Em Nome do Ambiente, o Saque do Ambiente

Mina “Los Pelambres”, Chile

O semanário alemão “Der Spiegel”, maior órgão da imprensa alemã séria, com impecáveis credenciais verdes/liberais, publicou no seu número de 30 de Outubro de 2021 uma história titular intitulada “Saque em Nome do Ambiente”. O chefe de redacção anunciava assim a reportagem da revista sobre “o dilema da luta contra as alterações climáticas”: “Para salvar a Terra, parece que vamos ter de dar cabo de grande parte dela. As tecnologias verdes – energia solar, eólica, carros limpos – carecem de quantidades inimagináveis de matérias-primas, como cobre, lítio e cobalto. Para extraí-las, vai ser preciso que grandes grupos mineiros com operações à escala global transformem regiões gigantescas em paisagens lunares.

As paisagens lunares que se preparam

É talvez natural que o que primeiramente preocupe um jornal burguês com preocupações ambientais seja a transformação de idílicas paisagens naturais terrenas em paisagens lunares.
No entanto, se, já hoje, para produzir “moda barata”, o capitalismo de pilhagem explora operárias têxteis do Bangladeche até as fábricas lhes caírem em cima da cabeça, imagine-se o que acontecerá quando os governos capitalistas aplicarem (isto é, entregarem) milhares de milhões em subvenções aos conglomerados da mineração, da energia, etc., para eles “irem buscar” o cobre, o lítio, o cobalto, a balsa e outras matérias- primas indispensáveis à “transição verde” – em quantidades “hoje inimagináveis”, como diz o Spiegel.
Em tal caso, as “paisagens lunares” não serão só paisagens naturais. Serão paisagens humanas. Para a imprensa liberal, assunto menos interessante.
Para os trabalhadores e o movimento operário porém, questão de vida ou de morte.
A balsa, madeira leve e rara praticamente só existente em florestas do Equador, necessária para produzir turbinas eólicas, tornou-se alvo de uma “corrida” à matéria-prima. Resultado: o habitat das populações locais está em risco de devastação.
Ao lado, o Der Spiegel descreve  o que acontece às populações vizinhas da maior mina de cobre do mundo, no Chile.
Não é, assim, natural  que as populações  de Montalegre se mostrem profundamente desconfiadas com a atribuição a capitalistas sem nome da mineração do lítio na sua região? Não é natural  que as populações  de Matosinhos,  Sines  ou Abrantes  vejam mais  do que comprovadas  as razões que tinham para desconfiar da transição justa (para o desemprego) que lhes é “oferecida” com o encerramento  das centrais de ener- gia lá implantadas? Assim como é natural  que a adjudicação  a eito, pelo país fora, de 14 megacentrais  fotovoltaicas,   que atapetariam hectares sem fim, desperte a máxima desconfiança e inquietação. O princípio fundamental da transição energética já não é teórico. Está bem estabelecido: os trabalhadores   das empresas que encerram, que tinham contratos e direitos, vão para a rua. Para o novo mundo “verde” entram, quando muito, trabalhadores com contratos precários, pagos ao salário mínimo ou, quiçá, imigrantes acarretados em condições de semi-escravatura,  como nas estufas do Alentejo.

Qual transição justa?

Para acalmar os espíritos mais inquietos, os governos falam de “transição justa”. Invocam o “Fundo para a Transição Justa” criado pela União Europeia. Daí viriam muitos milhões para “requalificar”, “reciclar” e “formar” os trabalhadores despedidos.
Só que também o princípio desses fundos europeus é bem conhecido. Primeiro, os trabalhadores ficam sem contrato. Recebem talvez um subsídio por algum tempo. Entretanto, o “Fundo” faz “concursos”. Investidores formam empresas formadoras e reciclado- ras, mais ou menos fictícias, para concorrerem aos fundos e embolsarem uns milhões. Encontrada a formadora mais barata, há, com sorte, umas “actividades”. Depois, esquece-se o assunto. Os trabalhadores desaparecem no desemprego, na reforma antecipada ou na miséria.

“Um Segredo Sujo”

(Excerto do Der Spiegel, nº 44/2021, de 29 de Outubro de 2021)

DER SPIEGEL 44/2021
“Uma turbina eólica esconde um segredo sujo. Sim, ela transforma o movimento do ar em corrente eléctrica de maneira limpa e eficiente. Pouca gente tem, contudo, ideia exacta do material de que ela se compõe. Ora, ele é fruto de uma agressão brutal à natureza.
Uma central eólica precisa de cimento, areia, aço, zinco, alumínio. E de toneladas de cobre para o gerador, a transmissão, a sub-estação e infindáveis cablagens. Uma turbina média das instaladas no mar em- prega umas 67 toneladas de cobre. Para extrair esta quantidade, é preciso que mineiros removam quase 50.000 toneladas de terra e rocha, o quíntuplo do peso da torre Eiffel. A brita é então triturada, esmagada, ensopada e percolada. Muita natureza destruída por um bocadinho de electricidade verde.
Na mina Los Pelambres, no Norte do Chile, fica-se a perceber as dimensões a sério. É uma das maiores jazidas de cobre do mundo, uma cratera gigante a 3600 metros de altitude. Solos abençoados com minério metalífero. Quase 2% da produção mundial de cobre sai deste buraco.
Camiões-báscula com motores de 3500 cavalos carreiam cargas de muitas toneladas pelos socalcos. As peças chegam ao vale por um tapete rolante de quase 13 quilómetros; ali se separa a pedra do cobre. O processo requer quantidades industriais de electricidade e água, esta, um bem especialmente precioso numa região poeirenta e seca.
Explora o projecto a mineira chilena Antofagasta, com sede em Londres, que detém 60% da mina. Em 2013 construiu uma central hidroeléctrica essencialmente para Los Pelambres. Camponeses locais protestaram, responsabilizando o projecto pela escassez de água na região.
Agora a mina vai ser ampliada. A empresa vai bombear novas quantidades de água da costa do Pacífico, pelo país fora, água do mar dessalinizada. A gerência espera, assim, conseguir explorar a mina uns anos mais. A procura mundial de cobre vai, com efeito, aumentar enormemente, para cabos e motores eléctricos. Ou turbinas eólicas.
Supõe-se que tais tecnologias verdes salvem o planeta – mas, para já, o que se está a fazer, para esse efeito, é a saqueá-lo: tal é a lógica paradoxal que subjaz ao mais importante projecto do mundo industrializado na actualidade, a transição energética global. Cada vez se espalha mais a consciência deste dilema. Ele irá estes dias ocupar os cerca de 25.000 delegados à conferência mundial do clima. Exploram-se os solos do Sul, pobre, para as pessoas do Norte, rico, poderem viver uma vida na aparência ecologicamente correcta. Ou, pelo menos, para poderem achar que a vivem.”