Portas abertas a todos os refugiados afegãos!

Declaração de Socialist Organizer (IVª Internacional – EUA) sobre o discurso de Biden acerca da retirada das tropas americanas do Afeganistão

Nos últimos vinte anos, o povo trabalhador e a juventude dos EUA  – especialmente os activistas que há décadas se têm oposto às guerras imperialistas e às intervenções dos Estados Unidos, do Vietname ao Iraque – tem apelado à retirada das tropas americanas do Afeganistão.

A oposição à guerra dos EUA no Afeganistão foi alimentada pelas mentiras sem conta propaladas por quatro administrações diferentes, todas, porém, em nome da postiça “guerra contra o terrorismo”, a justificar os massacres cuja exclusiva responsabilidade é do Estado americano.

Gene Bruskin, co-fundador do US Labour Against the War, recapitulou da seguinte maneira o custo global da guerra:

As contas de vinte anos de guerra americana no Afeganistão são trágicas: sofrimento imenso, morte, empobrecimento, milhões de afegãos deslocados, quando era supostamente em nome do povo afegão que os EUA se estavam a bater; centenas de milhar de milhões de dólares enfiados nos bolsos da indústria da guerra; milhares de milhões de dólares perdidos para empreiteiros americanos corruptos e dirigentes afegãos; milhares de soldados americanos mortos e feridos, a maior parte oriundos da classe operária, e prejuízo incalculável para os que ficaram a sofrer de stress pós-traumático.”

A guerra acabou mesmo?

No seu discurso à nação de 31 de Agosto sobre a retirada das tropas americanas do Afeganistão, o presidente Joe Biden afirmou que “na noite passada, em Kabul, os Estados Unidos puseram termo a vinte anos de guerra no Afeganistão.

Mas a guerra terá mesmo acabado? A resposta é: “não”; passou simplesmente a ser outro tipo de guerra.

Biden elucidou-o: “Não precisamos de travar uma guerra terrestre para o conseguir. Nós dispomos daquilo a que se chama “capacidades além-horizonte”, o que quer dizer que podemos atingir os terroristas e alvos sem termos botas americanas no terreno, ou muito poucas se for preciso.

Entre as capacidades além-horizonte incluem-se os letais drones armados, muitos deles descontrolados e mal guiados, que têm matado dezenas de milhares de civis afegãos, 40% deles crianças. Um artigo de opinião publicado pelo Los Angeles Times em 2 de Setembro observava acutilantemente: “Para os afegãos aterrorizados pelos constantes bombardeamentos por drones, esta guerra não acabou.”

Os objectivos militares globais do imperialismo americano no Afeganistão e na Ásia Central, assim como em todo o Médio Oriente, não mudaram. Modificaram-se apenas os seus moldes. “Ultrapassar este estado de espírito e este género de mobilizações de tropas em grande escala dar-nos-á mais força e mais eficácia”, comentou Biden.

Ajudar a construir uma nação democrática?

Ouvindo o discurso de Biden, poder-se-ia pensar que o objectivo dos EUA no Afeganistão tem sido promover a democracia e a soberania nacional.

Hipocritamente, Biden disse que “assistimos a como uma missão contra-terrorista no Afeganistão, destinada a conseguir que os terroristas deixassem de atacar, se metamorfoseou em contra-insurreição, em construção nacional, no intento de criar um Afeganistão democrático, coeso e unido.

Que raio de Afeganistão democrático e unido poderia alguma vez emergir de um regime fantoche a soldo dos interesses imperialistas americanos – um regime que espezinhou as aspirações democráticas do povo afegão e travou uma guerra “made in USA”, uma guerra que matou mais de 240.000 afegãos?

Terá emergido dos bombardeamentos e da guerra dos EUA e da NATO na Líbia uma Líbia democrática e unida? Não! Dizimou-se uma nação, entregada à luta pelo poder entre grupos armados rivais. As sanções americanas contra nações de todo o mundo promovem a construção nacional e a democracia? Não! É exactamente o contrário: tais políticas destroem nações e forçam milhões a fugir para o exílio.

O mesmo acontece com os acordos de “comércio livre” impostos pelos EUA, outra forma de guerra, que desmantela o tecido industrial e agrícola de um país atrás do outro, a benefício dos interesses das empresas americanas.

