EUA – O Assalto ao Capitólio Alimenta a Crise Política

Declaração de Socialist Organizer

A Solução é Salvar o Povo Trabalhador, não Wall Street!

O basquetebolista estrela da NBA Draymond Green, da equipa dos Golden State Warriors, não foi de falinhas mansas ao denunciar com que luvas de pelica a polícia tratou os desordeiros que saltaram por cima das barreiras do Capitólio e o invadiram no dia 6 de Janeiro:
Não mudou nada: se tivessem sido negros a saltar por cima das barreiras do recinto do Capitólio, antes de conseguirem chegar ao edifício já teriam sido todos abatidos a tiro. (…) O sistema policial foi construído contra os negros e pessoas de cor. Por isso nos recebem a tiro quando exigimos igualdade de tratamento [ao passo que] esta gente consegue romper à força até ao gabinete da presidente da Assembleia e pôr os pés em cima da mesa como se estivesse lá em casa sentada no sofá.
Green tem absoluta razão. A turba sentia-se forte. Fora convocada pelo presidente dos Estados Unidos para invadir o Capitólio e “reconquistar o país” — apelo explícito a cercar o Capitólio. Trump, a pessoa com maior responsabilidade na violência da direita, incluindo as cinco mortes, chamou-lhes “patriotas”.
Porém, a tentativa de insurreição falhou. Trump fora longe demais no seu desesperado intento de se manter no poder. Um regime cada vez mais autoritário ao serviço de Wall Street, como o que existiu nos últimos quatro anos, era perfeitamente aceitável para quem manda na América. A América empresarial viu os seus lucros dispararem, em grande parte graças a reduções fiscais e desregulamentação, enquanto milhões de trabalhadores perdiam emprego, poupanças e casa.
No entanto, o risco era que o bando de capangas largado por Trump desestabilizasse o regime político já em crise cada vez mais profunda, fustigado por uma pandemia em alta, o início de uma grande depressão económica e profunda agitação política em todos os quadrantes. Estava em jogo a estabilidade das instituições políticas do capitalismo, contra a qual Trump tem atentado.
A classe dominante dos EUA — dos altos executivos das 150 maiores empresas dos Estados Unidos à National Manufacturers Association anti-operária, à elite política dos dois partidos capitalistas, aos meios de comunicação capitalistas do país e aos altos escalões das Forças Armadas — denunciaram a uma só voz o “ataque terrorista interno”.
A Daimler, que fabrica carros nos Estados Unidos, fez-se eco da opinião de inúmeros ​​CEOs ao declarar: “Precisamos de um quadro político fiável e estável”.
Até os aliados mais próximos de Trump — incluindo o vice-presidente Mike Pence, o cabeça da maioria no Senado, Mitch McConnell, e o senador de direita Lindsey Graham — , que vinham, todos eles, alimentando sem falha a violência reaccionária, ao denunciarem a pretensa ilegitimidade das eleições de 3 de Novembro, abandonaram o barco no intuito de preservar as instituições do poder capitalista e da dominação imperialista.
Todo a classe política saudou a “vitória da democracia”, quando o Congresso se reuniu durante toda a noite para certificar uma eleição para uma das instituições mais reaccionárias e antidemocráticas do país: o Colégio Eleitoral, um órgão que, nos últimos anos, sonegou, no golpe constitucional de 2000, o voto da maioria do povo em Al Gore e, em 2016, em Hillary Clinton. Que ironia a bandeira confederada desfilar pela Rotunda do Capitólio enquanto os senadores e representantes do duopólio capitalista se reuniam nas câmaras do Congresso para dar andamento aos trâmites finais do acordo reaccionário feito, na Convenção Constitucional da República nos seus inícios, com os Estados esclavagistas.
Toda a classe política uniu a sua voz ao presidente eleito Joe Biden para apelar à “unidade nacional” para “restaurar a nossa democracia”, “sarar a divisão entre democratas e republicanos” e “pôr a economia outra vez nos eixos”. O Democrata moderado Biden, em particular, saudou a vitória democrata nas duas corridas eleitorais para o Senado na Geórgia, do mesmo passo que instava por uma colaboração estreita com os “republicanos anti-Trump” para derrotar as propostas legislativas “pró-socialistas” do “Squad” (as quatro deputadas da esquerda do Partido Democrata eleitas há dois anos) e as propostas “pró-Trump” dos senadores Josh Hawley e Ted Cruz, os dois que estão a manobrar para serem herdeiros da base de Trump.
