EUA – Não se pode defender a democracia se o movimento operário não se tornar politicamente independente

Comunicado de La Tribune des travailleurs (França) sobre o resultado das eleições nos EUA

A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos prenuncia novos ataques brutais contra os trabalhadores americanos, os jovens, os negros e os migrantes. Anuncia igualmente, em todos os domínios, novos ataques contra os direitos democráticos, os direitos das mulheres, os direitos sindicais, etc. Anuncia, ainda, o desenfreamento de novas agressões contra os povos do mundo inteiro.

Em França, o anúncio da eleição de Trump é utilizado pelos representantes dos partidos de “esquerda” para apelar à união contra os “populistas e as extremas direitas” (1).

Para os trabalhadores e os militantes que, em França, observam com legítima inquietação os acontecimentos do outro lado do Atlântico, é importante repor os factos.

Ei-los, os factos: a principal responsabilidade pela eleição de Donald Trump recai nas escolhas dos dirigentes do movimento operário americano e das principais organizações negras. Renunciando a uma política operária independente, esses dirigentes deram o seu apoio à candidata de Wall Street e da classe capitalista: Hillary Clinton. Não é uma estratégia nova. Em 2008, os dirigentes da principal central sindical, a AFL-CIO, foram mandatados pelo seu congresso para exigir a instauração de um sistema de seguro de doença baseado no salário diferido, o “single payer health care”, questão central, quando 52 milhões de americanos estavam privados de cobertura médica de qualquer espécie. No entanto, esses mesmos dirigentes decidiram dar o seu apoio ao candidato do Partido Democrata, que não demorou a estabelecer um sistema de seguro privado, para maior benefício dos capitalistas. Esse sistema — Obamacare — deixou 20 milhões de pessoas sem seguro e, a partir do início de 2017, terá por consequência as despesas de saúde das famílias operárias dispararem, o que pesou na rejeição da candidata democrata que se manifestou neste dia 8 de Novembro de 2016.

De maneira mais geral, os planos de desmantelamento da indústria continuaram sob a presidência de Obama, tal como a privatização massiva dos sistemas de saúde e educação. Durante essa presidência, a política de guerra ampliou-se a todo o planeta, acarretando a desagregação de nações inteiras e o êxodo de milhões de pessoas. Sob Obama, os assassinatos de negros pela polícia multiplicaram-se a um ritmo sem precedentes, enquanto o número de migrantes deportados para o México bateu recordes.

É de admirar, nestas condições, que amplos sectores da juventude negra, apesar de mobilizados no movimento Black Lives Matter, se tenham recusado a votar?

É de admirar que amplos sectores da classe operária se tenham abstido? É de admirar que outros, impelidos pelo desespero de um declínio económico e social ininterrupto, se tenham deixado arrastar pela demagogia populista e reaccionária de quem se apresentava como candidato anti-establishment?

Repita-se: mais uma vez se demonstra que a política do “mal menor”, em nome da qual os responsáveis das organizações operárias apelaram a apoiar Clinton, resultou na prática naquilo que eles apresentavam como o “mal pior”, a eleição de Trump.

Já aconteceu antes na história. Aqueles que hoje, em França, em nome da luta contra o “mal menor”, pretendem justificar a aliança com os partidos do governo, mais não fazem do que preparar as condições para o “mal pior” francês.

Em França, como nos Estados Unidos, a defesa da democracia, das conquistas operárias, a luta contra a guerra, contra o racismo, contra a caça aos imigrantes, passa pela independência das organizações operárias.

Recusar a submissão aos partidos e instituições capitalistas de todo a espécie significa, nos Estados Unidos, a necessidade de a classe operária e as organizações negras lançarem os fundamentos da sua própria representação política, fiel aos interesses operários. Significa, em França, combater pela ruptura com a União Europeia e a Vª República, pela revogação de todas as contra-reformas anti-operárias, pela Assembleia Constituinte soberana.

Contra a pior reacção, a frente única dos trabalhadores e das suas organizações, em bases de classe e em plena independência, é a única resposta apropriada.

9 de Novembro de 2016, 17 horas

Nota: (1) Idênticos termos são utilizados nos comunicados publicados hoje pelo Partido Comunista Francês e pelo Partido Socialista.

La Tribune des travailleurs de 16 de Novembro publicará um dossier especial sobre o significado e as consequências da eleição presidencial americana, preparado em conjunto com os nossos correspondentes nos Estados Unidos.