Planos do Imperialismo para o Pós-Guerra da Ucrânia

A revista The Economist já leva quase duzentos anos a explicar a superioridade do capitalismo e a traçar novas ideias para o conservar. Procura reflectir, para um público selecto e avisado, o ponto de vista dominante do capital financeiro. Por esse motivo, à propaganda grosseira das televisões e jornais “normalizados” para as massas prefere a análise cuidada. 

No seu editorial de 23 de Fevereiro de 2023, a revista reflecte sobre o futuro da Ucrânia. 

Abraça, é claro, a linha geral do seu “Ocidente” (também reproduzida pelo grande chefe de guerra António Costa) de que “a Rússia tem de ser derrotada” e, portanto, “a Ucrânia tem de ganhar” – linha tanto mais fácil de manter quanto só se planeia fazer correr sangue ucraniano e russo, de que se considera ainda haver abundantes mananciais. 

No entanto, considerando os arsenais nucleares e a política de alianças no mundo, com a direcção chinesa bem ciente de que, para os EUA e a NATO, a guerra na Ucrânia é apenas um intróito à ofensiva sobre a China, manda o realismo preparar-se para uma situação de “guerra fria” ou conflito congelado, na sequência da actual guerra aberta. À semelhança, diz The Economist, da “solução” que há muitas décadas vigora na península da Coreia e… em Israel.

Com efeito, refere The Economist, o regime ucraniano só se aguentará se for alimentado a longo prazo (“pelo menos uma década”) a milhares de milhões de dólares de armamento e ajuda orçamental “ocidentais”, transformando-se num “Israel europeu, demasiado indigesto para que uma nova invasão russa possa ter sentido.

Isso terá, é claro, várias consequências. 

Uma será a transformação das economias “ocidentais” em economias de guerra.

Estando a Ucrânia “a disparar por mês tantos projécteis de artilharia como a América produz num ano”, será preciso desviar recursos maciços para a produção militar.

Tais aumentos astronómicos da despesa militar (“os países ocidentais têm de aceitar que já não se podem dar ao luxo de manter níveis de produção de armamento de tempos de paz”) necessariamente importarão numa desmontagem maciça das despesas sociais – numa intensificação da guerra social interna contra os trabalhadores e da pilhagem dos recursos minerais do “terceiro mundo”.

Outra consequência é a transformação da Ucrânia, às portas da Rússia, no tal porta-aviões dos EUA/NATO que Israel é às portas do Médio Oriente petrolífero.

A revista prefigura já a divisão de trabalho: como os EUA “têm fornecido a parte de leão do armamento”, caberá à União Europeia aguentar o resto do orçamento do Estado ucraniano (e fazê-lo aderir rapidamente ao clube). 

Vai sair caro, avisa a revista. Se a “ajuda” não for à escala da dada a Israel, que é, na verdade, um anexo do orçamento dos EUA, claudicará na Ucrânia aquilo a que The Economist chama a “democracia” – ou seja o regime do herói Zelensky, em que os partidos políticos, sindicatos não alinhados e jornais de oposição são proibidos e a contratação colectiva é igualmente proibida a não ser em grandes empresas. E todo o plano ficaria em causa.

A revista faz também uma recomendação curiosa. Sabe-se que, a seguir à Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes foram praticamente obrigados pelas grandes potências vencedoras a ir para Israel, apesar de poucos o desejarem – o sionismo sempre foi muito minoritário na população judia da Europa. Recomenda agora The Economist como “vital” que, logo que os combates cessarem, “as mulheres e crianças que se refugiaram no Ocidente não fiquem lá, mas se juntem aos seus homens”. Não soa estranho? Receia-se, forçosamente, que número significativo de “mulheres e crianças” porventura não queira voltar! Parecendo sugerirem-se “incentivos” para elas passarem a querer – pois tal é “vital” para a estabilidade do novo porta-aviões da NATO!

Como estas páginas têm sustentado, a única solução que o imperialismo tem para a guerra é mais guerra. Guerra contra os povos em toda a parte. E, uma vez dessangradas a Rússia e a Ucrânia e transformada esta num quartel avançado da NATO, toda a pressão poderá ser aplicada para que a China escancare os seus mercados aos biliões de capitais fictícios que procuram engordar ainda mais a “dona Branca” que são os mercados financeiros mundiais – desfazendo definitivamente, de passagem, a propriedade social das empresas estatais estratégicas na China e rachando o Estado chinês.