Trump Ameaça com Golpe de Estado

Ao ler estas linhas, o dia das eleições presidenciais americanas já terá passado. Nas semanas recentes, Trump tem anunciado que não aceitará os resultados se estes não lhe derem a vitória. Apela abertamente a grupos fascistas para se manterem a postos para o que der e vier. O clima é de guerra civil e sinal da crise extrema que atravessa a classe dominante do principal país imperialista. Publicamos aqui um texto da LFN, Rede de Resistência Trabalhista, que apresenta a saída do movimento operário dos EUA para a crise.

O sistema de governo dos EUA enfrenta uma crise política de uma qualidade e magnitude sem precedentes desde a Guerra Civil. É a primeira vez que um presidente dos Estados Unidos afirma reiteradamente que não admitirá a derrota se perder a reeleição. Não é uma ameaça fútil, quando faltam menos de duas semanas para a eleição.

Tem Trump poder para fazer um golpe? Um extenso artigo publicado recentemente pela revista The Atlantic refere que há pouca coisa que legalmente lho impeça. Subjaz ao nosso sistema a ideia de transição pacífica de poder. Não havendo mecanismos processuais óbvios para responder a tal ameaça. Trump ameaçou, se necessário, com intervenção militar das mesmas forças armadas do Ministério do Interior e da guarda de fronteira que mandou para Seattle e Portland atacar os manifestantes do Black Lives Matter. Quando lhe pediram que repudiasse o supremacismo branco, mandou os bandos racistas (“milícias”) “recuar e manter-se a postos”, mal disfarçado chamamento do reflexo condicionado preparatório de uma intervenção violenta.

Há muito quem já se esteja organizando para intimidar e agredir eleitores no dia da eleição. Mais, Trump pode contar com a polícia racista para apoiá-los na empresa. Por enquanto, não tem o apoio das forças armadas, nem do FBI (que declarou as milícias supremacistas brancas principal ameaça terrorista interna), nem de sectores de outras agências de espionagem e informação federais. Resta saber se todos eles interviriam para parar um golpe. Alguns generais disseram que preferiam demitir-se a mandar tropas reprimir protestos, mas isso apenas deixa caminho aberto para outros cumprirem as ordens.

Acresce que o Partido Democrático não montou nenhuma resistência efectiva. Em última análise, ambos os partidos respondem perante os seus financiadores empresariais, da classe dominante, não perante os seus eleitores. É do interesse da classe dominante continuar as políticas desastrosas quer de Trump quer de belicistas neoliberais como Biden. Se as coisas derem para o torto, é real o risco de os democratas concederem a vitória a Trump para evitar mais comoções económicas e das instituições em que o sistema capitalista se sustenta. Desde já desistiram de recorrer a meios eficazes para bloquear Amy Coney Barrett, a juiz  nomeada por Trump para o Supremo Tribunal. E têm respondido em termos quase estritamente legalistas à supressão de eleitores das listas e à fraude eleitoral. O que pode dar em a eleição acabar por ser decidida por um Supremo Tribunal propenso a apoiar Trump.

Seja qual for o desfecho final, os próximos meses vão ter impacto histórico decisivo. Enquanto lutamos contra uma pandemia letal, uma depressão que se aprofunda, o alastramento da brutalidade policial e ataques dos supremacistas brancos e nos vemos continuamente assolados por furacões e incêndios florestais, tudo isto com efeitos já de si desproporcionais para os já marginalizados, arriscamo-nos a perder os nossos direitos democráticos mais elementares. Se assim acontecer, arriscamo-nos também a ter uma guerra civil e a escorregar para o fascismo propriamente dito — algo que a maioria dos trabalhadores americanos não teria, até há poucos meses, considerado como ameaça iminente, mesmo considerando a pressão que se tem acumulado ao longo de muitos anos. Se perdermos os nossos direitos democráticos, defender-nos tornar-se-á muito mais difícil e perigoso. À medida que o capitalismo se vai desmoronando, é perfeitamente previsível que as crises continuem e piorem. O tempo que resta à humanidade para superá-las está literalmente a chegar ao fim.

