Carta do POID a Jean-Luc Mélenchon

A Jean-Luc Mélenchon
e aos dirigentes de La France Insoumise

Camaradas,

Tivemos conhecimento das cartas enviadas por La France insoumise ao Partido Comunista Francês, ao partido Europe Écologie-Les Verts e ao NPA, propondo lançar as bases de uma união para as eleições legislativas. A carta não nos é endereçada, o que é lógico: conheceis o nosso desacordo com o programa da União Popular, que constituiria a base da vossa proposta de união (conheceis também o nosso desacordo quanto à votação unânime em que participaram os deputados de La France insoumise no dia 19 de Março de 2020, atribuindo 343 mil milhões de euros aos capitalistas e especuladores, e à votação dos deputados de La France insoumise no Parlamento Europeu nos dias 1 de Março e 7 de Abril, aprovando a escalada militar na Europa de Leste).

O propósito da presente missiva não é um acordo para as próximas eleições legislativas.

Não obstante, não ficamos indiferentes à discussão aberta pelas vossas cartas. Ouvimos Adrien Quatennens propor “impor uma coabitação” a Macron. Lemos a intervenção em que Mathilde Panot declarou: “Queremos a maioria para governar o país. Não vamos às legislativas para ter o máximo de deputados, mas para aplicar o nosso programa, O Futuro em Comum.” Ouvimos Jean-Luc Mélenchon declarar: “Peço aos franceses que me elejam primeiro-ministro. Para me elegerem como primeiro-ministro, peço que elejam uma maioria de deputados insubmissos, insubmissos e da União Popular.

No domingo, 24 de Abril, a Vª República passará a ter um novo presidente, uma vez concluída uma segunda volta em que, em consequência da divisão, nenhum candidato participa que reivindique a defesa dos interesses dos trabalhadores. Sendo esse o contexto, tanto fará que o primeiro-ministro seja Jean-Luc Mélenchon ou não?

A solução mais favorável aos interesses dos trabalhadores é aquela que permita tomar pelo menos algumas medidas que correspondam aos seus interesses. Poderá um governo dirigido por La France insoumise fazê-lo, no contexto da Vª República? “Elejam-me primeiro-ministro”, propõe Jean-Luc Mélenchon aos eleitores. Jean-Luc Mélenchon sabe – como todos sabemos – que, sob a Vª República (cuja abolição todos almejamos), quem é eleito por sufrágio universal é o Presidente da República, não o primeiro-ministro. A Constituição dispõe que o essencial dos poderes se concentre nas mãos do Presidente, nomeando ele o primeiro-ministro, cujas prerrogativas são constitucionalmente limitadas. Numa palavra: o primeiro-ministro e o seu governo ficam sob tutela do presidente. Compreendemos, apesar disso, que, com tal fórmula, Mélenchon quis dizer: “Reivindicamos governar com o nosso programa”. É uma afirmação que merece ser levada a sério. Se bem que o programa de La France insoumise não seja o nosso programa, mesmo um início de aplicação desse seu programa faria diferença em relação ao que outro governo fizesse. 

A nossa preocupação – que muitos trabalhadores, militantes e jovens de todas as tendências partilham – pode, pois, resumir-se assim: estais dispostos a recorrer a todos os meios necessários para aplicar ou, no mínimo, começar a aplicar esse vosso programa?

Na terrível situação que hoje afecta os trabalhadores, as famílias populares e a juventude, isso implica medidas de emergência. A começar pelo congelamento total de todos os preços de produtos de consumo corrente, dos carburantes e das rendas de casa face à inflação galopante, assim como o aumento imediato de todos os salários, pensões e prestações sociais.

Ante a iminência de um regresso à escola catastrófico em setembro de 2022, isso implica afectar imediatamente todos os meios necessários para nomear dezenas de milhares de professores e pessoal não docente, restabelecendo condições para uma escolarização normal da jovem geração, bem como revogar as contra-reformas de destruição do diploma liceal, o Parcoursup, etc.

Ante esse outro desastre que é a situação hospitalar, isso implica afectar sem demora meios para recrutar os 100.000 funcionários de saúde necessários e reabrir sem demora as camas e serviços fechados nos hospitais.

É igualmente urgente revogar as contra-reformas destrutivas, começando por defender os regimes de aposentação, opondo-se, no mínimo, a qualquer aumento da idade de aposentação.

