Sanções, IIº episódio : A Multa Cancelada

Noticia a imprensa que, “inesperadamente”, a Comissão Europeia cancelou a “multa” por “défice excessivo” em contravenção do Tratado Orçamental a Portugal e Espanha.

Já aqui se tratou deste assunto. A “multa” podia montar a um máximo de 0,2% do PIB, cerca de 360 milhões de euros. Mais a suspensão dos fundos estruturais (ou seja: Portugal passar a ser contribuinte líquido para estes, já que a sua contribuição para o orçamento comunitário se manteria).

Curioso espectáculo sucedeu ao anúncio e às suas rocambolescas circunstâncias: que só quatro comissários fizeram finca-pé na multa, entre eles o alemão; que decisiva para a decisão final da Comissão foi a intervenção de Schäuble — o arquifalcão — junto dos governos e comissários da UE…

O governo fala de “vitória” de Portugal. O Presidente da República diz que foi uma vitória dos portugueses. O PSD e o CDS dizem que foi uma vitória.

Não será má ideia olhar para os factos para ver o que aconteceu.

A Comissão limitou-se a recomendar, não cancelou nada. O Conselho (“Ecfin”) decidirá (aparentemente para a semana), podendo alterar a recomendação como entender.

Depois, em Setembro, a Comissão, o Conselho, o Ecfin, os Dijsselblooms desiludidos e os Schäubles ilusionistas voltarão a examinar, a julgar, a recomendar, a decidir; a sancionar, se assim o entenderem.

Tudo continua suspenso do que Bruxelas faz e acontece. Bruxelas passa a receber relatórios trimestrais do Ministro das Finanças português. Bruxelas ainda pode decidir a multa. E se não esta, outra. Não acaba.

Mas, sobretudo, a principal “decisão” da Comissão foi aumentar a exigência de austeridade orçamental, ainda para 2016, em 400 milhões de euros (0,25% do PIB).

O que era a “multa”, agora — talvez — cancelada? Consistia, na prática, na obrigação de o orçamento português desembolsar o montante dessa multa, ou seja: tirar até 360 milhões de euros a outros sectores da despesa pública. Reduzir, portanto, deste montante o orçamento de sectores que servem a população: saúde, educação…

(ou então não fazer nada disso e aumentar o défice ao fim do ano, fazendo o país incorrer num défice ainda mais “excessivo”, acarretando mais multas, e por aí fora).

O que decidiu a Comissão? Em vez da “multa” de 360 milhões, decidiu que o orçamento português vá tirar 400 milhões de euros de outros sectores da despesa pública. Reduzir, portanto, deste montante o orçamento de sectores que servem a população: saúde, educação… ou então, como a resolução da Comissão atenciosamente sugere, aumentar o IVA, indo, portanto directamente ao bolso dos trabalhadores portugueses reduzir-lhes o rendimento disponível.

(ou então não fazer nada disso e aumentar o défice ao fim do ano, fazendo o país incorrer num défice ainda mais “excessivo”, acarretando mais multas, e por aí fora).

“Vitória”, diz o governo?

E que dizem aqueles que, apoiando o governo, dizem estar do lado dos trabalhadores?

O Bloco de Esquerda, pela voz de Pedro Filipe Soares, seu líder parlamentar, diz, segundo o “Público” de 28 de Julho de 2016, que é uma derrota de todos os que desejavam sanções; e um “passo decisivo”. Ou seja, uma vitória. E acrescenta que agora é possível “de igual para igual ter uma discussão sobre o Orçamento do Estado livre de chantagens”. Livre de chantagens?! 400 milhões em vez de 360 milhões é menos chantagem? Relatórios trimestrais do ministro aos senhores de Bruxelas é menos chantagem? A ameaça permanente de novas multas, novos ajustamentos, é menos chantagem?

E parece que o BE conclui que já não há “urgência” num referendo sobre o Tratado Orçamental. Porque a Comissão, para já, cancela uma multa de 360 milhões? Que troca por uma imposição de mais austeridade no valor de 400 milhões! De repente, já não é urgente sair do Tratado Orçamental, donde tudo isto decorre? Deixemos de lado que o próprio Tratado Orçamental decorre da UE tal como ela é, ache-se o que se achar do que ela devia ser…

O PCP sempre diz que “não se pode considerar vitória” (sempre segundo o “Público”). Porém, que conclui daí o PCP? O seu líder parlamentar, João Oliveira,“reiterou a proposta de convocação de uma cimeira intergovernamental com vista à suspensão imediata e revogação do Tratado Orçamental, bem como do Tratado de Lisboa”.

Julga-se sonhar. O PCP convoca o governo Costa a convocar Merkel, Hollande, Renzi, Rajoy e acólitos menores para suspenderem e revogarem o Tratado Orçamental de que são autores e herdeiros zelosos?

Está o PCP seriamente a pensar que os trabalhadores portugueses acreditam nisto? Irá o PCP a seguir exigir ao Presidente Marcelo que se reúna com o Cardeal Patriarca para deixar de ser beato?

Para rasgar o espartilho da austeridade eterna, para que os trabalhadores, em Portugal e nos outros países europeus, possam deixar de trabalhar para a salvação eterna dos bancos, é, de facto, obviamente preciso acabar com o Tratado Orçamental e o Tratado de Lisboa. Há outra forma de o fazer que não seja romper com deles? Ou seja, sair da União Europeia, de que eles são pedras basilares? Não há.

28 de Julho de 2016

AZ