Operação Cooptação
Com as suas escolhas ministeriais, Biden já deixou claro que “pôr a economia outra vez nos eixos” quer dizer dar andamento ao programa capitalista — portanto mais austeridade, privatizações, desregulamentação e despedimentos. Os patrocinadores de Biden na Wall Street anunciaram que a dívida massiva acumulada à conta dos vários pacotes de estímulo relacionados com a pandemia terá de ser paga.
A mensagem é inequívoca: os orçamentos, o federal, os dos Estados e os autárquicos serão equilibrados à custa dos trabalhadores.
Por isso, uma das principais prioridades do próximo governo é angariar apoios no movimento sindical para este plano de “recuperação económica” capitalista. Vai-se deitar muita promessa e alguns rebuçados ao movimento sindical (um aumento do salário mínimo e um modesto aumento dos impostos sobre os multimilionários) para ofuscar o movimento operário com essa operação de cooptação capitalista. Ora, os sindicatos serão convidados a aceitar cortes salariais em grande escala (as empresas já estão a fazer pressão para fazer cortes salariais até 30%) em nome da preservação do emprego. E, se for para manter os salários, que então serão inevitáveis reduções de postos de trabalho. São essas as opções que Wall Street e os políticos a seu soldo oferecem ao movimento sindical.
A chave desse esforço de cooptação é integrar Bernie Sanders e os seus apoiantes, posto que em papel meramente subalterno. Wall Street deixou claro que não aceitava que Sanders fosse ministro do trabalho; que era demasiado agressivo, quando a ordem do dia capitalista era a colaboração entre trabalhadores e patrões (Biden escolheu para número um da pasta do trabalho o presidente da Câmara de Boston, Martin Walsh, antigo dirigente do Conselho dos Sindicatos da Construção da Área Metropolitana de Boston).
Sanders vai ser preciso, no entanto, como ajudante do presidente. Biden anunciou que iria viajar por todo o país com Sanders, “para se reunir com os homens e mulheres que, nesta economia, se sentem esquecidos e deixados para trás (…) para discutir o programa, que é de ambos, de dar mais poder aos trabalhadores e proteger a dignidade de todos os trabalhadores no trabalho”.
De uma coisa se pode ter a certeza: de que o giro de Biden-Sanders não será para promover o Medicare para Todos (Seguro de Saúde Universal), há muito defendido por Sanders, mas veementemente rejeitado por Biden. O que é de esperar é que o giro promova uma versão “melhorada” do Affordable Care Act, assente em seguros privados (a Lei de Cuidados Acessíveis de Obama), que pouco fez para resolver a crise sanitária do país durante a pandemia. Sim, vão-nos dizer, o Medicare for All é um objectivo que vale a pena, só que, agora, não.
Podemos ter a certeza de que o giro de Biden e Sanders não servirá para apoiar a EFCA, a Lei de Livre Escolha para os Empregados, muito prometida por Obama em 2008, durante a sua campanha presidencial, mas esquecida logo que ele tomou posse. Nos termos da EFCA, criavam-se regras equitativas: se a maioria dos trabalhadores dum local de trabalho se sindicalizasse (“critério de filiação”), o sindicato passaria a ser reconhecido.
Nem sequer está claro se irá haver um esforço concertado da nova administração para obter a aprovação imediata de uma versão diluída da EFCA, conhecida como Lei PRO: Lei de Protecção do Direito de Organização (a Lei PRO tem muitas disposições boas, mas deixa de fora a peça central da EFCA — o critério de filiação). É muito mais provável que a Lei PRO ainda seja mais enfraquecida por “compromissos” e a seguir descartada, como acabou por acontecer à EFCA.
Também podemos ter a certeza de que o giro de Biden e Sanders não comportará a redução do orçamento militar para financiar necessidades humanas, nem o encerramento de bases americanas em todo o mundo, nem cortes do orçamento da polícia para reafectar esses fundos a serviços sociais, nem a libertação de presos políticos e a revogação de todos os acordos de “livre comércio” anti-operários.
