“As mulheres querem liberdade, trabalho e educação”

Hasina Sadet, militante da Esquerda Radical do Afeganistão (LRA), que usou da palavra num comício da comissão de mulheres trabalhadoras do Partido Operário Independente Democrático de França, no dia 11 de Março passado, fala da situação das mulheres afegãs desde que a milícia religiosa fundamentalista dos talibãs regressou ao poder, em Agosto de 2021, um regresso organizado pela administração americana.

Qual a situação das mulheres?

Estão como na prisão, sem nenhum direito elementar. A maioria vive abaixo do limiar de pobreza, dado não ter trabalho ou ter deixado de o ter. Um dos chefes talibãs declarou recentemente que o papel da mulher deve limitar-se às tarefas domésticas e à criação dos filhos. Recordo que, durante os vinte anos de ocupação militar da NATO e dos Estados Unidos (2001-2021), nunca se fez nada pelas mulheres. As raras ministras do governo fantoche (durante a ocupação) só lá estavam para servir de decoração.

Que violências sofrem as mulheres?

Um dos maiores problemas são os casamentos coercivos. Em algumas províncias, os talibãs andam de casa em casa a recensear raparigas, mulheres divorciadas e viúvas. Depois obrigam-nas a casar com talibãs.

O hijab passou a ser obrigatório para as meninas. As mulheres não estão autorizadas a sair à rua sem um mahram (tutor masculino, membro da família que não o marido, segundo a charia islâmica – NdR). Se mesmo assim saírem, são punidas. O divórcio deixou de ser legal, e os talibãs deixaram de reconhecer as sentenças de divórcio.

As mulheres estão totalmente excluídas das escolas, universidades e da educação em geral. É-lhes vedado trabalhar no sector público, no sector privado e nas organizações não governamentais. Deixaram de poder praticar desporto e até de poderem passear num jardim ou espaço público de qualquer tipo.

Na maior parte dos casos, as mulheres também não são autorizadas a deslocarem-se a clínicas. Os talibãs proibiram as farmácias de venderem meios contraceptivos tanto para homens como para mulheres.

Na semana passada, na província de Zabol, três talibãs irromperam por uma casa onde vivia uma mãe sozinha com as suas duas filhas. Violaram impunemente as duas miúdas à frente da mãe. Há dezenas de crimes deste género, mas o mundo inteiro mantém-se em silêncio perante tal violência.

E a repressão?

As mulheres vivem cheias de medo. Mas isso não quer dizer que não tentem protestar, que não saiam à rua até. O regime manda-as para a prisão e restringe a cobertura das manifestações pela comunicação social. A repressão do regime abate-se também sobre maridos, pais e irmãos. A maior parte das nossas camaradas comprometidas no combate deixaram de dar notícias. Sabemos que vivem numa situação muito difícil.

Quais são as reivindicações das mulheres?

As três reivindicações fundamentais são liberdade, trabalho e educação. Em algumas regiões do Afeganistão, o dia 6 de Março era o dia do regresso à escola e à universidade: como as escolas e universidades abriram as portas, muitas raparigas tentaram lá ir. Só que os talibãs impediram-nas de entrar. Nalguns casos, elas sentaram-se na rua, à frente dos portões das escolas e universidades. Puxaram dos manuais escolares, muitas delas choravam de raiva por não as deixarem instruir-se. Os talibãs dispersaram-nas violentamente. Na realidade, eles ficam aterrorizados com as mulheres e com o mais pequeno ajuntamento de mulheres.

Podes-nos falar das últimas iniciativas do Movimento Espontâneo das Mulheres Afegãs*?

Na semana do 8 de Março (que coincidia com o regresso à escola e à universidade), as nossas camaradas da geração jovem e outras estudantes concentraram-se à frente das suas antigas escolas e universidades, protestando contra a sua exclusão de todos os estabelecimentos de ensino pelos talibãs. No dia 8 de Março, o Movimento organizou pequenas reuniões clandestinas em apartamentos; não na rua, estavam proibidas concentrações. Não pudemos organizar manifestações maiores, principalmente em Cabul. Neste momento, as nossas camaradas e militantes estão sob vigilância estreita dos talibãs. Algumas estão presas, e temos medo de que os talibãs prendam outras camaradas. Apoiamos e aderimos a todas as manifestações de mulheres. 

No teu discurso do 11 de Março de, em Paris, avisaste e lembraste que “nem todos os que se opõem aos talibãs são necessariamente amigos das mulheres e do povo afegão”. Que querias dizer com isso?

Nem todas as forças que arvoram a pretensão de agir “em nome das mulheres afegãs” trabalham forçosamente no interesse delas. Algumas estão ligadas ao imperialismo e querem desviar as lutas das mulheres. Por exemplo, todas as ex-ministras do último governo fantoche (que esteve no poder durante os vinte anos da ocupação da NATO – NdR) apresentam-se hoje de cara lavada democrática. Arranjaram um belo “negócio”, pelo qual recebem subsídios de milhões de dólares das potências imperialistas.

Desconfiem de tais organizações não governamentais (ONG), que aparecem na comunicação social a tentar convencer que estão a trabalhar em prol das mulheres no Afeganistão. O governo Biden usa, por exemplo, Rina Amiri, uma cidadã americana nascida no Afeganistão, como “enviada especial para os direitos das mulheres”. Essa gente não é digna de confiança. 

Outros “defensores dos direitos das mulheres” estão ligados a grupos fundamentalistas, que se opõem aos talibãs, mas partilham as suas posições medievais e misóginas. Esses mesmos dirigentes fundamentalistas, tal como os chefes talibãs, mandam os seus filhos – rapazes e raparigas – estudar para boas universidades em Inglaterra, no Dubai, no Catar ou no Paquistão.

A solidariedade internacional é essencial para o vosso combate?

As mulheres afegãs sofrem torturas, pressões e não têm nenhum direito elementar. Pedimos às mulheres, à escala internacional, que apoiem o nosso movimento, que não nos deixem sozinhas. Que nos ajudem a sair da situação em que estamos, a conquistar os nossos direitos: educação, trabalho e liberdade. Não nos deixem viver na escuridão, não deixem eles mandarem-nos outra vez para a idade da pedra!