Chile: “Votar sim no dia 25 de Outubro para acabar com as instituições herdadas da ditadura”

Conversa com Sixto Iturra, membro da Aliança dos Trabalhadores e dos Estudantes

Está convocado um referendo para 25 de Outubro. O que está em causa?

Por um lado, convoca-se o povo para votar sim ou não a uma nova Constituição. Por outro lado, convoca-se o povo para se pronunciar sobre o mecanismo de redacção da próxima Constituição. Ou uma comissão mista composta por 50% de representantes do Congresso (Parlamento) actual e 50 % de representantes eleitos. Ou então uma Convenção Constitucional eleita.

Este duplo referendo (que devia ter ocorrido no dia 25 de Abril) reflecte a contradição entre a força imensa do povo, que exige uma mudança profunda e estrutural da política de preservação do regime político, económico, social e institucional instaurado pela ditadura de Pinochet(1). Reflecte a contradição entre o ascenso revolucionário iniciado no dia 18 de Outubro de 2019, por um lado, e o acordo celebrado pelas principais forças da «oposição» com o governo Piñera em 15 de Novembro de 2019, por outro.

Como são as devastações causadas pela pandemia de Covid-19 e as suas consequências sociais?

A população vê-se a braços com uma situação catastrófica sem precedentes. 80 % da população está endividada e 50 % insolvente. O trabalho informal representa 40 % da população activa. O desemprego atinge dois milhões de trabalhadores. Os preços dos produtos alimentares de base e dos serviços aumentaram mais de 30 %, como o pão. As «Marmitas Comuns»(2) têm-se generalizado nos bairros populares. A pandemia aumenta todos os efeitos negativos de um sistema económico em plena decomposição. Grande parte da população é obrigada a sair de casa para ir trabalhar e poder sobreviver, expondo-se, assim, ao contágio, que aumenta sem parar.

Que política tem a «oposição» ao governo Piñera?

A atitude da pretensa «oposição» (que integra os aparelhos do Partido Socialista, do Partido Comunista e da «Frente Ampla») em relação ao plebiscito alinha pela continuidade do «acordo para a paz» assinado à meia noite de 15 de Novembro de 2019. Face a um regime nas últimas e à poderosa mobilização das massas, estes partidos têm tentado erguer um muro contra as reivindicações da população, de modo a preservar o governo Piñera, expressão da continuidade de todos os governos desde 1990. No acordo, falava-se de convocar o referendo, mas subordinando a representação da soberania popular aos partidos actualmente representados no Congresso. O acordo determina um prazo de dois anos, incluindo o plebiscito e a adopção da nova Constituição, o que, na prática, significa que o governo Piñera se mantém por dois anos. Por fim, a «oposição» faz campanha por uma nova Constituição no terreno estritamente jurídico, afastando qualquer reivindicação de ruptura com o sistema económico e social. A maior parte das direcções sindicais actuam em conformidade com esta política da «oposição».

Que posição toma a Aliança dos Trabalhadores e Estudantes quanto ao referendo?

A nossa posição é determinada pelos interesses da grande maioria, a mesma que provocou o rebentar da crise revolucionária em Outubro de 2019. Este referendo, mesmo nesta forma truncada, é fruto da mobilização de milhões pelas suas reivindicações. O governo primeiro adiou e depois tentou anular o referendo, manifestando o seu temor de ele ser agarrado por milhões de pessoas para marcarem a sua vontade de abater as instituições actuais herdadas da ditadura.

Alguns sectores da “esquerda” pronunciam-se pelo boicote, pois, dizem, o plebiscito decorre do acordo reaccionário de 15 de Novembro de 2019. O que é exacto. A Aliança dos Trabalhadores e Estudantes considera que o que deve pautar a articulação de uma palavra de ordem eleitoral é a ajuda ao reforço da luta social. Nesse ponto de vista, consideramos que há que tirar as lições do referendo de 1988 (referendo que se traduziu em votar sim ou não à manutenção do ditador Pinochet no poder até 1997, tendo o voto não vencido com 56 % – ndr). À época, tal como hoje, o referendo fora convocado para tentar preservar a ditadura de Pinochet contra a mobilização revolucionária das massas recorrendo à pretensa «transição democrática». Apesar de tudo isso, as massas apoderaram-se da votação no não para se desfazerem de Pinochet.

Hoje, se bem que em condições diferentes, apelar a votar sim (a uma nova Constituição – ndr) no dia 25 de Outubro, é votar para acabar com o quadro jurídico actual, herdado da ditadura e mantido por todos os governos que lhe sucederam. Nós, que somos partidários da Assembleia Constituinte soberana, entendemos que a mobilização pelo voto sim, estreitamente articulada com o conjunto das reivindicações, ajudará a reforçar a mobilização popular para impor as mudanças estruturais de que o país tem urgente necessidade.

Notas
(1) Saída do golpe de Estado de 11 de Setembro de 1973 com a ajuda da CIA, a ditadura militar do general Pinochet no Chile esmagou sangrentamente o movimento operário e instaurou as piores medidas anti-operárias, ditadas por economistas americanos apodados de «Chicago Boys». Depois de 1988, o essencial das instituições da ditadura (mormente a Constituição pinochetista de 1980) preservou-se na forma da «transição democrática», chamada Concertação, em que participam os dirigentes do Partido Socialista e do Partido Comunista.
(2) As « Marmitas Comuns» são sopas populares cuja origem remonta aos primórdios do movimento operário chileno, para alimentar os operários durante as greves. Sob a ditadura de Pinochet, vieram a ser focos de resistência ao regime militar.

Declarações recolhidas em 10 de Setembro para o semanário francês La Tribune des Travailleurs por Dominique Ferré