As tarefas que se nos colocam
São múltiplas as tarefas que temos pela frente na luta pela democracia para os trabalhadores.
Primeiro, há que entender que a ameaça extremista de direita não vai desaparecer. Os sabujos de Trump, inchados com o que acham que foi a “insurreição” bem-sucedida de 6 de Janeiro e convencidos de estarem a falar em nome dos 74 milhões de eleitores de Trump (o que está longe de ser verdade), ameaçam criar o caos nas capitais federais e estaduais do país no dia da posse, de armas na mão.
Além disso, os legisladores republicanos estão planeando intensificar o escamoteamento de eleitores em todo o país e continuar a minar direitos fundamentais de voto e direitos democráticos, Estado a Estado. Um alvo específico são os eleitores negros.
A resposta a estas ameaças não pode ser apoiar a política de “unidade nacional” da classe dominante, receita desastrosa, que só vai ajudar a escorregar para um regime fascista.
A resposta tem de estar em o movimento operário e sindical ser o paladino dos direitos democráticos fundamentais — não enfrentando os capangas de Trump (o que só faz o jogo deles e instiga mais apelos à “ordem e à autoridade”), mas sim avançando com acções independentes de massas que dêem voz à maioria da classe trabalhadora. Acção independente de massas e unidade da classe trabalhadora numa perspectiva de resistência, passando pelo apoio pleno à autodeterminação negra, são a melhor maneira de repelir os racistas de direita e gente dessa laia.
Mais genericamente, o movimento operário e sindical terá de encabeçar a luta pela democracia para os trabalhadores — isto é, a luta por soluções claras para as nossas reivindicações urgentes de trabalho, saúde, habitação, educação, direitos iguais para todos e muito mais.
Para garantir que nossas reivindicações sejam satisfeitas, o movimento operário e sindical tem de romper com a sua subordinação ao Partido Democrático. Além de mobilizar os seus milhões de filiados em aliança com os seus aliados nas camadas populares e oprimidas em acções independentes de massas na rua, o movimento sindical tem de iniciar a ruptura com os democratas na arena política, aliando-se a organizações populares e de sectores oprimidos para apresentar candidatos do movimento sindical e popular, independentes, ao nível local.
Entre as reivindicações que dão soluções claras para os trabalhadores estão as seguintes:
— Medicare para todos / Seguro de saúde público universal!
— Lei de Livre Escolha para os Empregados já!
— Nenhum corte nos serviços sociais; nenhum despedimento, nenhuma concessão ao pagamento da dívida capitalista – Resgatar os Trabalhadores, Não Wall Street!
— Garantia dos direitos reprodutivos!
— Fim dos despejos, alojamento a preços acessíveis garantido a todos!
— Educação pública gratuita de qualidade; não às escolas licenciadas e aos “créditos escolares”!
— Investimento massivo em obras públicas para dar de novo trabalho, pago pela tabela sindical, aos 30 milhões de desempregados!
— Investimento maciço em hospitais, equipamento de proteção adequado e investigação para enfrentar o flagelo da COVID-19, que ceifou sete vezes o número de vidas de soldados americanos mortos no Vietname!
— Protecção e ampliação dos direitos humanos para todos; fim dos crimes de ódio contra a comunidade LGBTQ!
— Cortes nos orçamentos da polícia e reafectação das verbas a programas sociais urgentemente necessários; fim das prisões em massa, libertação de todos os presos políticos; alargamento da taxa de participação eleitoral!
— Fim de todas as deportações de imigrantes sem papéis, cidadania para todos, encerramento dos centros de detenção e revogação dos acordos de “livre comércio”, que destroem empregos tanto do lado de cá como do lado de lá da fronteira!
— Fim das guerras e intervenções americanas por todo o mundo; corte do orçamento militar e reafectação das verbas à criação de empregos e aos serviços sociais.
Lutar pela independência do movimento operário e sindical em relação aos patrões, no local de trabalho, e aos seus representantes nos dois partidos capitalistas é a tarefa mais urgente do momento. É assim que conseguimos dar conteúdo social à democracia, sem o qual só fica a forma ou a aparência de democracia e não a sua substância.

10 de Janeiro de 2021