O Brexit Queima-lhes os Dedos

O voto da classe operária britânica pelo Brexit, no passado dia 23 de Junho, mostra até que ponto os problemas dos trabalhadores dos países da União Europeia se concentram na resistência à, e ruptura com, a máquina de guerra anti-operária que esta União Europeia representa.

Transidos de medo ante a ameaça de o Brexit ser apenas o primeiro dominó de um movimento de rejeição crescente em todos os países da UE, os dirigentes dos três maiores países restantes, Merkel, Hollande e Renzi, reuniram-se no início da semana em Itália para reafirmar a sua determinação conjunta em aprofundar o curso da UE e fingir que nada se passou. Declararam essa sua profunda “unidade”, falando cada um de coisas diferentes e contraditórias. No fim, Merkel enunciou os consensos que encontraram: intensificação da cooperação dos serviços de espionagem e melhoria da colaboração entre as empresas de armamento europeias (veja-se, por exemplo, a notícia do Financial Times). 

Apresentamos de seguida um largo extracto do editorial do nº 51 do jornal dos nossos camaradas franceses, La Tribune des Travailleurs, assinado por Daniel Gluckstein, que adaptamos no final à situação no nosso país.

A saída do Reino Unido da União Europeia poderá ser adiada… até finais de 2019. 

Ao revelar esta informação, The Sunday Times (de 14 de Agosto) fornece três explicações. 

Primeira: a primeira-ministra Theresa May comprometeu-se a respeitar o artigo 50º do tratado de Lisboa, que prevê dois anos de negociações para sair da União Europeia. 

Segunda: mas Theresa May não accionará o artigo 50º antes do final de 2017. Motivo: o seu governo não consegue recrutar pessoal qualificado para as negociações; acrescendo, diz, ignorar “que perguntas fazer uma vez que se chegue à negociação com a Europa”. 

Terceira: 2017 é ano de eleições gerais em França e na Alemanha. Iniciar negociações antes poderia prejudicá-las. 

Recapitulemos: em 23 de Junho, o povo britânico decidiu soberanamente sair da União Europeia. Pelos vistos, porém, tem de se manter prisioneiro dos tratados e respectivos mecanismos de negociação, da boa vontade das instituições europeias e dos outros governos… 

Nenhum sector significativo da burguesia britânica quer realmente enveredar pela ruptura. Mesmo em crise, a União Europeia continua a ser um instrumento da dominação do capital financeiro norte-americano sobre a economia mundial. Que um sector da classe capitalista britânica queira renegociar um ou outro aspecto dos seus compromissos é uma coisa, mas entrar em ruptura com o capital financeiro dos Estados Unidos é outra bem diferente, a que a burguesia britânica não está disposta, e lá tem as suas  razões! Por isso tergiversa. Por isso o seu governo foge com o rabo à seringa… 

Este Brexit queima-lhes os dedos. 

Bem certo se verifica o comentário do Financial Times no dia a seguir ao referendo : “Foi um voto de classe”; mais especificamente, como esclarecia, da classe operária. 

Só os trabalhadores, a juventude, as camadas populares nada têm a perder com a ruptura, pelo contrário! 

Seja lá como for, a classe operária britânica ir-se-á apoiar no mandato do 23 de Junho, para tentar, com o seu próprio movimento, impor a exigência de ruptura que nele se reflectiu. As greves dos caminhos de ferro em pleno verão são disso uma primeira manifestação. Ninguém duvida que esta questão estará no centro dos congressos do Labour Party e dos Trade Unions, previstos para o mês de Setembro. 

Uma necessidade se impõe, a de constituir uma força operária capaz de ajudar, conscientemente, a realizar a ruptura que se encerra no voto de classe de 23 de Junho. 

Não é idêntico o problema que está na ordem do dia em Portugal? 

De memorandos a troikas, de recomendações a ameaças, sanções e multas, pode o debate político reduzir-se a saber quem, de cada vez que há eleições, terá a honra de aplicar os ditames da União Europeia? 

Romper com a União Europeia, as suas instituições e o seu euro é a única maneira de restabelecer a soberania dos trabalhadores e do povo português sobre o seu destino. 

24 de Agosto de 2016