Nunca em tempo algum as guerras e ocupações americanas promoveram a democracia, a paz ou a soberania das nações.

Aliás, Biden não esconde que assim é, ao, mais à frente, reconhecer que os Estados Unidos só se podem nortear por uma coisa: a promoção dos “interesses essenciais da segurança da América”. Exactamente a mesma fórmula usada para justificar a as guerras americanas no Vietname e no Iraque.

Virar-se para a confrontação com a China 

Biden salientou o “mundo em mudança” em que a China, especialmente, se terá tornado numa “nova ameaça” para os Estados Unidos. Acrescentou:

Estamos envolvidos numa competição séria com a China. Enfrentamos desafios com a Rússia em múltiplas frentes. Debatemo-nos com ciber-ataques e com proliferação nuclear. Temos de apoiar a competitividade americana para vencer estas desafios e a competição pelo séc. XXI.

O objectivo é claro: os capitalistas americanos precisam de conquistar novos mercados para compensar a queda da taxa de lucro do capitalismo – e, para tal efeito, precisam de deitar abaixo as relações de produção socializadas na China, que, apesar das incursões do capitalismo, continua a ser um obstáculo de monta ao sistema global assente na propriedade 

privada dos meios de produção. 

Biden explicou que os Estados Unidos já não podiam continuar no Afeganistão porque a China e a Rússia se aproveitariam de os EUA ficarem atolados no pântano afegão, quando o país precisava era de concentrar esforços na resposta às “ameaças” russa e chinesa.

Biden fez contas, dizendo que se gastaram mais de 2 biliões de dólares no Afeganistão. “Sim”, comentou Biden, “mais de 300 milhões de dólares por dia durante duas décadas.

Quem vai beneficiar?

Que fins atribuirá a administração Biden aos 2 biliões “poupados” da guerra no Afeganistão?

Irão estes financiar um sistema de saúde universal (Medicare for All) ou consolidar os fundos de pensões dos trabalhadores? Irão servir para garantir a todos os trabalhadores um salário decente e um posto de trabalho com protecção sindical e, para começar, um aumento do salário mínimo para 15 dólares/hora? Irão preservar e melhorar um sistema de ensino público da creche à universidade ou servir para construir habitação social a uma escala de massas?

Irão servir para assegurar o financiamento integral de um programa legal de investimento na infra-estrutura e um New Deal verde? Irão servir para reverter a ofensiva de privatizações que nos está desmantelando os serviços públicos – e, especialmente, os nossos correios? Irão financiar o ressarcimento das vítimas da escravatura e respectivos descendentes?

Todos sabemos a resposta: não, os 300 milhões de dólares diários gastos no Afeganistão NÃO serão reafectados a nenhum destes programas vitais do interesse do povo trabalhador e dos oprimidos – conquanto algumas verbas possam gotejar aqui ou ali, de modo que pareça que se faz alguma coisa!

As verbas libertadas pela guerra americana no Afeganistão só vão servir para duas coisas: por um lado, vão preparar novas guerras, por exemplo contra a China ou outros povos, e é por isso que se não pára de soprar o orçamento militar dos EUA (um painel da Câmara de Representantes acaba de solicitar uma nova verba de 3.700 milhões de dólares para as tropas, a acrescentar aos 753.000 milhões que Biden pede para o ano fiscal de 2022). 

Por outro lado, as verbas vão ser usadas para continuar a ajudar e financiar os capitalistas, em nome da “recuperação”, mas, na realidade, para apoiar as margens de lucro dos banqueiros de Wall Street.

Fim à guerra, nos EUA e no exterior! Portas abertas aos refugiados do Afeganistão!

Em todas as matérias de política externa – das “ameaças” russa e chinesa à chamada “guerra contra o terrorismo” no Médio Oriente, à mal disfarçada ocupação do Haiti e aos longos anos de sanções a Cuba e à Venezuela, entre outras – Biden tem continuado e, em certos casos, acelerado a guerra dos EUA contra os trabalhadores e povos oprimidos de todo o mundo.

Outro tanto se passa com a guerra contra os trabalhadores e os oprimidos no próprio país.

