Passaram mais de 100 dias da tomada de posse do governo de Lula da Silva. Eleito pela mobilização dos trabalhadores e jovens brasileiros para derrotar o governo ultra-reaccionário de Bolsonaro, ele carrega em si a esperança em novas conquistas que, combatendo a exploração capitalistas, reduzam a opressão e a miséria.
Contudo, como já se disse nestas páginas, o que se constituiu foi um governo de colaboração de classes, de Lula e do vice-presidente Alckmin, que inclui ministros de direita e de extrema direita (veja-se a recente demissão de Gonçalves Dias, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, depois da divulgação de um vídeo onde é visto a conversar com os invasores do Palácio do Planalto). O governo cedo anunciou a continuação da submissão aos interesses fundamentais da classe dominante e do imperialismo: e ser, portanto, incapaz de atender as reivindicações centrais das massas.
No Ministério da Fazenda, trabalha-se intensamente na elaboração do chamado Novo Arcabouço Fiscal (NAF).
A regra orçamental (NAF) proposta pelo ministro Haddad limita o aumento das despesas primárias a 70% da receita dos doze meses anteriores. Por exemplo, se a receita aumentar 100 milhões de reais em 2023, o aumento da despesa não poderá ultrapassar 70 milhões de reais em 2024. Fixa-se, também, uma faixa de flutuação para as variações na despesa, entre um mínimo de +0,6%, equivalente ao crescimento populacional, e um tecto de +2,5% sobre a inflação do ano anterior. O objectivo prometido pelo NAF é eliminar o déficit primário em 2024 e alcançar um superavit primário de 0,5% em 2025 e de 1/% em 2026.
Os compromissos do actual governo são evidentes na sua política económica: o novo quadro orçamental não passa de um novo limite para a despesa pública, que pouco diverge da política anterior de Bolsonaro e de Michel Temer. Visa continuar a garantir aos “mercados” que o governo cumprirá as metas de pagamento da dívida pública aos seus credores – bancos internacionais e especuladores: o capital financeiro.
Enquanto, nos seus discursos, Lula ataca os bancos e os “mercados”, na prática, submete-se aos seus interesses fundamentais: limitar as despesas sociais, elevando a prioridade absoluta o pagamento da dívida e a regra de ouro, que, a partir de um limite de endividamento, só permite ao governo contrair dívidas para pagar dívidas antigas, forçando o congelamento dos salários, das reformas e do financiamento dos serviços públicos. Por isso os “mercados” reagiram positivamente à medida: bolsas em alta, dólar em baixa.
O Novo Arcabouço Fiscal não contribui, portanto, para Lula “colocar os pobres no orçamento” ; muito menos, para corresponder às expectativas nele depositadas no período eleitoral.
Para tal, Lula, teria que dispor livremente do Orçamento Federal, sem artifícios como o NAF, que servem para pagar os juros injustos da dívida pública e que concentram parcela cada vez maior do PIB nas mãos de um punhado de ricos.
No Ministério da Educação, o ministro Camilo Santana, confrontado pela pressão das mobilizações populares, anuncia a suspensão do calendário da política dita do Novo Ensino Médio (NEM) – uma contra-reforma do sector educacional realizada em governos anteriores.
No entanto, tanto Lula como Camilo Santana já se manifestaram várias vezes contra a revogação do NEM. Defendem “ajustes” ao novo modelo. Não é surpresa – o NEM foi aprovado por Temer, e a sua aplicação foi iniciada por Bolsonaro, mas o embrião do projecto foi formulado durante o governo de Dilma Rousseff, dirigido pelo Partido dos Trabalhadores (PT). É uma demonstração clara dos seus compromissos com o capitalismo. Aliás, a “reforma trabalhista” (das leis laborais) e a reforma da previdência (aposentações) também foram aprovadas pelos governos Temer e Bolsonaro.
A política do Novo Ensino Médio, além de reduzir o conteúdo geral das disciplinas tradicionais para os alunos, faz parte do desmantelamento do ensino público que visa reduzir a despesa no sector. Pretende-se preparar o terreno para o despedimento de funcionários públicos e o alargamento das privatizações, com a entrada de grandes grupos privados do sector educacional em “parcerias” com o Estado.
Aos trabalhadores, a administração dos negócios da burguesia só trará mais desastres. A luta é pelo cumprimento do mandato das urnas.
A luta é por “tirar os ricos banqueiros do orçamento público” e reafectar os gastos com a dívida pública à saúde, à educação, à habitação, à segurança social e aos investimentos necessários para melhorar a qualidade de vida da população. É por empregos e salários decentes para todos os trabalhadores, com reajuste salarial mensal de acordo com a inflação. É pela revogação total e imediata do NEM, da reforma trabalhista e da reforma da previdência e de todas as contra-reformas.
É preciso mostrar às camadas mais avançadas da classe trabalhadora e da juventude o que é e como é o novo governo e tirar as devidas conclusões: organizar e continuar a luta, sem se distrair com a retórica do governo, da extrema-direita e da oposição bolsonarista.
As decepções com os governos anteriores de Lula e Dilma cortaram os laços do PT com as massas trabalhadoras. O voto em Lula em 2022 decorreu de alguma esperança em políticas mais favoráveis aos trabalhadores, mas também, e sobretudo, da necessidade de derrotar Bolsonaro.
A crise económica mundial agrava continuamente as condições de vida dos trabalhadores, no Brasil como em todos os países com governos da burguesia ou de colaboração de classes, diminuindo a popularidade de tais governos e estimulando as mobilizações de massas.
Assim, no Brasil, a luta pela revogação do NEM, apesar das manobras das direcções sindicais e estudantis; a luta da FAFEN, Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná, uma unidade do Sistema Petrobrás; ou os documentos saídos do Congresso do Sindicato dos Servidores Municipais de Curitiba (SISMUC).Forma-se um novo ciclo de lutas, protagonizado por jovens, trabalhadores e activistas, também estimulados pelos sinais e exemplos vindos de todo o mundo, como, por exemplo, as mobilizações, em França, contra a reforma do sistema de aposentação e o governo Macron.