Argentina: Eleição de Milei com um programa de guerra civil contra os trabalhadores

Acaba de ser eleito presidente da Argentina Javier Milei, personagem de extrema-direita que se auto-intitula “anarco-capitalista”. Os primeiros a felicitá-lo foram Trump e Bolsonaro, em cujas pegadas Milei se move.

Nas eleições de 2019, o novo partido “libertário” de Milei tivera 1,47% dos votos. Meros quatro anos depois, obteve 56%. O seu adversário vencido foi o peronista Sergio Massa.

Provocador e grosseiro, Milei apresentou-se nos seus comícios com uma moto-serra, simbolizando o corte a eito que prometia “do Estado” (mais exactamente, das despesas sociais), no valor de 15% do PIB. Prometeu abolir 10 dos actuais 18 ministérios, levantar todos os controles de preços e câmbios, abolir todos os subsídios, privatizar os cuidados de saúde, a educação e as pensões, privatizar empresas estatais, criminalizar o aborto. Abolir, ainda, o Banco Central e dolarizar a economia – sujeitando-a directamente ao imperialismo americano – e romper com os “governos comunistas” do Brasil e da China… A mensagem foi bem recebida em Wall Street, onde os mercados financeiros rejubilaram com a vitória de Milei.

Nunca, desde o fim da ditadura militar, em 1983, viu a Argentina semelhante programa de guerra civil contra os trabalhadores. Conseguirá Milei concretizá-lo? Apesar dos números da sua eleição, é tudo menos certo. O seu partido tem apenas 38 dos 257 deputados.

A vitória de Milei é, em primeiro lugar, reflexo da dramática crise do regime da burguesia argentina, estrangulado pela finança internacional. A economia argentina nunca se recompôs do seu colapso em 2001. Durante os governos que se têm sucedido, geralmente dominados pelo peronismo, corrente populista clássica da Argentina, a classe trabalhadora multiplicou mobilizações de massas e greves gerais contra a escravatura à dívida externa e os planos de austeridade ditados pelo FMI.

Contudo, estas mobilizações esbarraram no comprometimento da burocracia sindical peronista com o regime e na inconsequência de grande parte da esquerda argentina, absorvida por estratégias eleitoralistas e incapaz de construir um movimento operário político e sindical inteiramente independente do peronismo.

Por trás do triunfo do populismo “radical” e quase caricato de Milei está o desespero e o empobrecimento de largos sectores das massas, deixadas sozinhas ante a crise económica e social permanente e sempre agravada – e com todas as saídas políticas tapadas.

É claro que a classe dominante e o capital internacional nada têm contra o programa anti-social radical de Milei. Receiam, porém, cortar amarras com a burocracia sindical e, assim, extremar a luta de classes. Para manter as massas sob controle, muitos sectores preferiam Sergio Massa, com as ligações tradicionais do seu movimento à burocracia sindical.

O que significa “a ascensão do extrema-direita” à escala mundial?

É importante compreender o significado da eleição de Milei, quer pelo que ela é, quer pelo que não é.

Tal como nas eleições italianas, que deram a chefia do governo à neofascista Meloni e, mais recentemente, nas eleições neerlandesas, onde o partido xenófobo de G. Wilders foi o mais votado, ganhando quase um quarto dos assentos parlamentares, a subida à presidência de Milei não apareceu a culminar ou acompanhar a conquista das ruas por milícias fascistas, como sucedeu na Itália e na Alemanha há cem anos. E, assim como Meloni não é, para já, muito mais do que a nova cara da mesma política da Comissão Europeia e do BCE para a Itália, Milei será, para já, apenas o novo rosto da política do FMI para a Argentina.

Mas convém não esquecer o outro lado da equação. Também Trump e Bolsonaro foram eleitos em condições idênticas. No entanto, durante os seus consulados, as milícias fascistas fizeram significativos progressos na sua organização – ao ponto de intentarem incipientes golpes de Estado quando os seus caudilhos se viram derrotados.

Tudo se mantém em aberto. O movimento operário argentino sofreu mais um golpe duro – mas não foi esmagado. O descontentamento e a revolta que tiveram expressão atomizada e desorganizada na votação num demagogo populista voltarão a encontrar foco nas medidas anti-sociais que ele promete aplicar.

É tempo de a classe trabalhadora argentina reagrupar forças, separar-se politicamente da burguesia e do peronismo, construir a sua expressão política independente, sindicatos e partidos de classe capazes de derrotar a besta fascista e abrir o caminho ao socialismo. Tudo depende, em última análise, de se conseguir construir uma direcção revolucionária para ajudar a classe operária argentina e de toda a América do Sul a vencer.