Para tanto, não há que hesitar em ir buscar os meios necessários aonde eles estão, especialmente às centenas de milhar de milhões que há dois anos têm sido distribuídos aos capitalistas a pretexto da luta contra a pandemia, bem se sabendo o uso que deles tem sido feito.

Urgência imediata é, também, a saída da França do comando militar da NATO, num processo de saída desta aliança militar ao serviço do imperialismo americano.

Todas estas medidas figuram seja no programa de La France insoumise, seja nas últimas propostas formuladas por Jean-Luc Mélenchon ou outros dirigentes do vosso movimento. Não vos escrevemos a pedir que apliqueis um programa que não seja o vosso. Porém, é importante, no interesse do povo trabalhador, saber se contais mobilizar os meios que forem necessários para aplicar sem demora o vosso programa.

É neste ponto que convém desfazer alguns equívocos. Ouvimos Quatennens reivindicar a coabitação. A história ensina-nos o que a coabitação quer dizer. O único governo da Vª República em que um primeiro-ministro de esquerda coabitou com um presidente de direita foi, de 1997 a 2002, o governo Chirac-Jospin (que incluía vários ministros socialistas, verdes, comunistas…). Foi o primeiro governo que aplicou o plano Juppé de destruição da segurança social, contra o qual, um ano antes, se haviam insurgido milhões de trabalhadores, em greves e manifestações, com os seus sindicatos, plano cuja retirada todos os dirigentes de esquerda haviam jurado que imporiam. Foi um governo que entrou na história como o que mais privatizações fez em toda a Vª República. Foi, ainda, o governo que decidiu que a França participasse na intervenção militar da NATO no Afeganistão. A coabitação Chirac-Jospin foi, ao nível constitucional, muito respeitadora das regras da Vª República; ao nível social, económico e político, ficou marcada por uma política de regressão que nada tem a invejar ao que teria sido a política de um governo de direita.

A coabitação implica subordinação quer às instituições da Vª República quer ao necessário acordo com um presidente eleito com um programa de regressão social e que tenciona fazer com que ele seja aplicado. Ou será vossa intenção considerardes, nos termos da democracia de que vos reclamais, que é vosso direito e dever levar à prática o mandato maioritário que receberdes nas eleições legislativas?

Nesse caso, é provável que o presidente eleito com um programa contraditório se tente opor, invocando as regras da Vª República. Em tal hipótese, a questão chave será: quem manda? Será a vossa posição a de rejeitar aqueles ditames e dar imediatamente início ao processo de convocação de eleições para uma Assembleia Constituinte soberana que permita ao povo definir o conteúdo social e a forma política de uma verdadeira democracia, varrendo a monarquia presidencialista? Se assim for, irá ser preciso, disso estamos convencidos, apelar à mobilização de milhões e milhões de trabalhadores e jovens para permitir que a democracia vença todas as resistências que a reacção não deixará de montar.

Estamos convencidos de que, nesse caso, os trabalhadores e os jovens se mobilizarão nesse sentido. Queremos assegurar-vos de que, em tal caso, o Partido Operário Independente Democrático ocupará, pela sua parte, o seu lugar, em função dos meios que são os seus, na luta pela imposição, se não da ruptura completa com a ordem capitalista, pelo menos das primeiras medidas na via da ruptura. Sem por isso desistirmos do nosso próprio programa político de luta por um governo dos trabalhadores e da democracia, pelo socialismo.

Queremos crer que ireis esclarecer qual a vossa posição nesta questão essencial: coabitar e, consequentemente, submeterem-se às regras da Vª República, que dão o poder preponderante a um presidente e à reacção capitalista que o levou ao poder; ou assumir o mandato da maioria, o mandato democrático que estais a pedir, sem hesitar em avançar na via da ruptura para poderdes aplicar a vossa própria política.

Não temos nenhuma intenção polémica. Existindo uma possibilidade de ruptura no interesse dos trabalhadores e da juventude, de um primeiro passo para pôr em causa a continuidade dos governos anteriores, sabei que o POID saberá assumir as suas responsabilidades.

Ficamos atentos à resposta que queirais dar a estas perguntas.

Saudações fraternas

O executivo nacional do Partido Operário Independente Democrático
Montreuil, 21 de Abril de 2022