Orçamento de 2024: As Incertezas de António Costa e as Nossas

Editorial d’ “O Trabalho” nº31-32

Diz o primeiro-ministro do próximo orçamento que as “incertezas” se mantêm, embora agora sejam outras.

E que, portanto, o orçamento do Estado para 2024 deve manter-se “prudente” – e reduzir a “despesa permanente”, conforme recado do cidadão privado Mário Centeno logo no início de Setembro (ver p. 3).

As incertezas de Costa são a guerra na Ucrânia, a recessão na Alemanha, as próximas ordens da senhora von der Leyen, não vá o défice… do senhor Stoltenberg, toca a aumentar a despesa militar…

É verdade que a crise do sistema mundial controlado por Washington se agrava dia a dia. Abrem-se fissuras por todo o lado, alastram as guerras imperialistas contra os povos, da Ucrânia ao Alto Karabakh e à Palestina ocupada, enquanto os EUA apertam o cerco económico e militar à China.

O mundo do capitalismo imperialista está transformado num barril de pólvora que pode deflagrar a qualquer momento.

É apoiado nas incertezas de A. Costa que o governo anuncia um “aumento” geral de 3% para a função pública – uma bofetada infame, vista a aceleração das perdas de poder de compra causadas pela inflação e pelas medidas de extorsão do Banco Central Europeu (ver p. 2).

Incertezas, há-as, sim. Mas não há só as de Costa. Há por aí outras.

Há, por exemplo, a incerteza dos trabalhadores do público e do privado de saber se poderão pagar a próxima prestação da hipoteca, sujeita ao próximo aumento que a srª Lagarde do BCE decida se e quando lhe apetecer. Ou se serão despejados no mês que vem pelo senhorio, para aumentar a renda e acolher nómadas digitais, residentes não habituais ou trabalhadores imigrantes amontoados por traficantes de seres humanos em sistema de rotação de cama quente.

Há a incerteza em que vivem se amanhã ainda poderão pagar o super-mercado e a gasolina e alimentar os filhos.

A incerteza se amanhã ainda terão emprego, não vá a “concorrência livre e sem entraves” condenar a empresa em que trabalham à falência ou ao layoff (pago pela sua segurança social), ou a “plataforma” mudar de ideias ou “fechar a loja”.

Aa incerteza se continuarão a ter cuidados de saúde quando deles precisarem, se conseguirão ter uma pensão de reforma que lhes permita viver sem ser na miséria absoluta.

No orçamento para 2024, estão frente a frente estes dois tipos de incertezas.

E estão, consequentemente, frente a frente as escolhas correspondentes.

Um governo ao serviço dos trabalhadores escolheria acolher as legítimas reivindicações deles, aumentar substancialmente os salários e instaurar o seu ajustamento automático à inflação; escolheria acabar com a precariedade e garantir contratos de trabalho a todos; escolheria congelar as rendas, confiscar todas as habitações propriedade de fundos imobiliários e alojar todas as famílias desalojadas ou mal alojadas; escolheria proibir aumentos de juros pela banca e reconduzir as prestações da habitação aos seus valores pré-inflação, absorvendo a banca a diferença; escolheria retirar as tropas portuguesas das operações da NATO e abandonar esta aliança imperialista.

Se o governo do PS, apoiado na maioria absoluta, escolhesse este caminho, teria o apoio da grande maioria dos trabalhadores, determinados a afrontar todas as incertezas com a força da sua invencível unidade.

Tudo isso seria desobedecer à NATO e à União Europeia? De facto.

Mas os trabalhadores portugueses não estão sozinhos. Em Espanha, em França, na Alemanha, os trabalhadores debatem-se exactamente com as mesmas incertezas e cogitam exactamente nas mesmas respostas. Nos EUA, no coração do imperialismo, estão a decorrer as maiores greves desde há gerações,  nomeadamente no sector automóvel.

O problema, sabemo-lo bem, é que as incertezas que mais preocupam Costa são as outras.

E sabemos que os trabalhadores vão ter de construir a sua frente de resistência unida por si próprios, com os seus sindicatos e comissões, e com os trabalhadores do resto da Europa e do mundo. Para aí aponta o 2º Encontro Nacional dos Solidários, em 28 de Outubro (p. 6). Esse é o caminho que O Trabalho propõe.