Muito se tem falado do apoio de Biden à lei PRO (um bom diploma, que viria finalmente facilitar o direito a formar sindicatos). Ouve-se falar de um projecto de lei em matéria de infra-estruturas e de luta contra as alterações climáticas. Ouve-se falar na necessidade de afirmar os direitos dos imigrantes. Mas que realidade se esconde atrás desta retórica?

Biden podia acabar com o filibuster (veto obstrutivo da minoria no Senado) e fazer pressão sobre os senadores democratas “moderados” (sobretudo Krysten Sinema e Joe Manchin) para eles promulgarem a referida legislação. Mas é o contrário, Biden refugia-se atrás do filibuster e dos seus aliados renitentes, argumentando que acabar com o filibuster daria azo a uma “crise institucional” que poderia prejudicar muito o país. Uma desculpa muito prática. Resultado: pouco ou nada se faz.

Biden poderia tramitar todos os pedidos de asilo e promulgar uma lei que atribuísse documentos a todos, conferindo a cidadania a mais de 11 milhões de imigrantes sem papéis que vivem na sombra pelos Estados Unidos fora, pagando embora impostos. Em vez disso, continua a enjaular crianças imigrantes e a recusar-se a lidar com a crise humanitária na fronteira – seguindo as pegadas de Donald Trump.

O que põe a questão das centenas de milhares de refugiados do Afeganistão. 

É vergonhoso os dirigentes do movimento sindical nada dizerem sobre o destino dos refugiados afegãos. Vão todos simplesmente a reboque de Biden.

Em 26 de Agosto, as deputadas Barbara Lee (democrata da Califórnia, único membro do Congresso que votou contra a guerra no Afeganistão) e Alexandra Ocasio-Cortez (democrata de Nova Iorque) dirigiram uma carta ao presidente Biden, apelando a aumentar o tecto do número de admissões de refugiados nos Estados Unidos. A carta aponta no bom sentido, embora deixe a fasquia muito baixa. A carta a Biden apela a aumentar o número total de refugiados admitidos nos EUA, de todos os países, para, no mínimo, 200 mil no próximo ano. A administração Trump baixara o tecto para o número de refugiados para o valor historicamente baixo de 15 mil. Durante a campanha presidencial, Biden comprometeu-se a “fixar o tecto anual global para a admissão de refugiados em 125 mil.

As duas legisladoras escreveram a Biden:

Enquanto o povo do Afeganistão lida com a tragédia que se desenrola à frente dos nossos olhos, os Estados Unidos têm de abrir as suas portas aos refugiados que fogem das consequências devastadoras de uma ocupação militar americana com 20 anos e de 40 anos de guerra fomentada pelos EUA.

Ao fim de décadas de desastrosa intervenção americana no Afeganistão, uma coisa é clara: temos a responsabilidade moral de oferecer um porto seguro e um refúgio ao povo afegão. Agora a agudização da crise humanitária continua a expor a horrível factura das nossas guerras sem fim. Os Estados Unidos têm de fazer tudo o que está no seu poder para proteger todos os que arcaram com a pior parte deste conflito de décadas, especialmente os afegãos que correm um risco acrescido de perseguição ou morte às mãos dos talibãs.

Numa entrevista separada, a deputada Ocasio-Cortez declarou:

O papel dos Estados Unidos neste crise não sofre contestação. Não podemos poupar esforços nem perder tempo, temos de ajudar os refugiados a saírem do Afeganistão em segurança. Devemos acolhê-los de imediato nos Estados Unidos e prestar-lhes todo o apoio de que precisam para reconstruir as  suas vidas.

Aos dirigentes do movimento sindical, dizemos: apoiem o apelo das deputadas Lee e Ocasio-Cortez; parem de se pôr de joelhos ante o Partido Democrático! Acolham TODOS os refugiados do Afeganistão e de todos os outros países dilacerados pelas guerras e ocupações americanas!

É agora que é preciso salvar vidas!

Portas abertas a todos os refugiados afegãos!

Reafectação dos milhares de milhões da guerra à criação de emprego, aos serviços públicos, à habitação social, ao ensino público de qualidade da creche à universidade, à luta contra as alterações climáticas e ao Medicare for all!  

6 de Setembro de 2021

*Socialist Organizer: organização que defende a política da IVª Internacional e do CORQI nos Estados Unidos.