Guerra imperialista e guerra social

O GOVERNO COSTA DESFAZ-SE
MAS AINDA É O PLANO A DO CAPITAL E DE MARCELO
Entretanto, preparam o plano B,
sagrando Ventura como “líder da oposição”

É TEMPO DE OS TRABALHADORES
CONSTRUÍREM O SEU PRÓPRIO PLANO

Editorial d’ “O Trabalho” nº29

Von der Leyen (chefe da Comissão Europeia) e Stoltenberg (secretário-geral da NATO) não se cansam de exigir medidas draconianas de “economia de guerra” contra os trabalhadores europeus. Fazem‐no com a determinação e a clareza de quem, imune a eleições e outros incómodos, é porta‐voz dos interesses gerais do imperialismo – e, portanto, em primeiro lugar, de Washington, que prossegue e comanda a guerra na Ucrânia e prepara a guerra contra a China.

Em nome dessa economia de guerra, em França, onde, graças à Constituição bonapartista, o presidente também é quase (mas apenas quase) imune aos incómodos eleitorais, Macron arrostou com treze jornadas de greve geral e manifestações de milhões e milhões de trabalhadores e jovens e impôs a passagem da sua contra‐reforma da segurança social francesa, que aumenta a idade da aposentação legal. Feito isso – sem conseguir domar o movimento de massas – , passa agora a novas medidas de guerra e guerra social: aumento maciço dos orçamentos militares e corte de todos os outros orçamentos, incluindo os salários dos funcionários.

Em Portugal, o afundamento do governo do PS em crises sucessivas, apesar da maioria absoluta, começa, neste contexto, a ser um problema para Marcelo e Bruxelas: os donos do PSI‐20 esperavam, nesta altura, estar a distribuir tranquilamente entre si os bolos “verdes” e “digitais” do PRR, os lucros de amanhã.

Não que o governo de Costa não tenha tomado medidas duríssimas, ao nível das da troika, contra os trabalhadores. São os cortes gerais de pensões e salários via inflação, são os cortes nominais dos salários na TAP, é o apego férreo à caducidade da contratação colectiva e ao roubo de tempo de serviço dos professores, é o constante desinvestimento no SNS e no ensino.

Porém, não obstante todas essas provas de fidelidade aos interesses do grande capital e às ordens da UE, a crise no governo agrava‐se. Ministros caem. “Casos” surgem constantemente.

Urgia “fazer alguma coisa”.

Primeiro, o simples facto da participação de Lula nas comemorações do 25 de Abril; depois, as declarações do presidente do Brasil, em Pequim e na Arábia, a pedir aos EUA e à UE para deixarem de incentivar a guerra na Ucrânia e começarem a falar de paz, vieram criar o pretexto azado para uma operação política. 

Eles precisam agora de abrir caminho a uma alternativa à direita que possa suceder a Costa, já ou depois. Face ao desaparecimento do CDS e à crise do PSD – manifesta na sucessão de nulidades à sua cabeça –, aceitam que a alternativa tenha de surgir à volta do fascista Ventura.

Com a visita de Lula, caiu o laborioso e pouco convincente “cordão sanitário” à volta do Chega. Personagens “altamente respeitadas” que povoam a imprensa e a televisão, como Pacheco Pereira e Lobo Xavier, apareceram a vociferar contra Lula e a apelar a protestar contra a sua presença no 25 de Abril – assim aderindo, em vários casos explicitamente, aos protestos de Ventura e à sua reivindicação de liderança da oposição.

A própria declaração obtida por Marcelo do obtuso Montenegro, interpretada pela imprensa de serviço como sendo, “finalmente”, a exclusão da possibilidade de uma “geringonça à direita”, portanto de uma coligação com o Chega, foi, de facto, exactamente o contrário. O desesperado Montenegro proferiu uma mera súplica a Ventura para ele dizer qualquer coisinha contra o “racismo” que desimpedisse o caminho da aliança.

Não demorou a aparecerem sondagens ao povo a demonstrar que o caudilho do Chega é o verdadeiro chefe da oposição.

Marcelo bem solicitara a Montenegro, alto e bom som, que o “convencesse” de que é capaz de oferecer a tal alternativa que permita ao presidente dissolver a Assembleia da República caso António Costa não consiga endireitar o governo. Entenda‐se: endireitar o governo significa, hoje, levar até ao fim uma ofensiva de economia de guerra, de austeridade e repressão sem limites contra o trabalho que implicaria, com quase certeza absoluta, a imolação eleitoral e política do PS pelo bem do capital.

Porém, a dificuldade destes senhores não se reduz à nulidade dos dirigentes do PSD e dos partidos tradicionais da burguesia.

As direcções tradicionais das organizações dos trabalhadores, nomeadamente das centrais sindicais, têm sido garantes da estabilidade do regime. Ao aceitarem as regras do jogo ditadas pelos tratados da UE, a sua “economia de mercado” e a sua “concorrência livre e sem entraves”, elas acabam sempre por optar pela “contenção” das lutas. Desgastam a resistência dos trabalhadores à política capitalista em “jornadas de luta” simbólicas e greves divididas, em vez de as coordenarem em poderosas greves de massas que paralisem o país até as reivindicações serem ganhas.

Porém, são cada vez mais notórias as dificuldades dessas direcções em continuar a desempenhar esse papel. A luta incansável e largamente auto‐organizada dos professores obrigou o rotineiro Mário Nogueira a “redescobrir” a sua combatividade. E multiplicam‐se as lutas, por exemplo no sector ferroviário, mas também em tantos outros, tanto no público como no privado, em que os trabalhadores começam a impor directamente a sua voz e a sua organização.

As manobras de assalto ao poder por parte da direita serão, assim, tudo menos lineares.

O simples facto da consagração pública do caudilho protofascista como salvador da pátria é, no fim de contas, sinal disso mesmo. O recurso à demagogia fascista para mobilizar o descontentamento e o desespero genérico das camadas pouco organizadas e indefesas da população é um caminho arriscado, a que o grande capital só recorre em último caso.

Para já, a aposta de Bruxelas, de Marcelo e dos chefes do PSI‐20 continua a ser em que Costa leve avante o holocausto do seu partido no altar da guerra. Depois logo se verá.