Tem sido a pressão criada pela pandemia, pelas agressões racistas, pela sobrevivência económica e pelos desastres climáticos o que tem preocupado a maioria das pessoas neste país. Só nas últimas semanas é que grande número de grupos, além do esforço voluntário e abnegado para ganhar a votação, começou a dar prioridade à ameaça. Têm surgido por todo o país frentes locais de organizações sindicais, religiosas, ambientais, pela justiça económica, anti-racistas e pela igualdade entre homens e mulheres, assim como iniciativas nacionais como Protect the Results (“Defender o Resultado”), uma frente politicamente variada que abrange o CWA e o SEIU, que representam mais de 2 milhões de trabalhadores, ou The Frontline (“Linha da Frente”), encabeçada pelo Working Families Party (“Partido das Famílias Trabalhadoras”)  e pelos fundadores do movimento Black Lives Matter, que apela aos liberais com simpatias de esquerda. Uma iniciativa mais radical de esquerda — a People’s Strike, ou “Greve Popular” — pôs em circulação um compromisso para participar em manifestações, ocupações e greves alternadas entre o dia das eleições e a posse, com uma lista de reivindicações a favor da classe trabalhadora. Há, por fim, muitas iniciativas locais promissoras.

Como sindicalistas, reconhecemos que o movimento sindical organizado podia desempenhar um papel decisivo nesta luta. Graças à possibilidade que temos de paralisar o trabalho, podemos impedir a usurpação de Trump. O Labor Fightback Network (LFN), “Rede de Resistência Trabalhista”, aplaude o apelo da União dos Sindicatos de Rochester (Estado de Nova Iorque) a uma greve geral depois das eleições no caso de Trump não ceder o poder. No entanto, é improvável que isso se consiga sem um apelo vindo dos dirigentes sindicais de topo. Por enquanto, não houve. Um cenário mais provável é que protestos massivos, com participação sindical, se transformem primeiro em greves locais e depois numa onda de greves massivas que os dirigentes sindicais se vejam obrigados a apoiar.
É verdade que Rich Trumka, presidente da principal central sindical, a AFL-CIO, proclamou numa declaração que “o movimento sindical pura e simplesmente não permitirá nenhuma violação da Constituição dos EUA nem outras jogadas que visem denegar a vontade do povo” e a AFL-CIO “(…) estará a postos para fazer o que lhe compete para garantir que à derrota (de Trump) nestas eleições se siga a sua remoção do cargo.” Mas o que é “o que lhe compete”? Na opinião do LFN, manifestações de massa são absolutamente necessárias, mas poderão não ser suficientes, especialmente durante a actual pandemia. O risco de exposição à COVID, mais a repressão violenta, tanto por forças do Estado como por facínoras supremacistas brancos, poderão tornar difícil mobilizar um número verdadeiramente massivo de pessoas para as ruas dias ou semanas a fio. Paralisar o trabalho não só é intrinsecamente mais eficaz, como, dadas as circunstâncias, poderá ter muito mais apelo.

Que podemos nós, sindicalistas, fazer nesta semana final?

Primeiro, temos de continuar a defender o direito de voto; impulsionando o voto antecipado e postal e apoiando os correios americanos. Se não pertencermos a grupos de alto risco para a COVID, inscrevamo-nos como colaboradores e observadores das secções de voto, garantindo que eleitores que possam ser objecto de racialização consigam votar em segurança.

Em segundo lugar, temos de organizar as manifestações convocadas por alianças nacionais ou locais, muitas das quais já desfrutam de apoio sindical; e organizar-nos internamente nos nossos sindicatos para garantir uma alta taxa de participação. Os protestos são necessários mesmo que Trump perca e desista dos seus planos de golpe, pois Joe Biden tem que perceber que os trabalhadores irão resistir às suas políticas anti-operárias. Para dar um exemplo, mesmo em plena pandemia, Biden nega-se a apoiar o Medicare para Todos (Medicare é o seguro de saúde nacional que só cobre actualmente os cidadãos com mais de 65 anos, NdR),.

Em terceiro lugar, temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para dar força aos apelos à greve. Mesmo pequenas greves locais podem transformar-se num movimento grevista massivo. Isso mesmo mostrou o movimento Red for Ed, (“de vermelho pela educação”, movimento grevista dos professores — NdR) que, há dois anos, obrigou os dirigentes sindicais a darem-lhe o seu apoio.

Por último, temos de considerar o longo prazo. A defesa do direito elementar ao voto e à transição pacífica do poder é essencial neste momento. Contudo, é igualmente necessário continuar a construir uma autêntica alternativa política aos democratas e republicanos. Apelamos a juntar-vos a nós na construção do Labor and Community for an Independent Party (LCIP), “Movimento Trabalhista por um Partido Independente”, iniciativa que visa criar uma alternativa aos partidos gémeos dos patrões, que, ambos, nos trouxeram até este assustador momento histórico.