Silva, que centrou a sua intervenção na crise económica de 2007/2008, que em grande parte criou as actuais dívidas soberanas, espoliando os povos em benefício dos bancos. A troika passou a impor, nomeadamente em Portugal e na Grécia, salários mais baixos, a destruição dos direitos laborais, da contratação colectiva, dos serviços de saúde e da educação pública. Referiu também que o sistema organiza e promove a xenofobia e o racismo, a fim de, pela divisão e insegurança que instaura com a precariedade, provocar a baixa dos salários. Disse, ainda, que esta UE é promotora e executora desta política contra os povos da Europa, deixando no ar: como sair desta Europa e caminhar para uma autonomia progressista?

O orador seguinte, Adriano Zilhão, pôs a tónica em que a UE é um instrumento do grande capital para destruir os direitos dos trabalhadores e dos povos. Com a introdução da moeda única e do Banco Central Europeu, a única “variável de ajustamento” restante a cada país para responder à respectiva situação económica e manter a “competitividade” dos seu próprios capitalistas passaram a ser os salários – como, na altura, sem papas na língua, referira Hans Tietmeyer, o presidente do banco central alemão, o Deutsche Bundesbank. Zilhão referiu também que, no pós-guerra, a derrota do nazismo pusera a revolução na ordem do dia em toda a Europa. Os capitalistas foram obrigados a ceder direitos e reivindicações para salvar a propriedade privada dos meios de produção e, com a ajuda dos dirigentes sociais-democratas e estalinistas, “acalmar” o movimento dos trabalhadores que visava o poder.

A base do chamado “pacto social“ na Europa do pós-guerra foram os acordos de Yalta e Potsdam, entre Stalin, Churchill e Roosevelt, que dividiram a Europa em zonas de influência, controlando a URSS de Stalin militarmente a Europa de Leste, e encarregando-se os PCs, no Ocidente, de impedir que a força das reivindicações dos trabalhadores desembocasse em insurreições e revoluções.

Para poder dizer não às reivindicações “excessivas”, os chefes dos PSs e PCs foram chamados aos governos (França, Itália) ⎼ tal como, mais tarde, no Portugal pós-25 de Abril de 1974 face ao colapso do Estado fascista ante a revolução socialista. Hoje, para dar crédito à ideia de que a UE é o resultado de alguma reflexão colectiva sobre os males da guerra e a necessidade da paz e da cooperação, ninguém fala nisto: o movimento dos trabalhadores foi, então, de tal ordem, que até na Inglaterra “vitoriosa”, nas primeiras eleições, os trabalhadores correram do governo o suposto herói de guerra Winston Churchill e elegeram um governo trabalhista.

Vítor Pinto perguntou: ganhamos alguma coisa em ir votar nas “eleições europeias” do próximo dia 9 de Junho? Já se viu que não há maneira de, na UE, termos os nossos direitos defendidos; ela é um conjunto de tratados e instituições ao serviço do grande capital. Mais: enganam os trabalhadores todos aqueles que dizem ir defendê-los no Parlamento Europeu, quando este não tem qualquer poder. Quem manda é a Comissão, que não é eleita por ninguém.

O nosso problema, como trabalhadores e jovens, é que não temos quem nos defenda. O BE e o PCP estão completamente comprometidos com a UE, mesmo quando fazem as suas “críticas”. Do que nós, trabalhadores e jovens, precisamos é de um Partido que seja nosso, para defender exclusivamente os nossos  interesses, como já o Manifesto Comunista preconizava.

Na discussão intervieram vários participantes, que referiram por exemplo: que o problema da UE está no poder dos tecnocratas, que estão no poder sem serem eleitos; que a UE é um espaço de comércio, onde a concorrência livre e sem entraves e o mandamento da competitividade fazem com que os capitalistas dos países mais fortes economicamente imponham aos menos fortes os seus interesses, nomeadamente através da usura bancária e da espoliação, da dívida pública organizada pela banca e BCE.

Foi notório o atento interesse que os participantes dedicaram às intervenções, reflectido nas várias perguntas e intervenções da audiência. Ninguém saiu antes do fim.

É agora preciso dar continuidade à discussão ⎼ e à acção para organizar à volta dos seus resultados. Brevemente apresentaremos novas propostas, mas convidam-se desde já os participantes a darem conta das suas observações, sugestões e propostas para o endereço de correio electrónico a.internacional.pt@gmail.com.